sexta-feira, 2 de setembro de 2011

DEUS


I - EXISTÊNCIA DE DEUS

1. - Sendo Deus a causa primeira de todas as coisas, o ponto de partida de tudo, o eixo sobre o qual repousa o edifício da criação, é o ponto que importa considerar antes de tudo.

2.- É princípio elementar que se julgue uma causa por seus efeitos, mesmo quando não se vê a causa.

Se um pássaro, cortando ar, é atingido por um chumbo mortal, julga-se que um hábil atirador o feriu, embora não se veja o atirador. Não é, pois, sempre necessário ter visto uma coisa para saber que ela existe. Em tudo, é observando-se os efeitos que se chega ao conhecimento das causas.

3. - Um outro princípio também elementar, passado ao estado de axioma, por força de verdade, é que todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente.

Se se perguntasse qual é o construtor de tal engenhoso mecanismo, o que se pensaria daquele que respondesse que se fez por si mesmo? Quando se vê uma obra-prima, obra de arte ou de indústria, diz-se que isso deve ser o produto de um homem de gênio, porque uma alta inteligência deve ter presidido a sua concepção; não obstante, julga-se que um homem deveu fazê-la, porque se sabe que a coisa não está acima da capacidade humana, mas não ocorrerá a ninguém dizer que saiu do cérebro de um idiota ou de um ignorante, e ainda menos que seja o trabalho de um animal ou o produto do acaso.

4. - Por toda parte reconhece-se a presença do homem por suas obras. A existência dos homens antediluvianos não se provaria somente pelos fósseis humanos, mas, também, e com igual certeza, pela presença nos terrenos dessa época, de objetos trabalhados pelos homens; um fragmento de vaso, uma pedra talhada, uma arma, um tijolo bastarão para atestar a sua presença. Pela grosseria ou pela perfeição do trabalho se reconhecerá o grau de inteligência e adiantamento daqueles que o realizaram. Se, pois, encontrando-vos em um país habitado exclusivamente por selvagens, descobrirdes uma estátua digna de Fídias, não hesitareis em dizer que os selvagens sendo incapazes de tê-la feito, deve ser a obra de uma inteligência superior à dos selvagens.

5. - Pois bem! lançando os olhos ao redor de si, sobre as obras da Natureza, observando a previdência, a sabedoria, a harmonia que presidem a tudo, reconhece-se que não há nenhuma delas que não sobrepasse o mais alto alcance da inteligência humana. Desde que o homem não pode produzi-la, é porque são o produto de uma inteligência superior à Humanidade, a menos que se diga que há efeitos sem causa.

6. - A isto, alguns opõem o seguinte raciocínio:

As obras ditas da Natureza são o produto de forças naturais que agem mecanicamente, em conseqüência das leis de atração e de repulsão; as moléculas dos corpos inertes se agregam e se desagregam sob o império dessas leis. As plantas nascem, brotam, crescem e se multiplicam sempre do mesmo modo, cada uma em sua espécie, em virtude dessas mesmas leis; cada indivíduo é semelhante àquele do qual saiu; o crescimento, a floração, a frutificação, a coloração, estão subordinados a causas materiais, tais como o calor, a eletricidade, a luz, a umidade, etc. Ocorre o mesmo com os animais. Os astros se formam pela atração molecular, e se movem, perpetuamente, em suas órbitas, pelo efeito da gravitação. Essa regularidade mecânica, no emprego das forças naturais, não acusa uma inteligência livre. O homem movimenta seu braço quando quer, e como quer, mas, aquele que o movimentasse, no mesmo sentido, desde o seu nascimento até a morte, seria um autômato; ora, as forças orgânicas da Natureza são puramente automáticas.

Tudo isso é verdade; mas, essas forças são efeitos que devem ter uma causa, e ninguém pretende que elas constituam a Divindade. São materiais e mecânicas, não são inteligentes por si mesmas, e isso é, ainda, verdade; mas são postas em ação, distribuídas, apropriadas para as necessidades de cada coisa, por uma inteligência que não é a dos homens. A apropriação útil dessas forças é um efeito inteligente que denota uma causa inteligente. Um pêndulo se move com regularidade automática, e é essa regularidade que lhe dá o seu mérito. A força que o faz assim agir é toda material e nada inteligente; mas o que seria desse relógio se uma inteligência não houvesse combinado, calculado, distribuído o emprego dessa força para fazê-la caminhar com precisão? Do fato de que a inteligência não está no mecanismo do relógio, e de que ela não é vista, seria racional concluir que não existe? Ela é julgada pelos seus efeitos.

A existência do relógio atesta a existência do relojoeiro; a engenhosidade do mecanismo atesta a inteligência e o saber do relojoeiro. Quando o relógio vos dá, no momento próprio, a informação de que tendes necessidade, jamais veio ao pensamento de alguém dizer: Eis um relógio bem inteligente.

Ocorre o mesmo com o mecanismo do Universo; Deus não se mostra, mas se afirma pelas suas obras.

7. - A existência de Deus é, pois, um fato adquirido, não somente pela revelação, mas pela evidência material dos fatos. Os povos selvagens não tiveram revelação e, não obstante, crêem, instintivamente, na existência de um poder sobre-humano; vêem coisas que estão acima do poder humano, e delas concluem que provêm de um ser superior à Humanidade. Não são mais lógicos do que aqueles que pretendem que elas se fizeram sozinhas?

II - DA NATUREZA DIVINA

8. - Não é dado ao homem sondar a natureza íntima de Deus. Para compreender Deus nos falta, ainda, o sentido que não se adquire senão pela completa depuração do Espírito.

Mas o homem não pode penetrar a sua essência, sendo a sua existência dada como premissa, pode, pelo raciocínio, chegar ao conhecimento dos seus atributos necessários; porque, em vendo o que não pode deixar, sem cessar, de ser Deus, disso conclui o que deve ser.

Sem o conhecimento dos atributos de Deus seria impossível compreender a obra da criação; é o ponto de partida de todas as crenças religiosas, e foi pela falta de a ela se referirem, como farol que poderia dirigi-las, que a maioria das religiões errou em seus dogmas. As que não atribuíram a Deus a onipotência, imaginaram vários deuses; as que não lhe atribuíram a soberana bondade, dele fizeram um deus ciumento, colérico, parcial e vingativo.

9. - Deus é a suprema e soberana inteligência. A inteligência do homem é limitada, uma vez que não pode nem fazer e nem compreender tudo o que existe; a de Deus, abarcando o Infinito, deve ser infinita. Se se supusesse limitada em um ponto qualquer, poder-se-ia conceber um ser ainda mais inteligente, capaz de compreender e de fazer o que o outro não faria, e, assim, sucessivamente até o infinito.

10. - Deus é eterno, quer dizer que não teve começo e nem terá fim. Se houvesse tido um começo, teria saído do nada; o nada não sendo nada, nada pode produzir; ou bem ele haveria sido criado por um ser anterior, e, então, esse ser é que seria Deus. Se se lhe supusesse um começo ou um fim, poder-se-ia, pois, conceber um ser tendo existido antes dele, ou podendo existir depois dele, e assim sucessivamente até o infinito.

11. - Deus é imutável. Se estivesse sujeito a mudanças, as leis que regem o Universo não teriam nenhuma estabilidade.

12. - Deus é imaterial, quer dizer, que a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria; de outro modo, não seria imutável, porque estaria sujeito às transformações da matéria.

Deus não tem forma apreciável pelos nossos sentidos; sem isto, seria matéria. Dizemos: a mão de Deus, o olho de Deus, a boca de Deus, porque o homem, não conhecendo senão a si mesmo, se toma por termo de comparação de tudo o que não compreende. Essas imagens onde se representa Deus sob a figura de um velho de longas barbas, coberto com um manto, são ridículas; têm o inconveniente de rebaixarem o Ser supremo às mesquinhas proporções da Humanidade; daí a emprestar-lhe as paixões da Humanidade, e dele fazer um Deus colérico e ciumento, não há senão um passo.

13. - Deus é todo-poderoso. Se não tivesse o supremo poder, poder-se-ia conceber um ser mais poderoso, e, assim, sucessivamente até que se encontrasse o ser que nenhum outro poderia superar em poder, e este é que seria Deus.

14. - Deus é soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das leis divinas se revela nas pequenas coisas como nas maiores, e essa sabedoria não permite duvidar nem da sua justiça, nem da sua bondade.

O infinito de uma qualidade exclui a possibilidade da existência de uma qualidade contrária que a diminuiria ou a anularia. Um ser infinitamente bom não poderia ter a menor parcela de maldade, nem o ser infinitamente mau ter a menor parcela de bondade; do mesmo modo que um objeto não poderia ser de um negro absoluto com a mais leve nuança de branco, nem de um branco absoluto com a menor mancha de negro.

Deus não poderia, pois, ser, ao mesmo tempo, bom e mau, porque, então, não possuindo nem uma nem outra dessas qualidades, no grau supremo, não seria Deus; todas as coisas estariam submetidas ao capricho, e não haveria estabilidade para nada. Não poderia, pois, ser senão infinitamente bom ou infinitamente mau; ora, tendo em vista que suas obras testemunham a sua sabedoria, sua bondade e sua solicitude, é preciso disso concluir que, não podendo ser, ao mesmo tempo, bom e mau sem deixar de ser Deus, ele deve ser infinitamente bom.

A soberana bondade implica na soberana justiça; porque se agisse injustamente, ou com parcialidade, em uma só circunstância, ou com relação a uma só das suas criaturas, não seria soberanamente justo e, por conseqüência, não seria soberanamente bom.

15. - Deus é infinitamente perfeito. É impossível conceber Deus sem o infinito das perfeições, sem o que não seria Deus, porque se poderia sempre conceber um ser possuindo o que lhe faltasse. Para que nenhum ser possa superá-lo, é preciso que seja infinito em tudo.

Sendo os atributos de Deus infinitos, não são suscetíveis nem de aumento, nem de diminuição; sem isso, não seria infinito e Deus não seria perfeito. Se se tirasse a menor parcela de um único dos seus atributos, não se teria mais Deus, uma vez que poderia existir um ser mais perfeito.

16. - Deus é único. A unidade de Deus é a conseqüência do infinito das perfeições. Um outro Deus não poderia existir senão com a condição de ser igualmente infinito em todas as coisas; porque se houvesse, entre eles, a mais leve diferença, um seria inferior ao outro, subordinado ao seu poder, e não seria Deus. Se houvesse, entre eles, igualdade absoluta, seria, de toda a eternidade, um mesmo pensamento, uma mesma vontade, um mesmo poder; assim, confundidos em sua identidade, não seriam, em realidade, senão um único Deus .. Se cada um tivesse atribuições especiais, um faria o que o outro não faria, e, então, não teriam, entre eles, igualdade perfeita, uma vez que, nem um nem o outro, teria a soberana autoridade.

17. - Foi a ignorância do infinito das perfeições de Deus que engendrou o politeísmo, culto de todos os povos primitivos; eles atribuíram divindade a todo poder que lhes pareceu acima da Humanidade; mais tarde, a razão levou-os a confundirem essas diversas potências em uma única. Depois, à medida que os homens compreenderam a essência dos atributos divinos, suprimiram, dos seus símbolos, as crenças que dele eram a negação.

18. - Em resumo, Deus não pode ser Deus senão com a condição de não ser superado, em nada, por um outro ser; porque, então, o ser que o superasse, no que quer que seja, não fora senão na espessura de um cabelo, seria o verdadeiro Deus; por isso, é preciso que seja infinito em todas as coisas.

É assim que, estando a existência de Deus constatada pelo fato das suas obras, chega-se pela simples dedução lógica, a determinar os atributos que o caracterizam.

19. - Deus é, pois, a suprema e soberana inteligência; é único, eterno, imutável, imaterial, todo-poderoso, soberanamente justo e bom, infinito em todas as suas perfeições, e não pode ser outra coisa.

Tal é o eixo sobre o qual repousa o edifício universal; é o farol cujos raios se estendem sobre o Universo inteiro, e que, unicamente, pode guiar o homem na procura da verdade; seguindo-o, ele não se perderá nunca, e se está tão freqüentemente extraviado é por falta de ter seguido a rota que lhe estava indicada.

Tal é, também, o critério infalível de todas as doutrinas filosóficas e religiosas; o homem tem, para julgá-las, uma medida, rigorosamente exata, nos atributos de Deus, e pode se dizer, com certeza, que toda teoria, todo princípio, todo dogma, toda crença, toda prática que estivesse em contradição com um único dos seus atributos, que tendesse não somente a anulá-los, mas simplesmente enfraquecê-las, não poderia estar com a verdade.

Em filosofia, em psicologia, em moral, em religião, não há de verdadeiro senão aquilo que não se desvie um "iota" das qualidades essenciais da Divindade. A verdadeira religião será aquela na qual nenhum artigo de fé esteja em oposição com essas qualidades, na qual todos os dogmas poderão sofrer a prova desse controle, sem dele receber nenhum prejuízo.

III - A PROVIDÊNCIA

20. - A providência é a solicitude de Deus para com as suas criaturas. Deus está por toda a parte e tudo vê, tudo preside, mesmo às menores coisas; é nisso que consiste a ação providencial.

"Como é que Deus, tão grande, tão poderoso, tão superior a tudo, pode se imiscuir em detalhes ínfimos, preocupar-se com os menores atos e os menores pensamentos de cada indivíduo? Tal é a questão que o incrédulo se coloca, donde conclui que, em admitindo a existência de Deus, sua ação não deve se estender senão sobre as leis gerais do Universo; que o Universo funciona de toda a eternidade em virtude dessas leis, às quais cada criatura está submetida em sua esfera de atividade, sem que seja necessário o concurso incessante da Providência."

21. - Em seu estado atual de inferioridade, os homens não podem, senão dificilmente, compreender Deus infinito, porque o figuram restrito e limitado, igual a eles; representando como um ser circunscrito, e dele fazem uma imagem à sua imagem. Nossos quadros que o pintam sob traços humanos não contribuem pouco para manter esse erro no espírito das massas, que adoram, nele, mais a forma do que o pensamento. Para a maioria, é um soberano poderoso, num trono inacessível, perdido na imensidão dos céus; e, porque suas faculdades e suas percepções são limitadas, não compreendem que Deus possa ou se digne intervir, diretamente, nas pequenas coisas.

22. - Na impossibilidade que está o homem de compreendera própria essência da Divindade, não pode dela fazer senão uma idéia aproximada, com a ajuda de comparações, necessariamente, muito imperfeitas, mas, que podem, pelo menos, mostrar-lhe a possibilidade daquilo que, à primeira vista, parece-lhe impossível.

Suponhamos um fluido bastante sutil para penetrar todos os corpos; esse fluido, sendo ininteligente, age mecanicamente, tão-só pelas forças materiais; mas, se supusermos esse fluido dotado de inteligência, de faculdades perceptivas e sensitivas, ele agirá, não mais cegamente, mas, com discernimento, com vontade e liberdade; verá, entenderá e sentirá.

23. - As propriedades do fluido perispiritual podem nos dar uma idéia disso. Ele não é inteligente, por si mesmo, uma vez que é matéria, mas é o veículo do pensamento, das sensações e das percepções do Espírito.

O fluido perispiritual, não é o pensamento do Espírito, mas o agente e intermediário desse pensamento; como é ele que o transmite, dele está, de certa forma, impregnado, e, na impossibilidade, que estamos, de isolá-lo, parece não formar senão um com o fluido, do mesmo modo que o som parece não formar senão um com o ar, de sorte que podemos, por assim dizer, materializá-lo. Do mesmo modo que dizemos que o ar se torna sonoro, poderíamos, tomando o efeito pela causa, dizer que o fluido se torna inteligente.

24. - Que ocorra assim, ou não, com o pensamento de Deus, quer dizer, que ele atue diretamente ou por intermédio de um fluido, para facilidade de nossa inteligência, represente-mo-lo sob a forma concreta de um fluido inteligente, preenchendo o Universo infinito, penetrando todas as partes da criação: a Natureza inteira está mergulhada no fluido divino; ora, em virtude do princípio de que as partes de um todo são da mesma natureza, e têm as mesmas propriedades do todo, cada átomo desse fluido, se pode exprimir-se assim, possuindo o pensamento, quer dizer, os atributos essenciais da Divindade, e esse fluido estando por toda a parte, tudo está submetido à sua ação inteligente, à sua previdência, à sua solicitude; não há um ser, por ínfimo que se o suponha, que, dele não esteja de algum modo saturado. Estamos, assim, constantemente em presença da Divindade; não há uma única das nossas ações, que possamos subtrair ao seu olhar; o nosso pensamento está em contato com o seu pensamento, e é com razão que se diz que Deus lê nas mais profundas dobras do nosso coração. Estamos nele, como ele está em nós, segundo a palavra do Cristo.

Para estender sua solicitude sobre todas as criaturas, Deus não tem, pois, necessidade de mergulhar seu olhar do alto da imensidade; as nossas preces, para serem ouvidas por ele, não têm necesidade de cortarem o espaço, nem de serem ditas com voz retumbante, porque, incessantemente ao nosso lado, os nossos pensamentos repercutem nele. Os nossos pensamentos são iguais aos sons de um sino, que fazem vibrar todas as moleculas do ar ambiente.

25. - Longe de nós o pensamento de materializar a Divindade; a imagem de um fluido inteligente universal não é, evidentemente, senão uma comparação, mais própria para dar uma idéia a mais justa de Deus, do que os quadros que o representam sob uma figura humana; ela tem por objeto fazer compreender a possibilidade, para Deus, de estar por toda parte e de se ocupar de tudo.

26. - Temos, incessantemente, sob os olhos, um exemplo que pode nos dar uma idéia do modo pelo qual a ação de Deus pode se exercer sobre as partes mais íntimas de todos os seres, e, por conseguinte, como as impressões, as mais sutis, da nossa alma, chegam a ele. Foi tirada de uma instrução dada por um Espírito a esse respeito.

27. - "O homem é um pequeno mundo cujo diretor é o Espírito, e no qual o princípio dirigido é o corpo. Nesse universo, o corpo representará uma criação da qual o Espírito seria Deus. (Compreendeis que não se pode ver aqui senão uma questão de analogia, e não de identidade.) Os membros desse corpo, os diferentes órgãos que o compõem, seus músculos, seus nervos, suas articulações, são igualmente individualidades materiais, se se pode dizer assim, localizadas em um lugar especial do corpo; se bem que o número dessas partes constitutivas, de natureza tão variadas e tão diferentes, seja considerável, entretanto, ninguém duvida que não possa se produzir um movimento, que uma impressão qualquer possa ocorrer em um lugar particular, sem que o Espírito disso tenha consciência. Há sensações diversas em vários lugares simultâneos? O Espírito as sente todas, discerne-as, analisa-as, assinala, para cada uma, a sua causa e o seu lugar de ação, por intermédio do fluido perispiritual.

"Um fenômeno análogo ocorre entre a criação e Deus.

Deus está por toda a parte na Natureza, do mesmo modo que o Espírito está por toda a parte no corpo; todos os elementos da criação estão em relação constante com ele, do mesmo modo que todas as células do corpo humano estão em contato imediato com o ser espiritual; não há, pois, nenhuma razão para que fenômenos da mesma ordem não se produzam da mesma forma, num e noutro caso.

"Um membro se agita: o Espírito o sente; uma criatura pensa: Deus o sabe. Todos os membros estão em movimento, os diferentes órgãos estão postos em vibração: o Espírito sente cada manifestação, distingue-as e as localiza. As diferentes criações, as diferentes criaturas se agitam, pensam, agem diversamente, e Deus sabe tudo o que se passa, assinala a cada um o que lhe é particular.

"Pode-se disso deduzir, igualmente, a solidariedade da matéria e da inteligência, a solidariedade de todos os seres, de um mundo, entre si, a de todos os mundos, enfim, a das criações e do Criador." (Quinemant, Sociedade de Paris, 1867).

28. - Compreendemos o efeito, já é muito; do efeito remontamos à causa, e julgamos da sua grandeza pela grandeza do efeito; mas a sua essência íntima nos escapa, igual a da causa de uma multidão de fenômenos. Conhecemos os efeitos da eletricidade, do calor, da luz, da gravidade; calculamo-los e, no entanto, ignoramos a natureza íntima do princípio que os produziu. E, pois, mais racional, negar o principio divino, porque não o compreendemos?

29. - Nada impede admitir, para o princípio de soberana inteligência, um centro de ação, um foco principal irradiando, sem cessar, inundando o Universo com seus fluidos, do mesmo modo que o Sol com a sua, luz. Mas onde está esse foco? E' o que ninguém pode dizer. E' provável que esteja mais fixado em um ponto determinado do que não esteja a sua ação, e que percorra, incessantemente, as regiões do espaço sem limites. Se simples Espíritos têm o dom de ubiqüidade, essa faculdade, em Deus, deve ser sem limites. Deus, preenchendo o Universo, poder-se-ia, ainda, admitir, a título de hipótese, que esse foco não tem necessidade de se transportar, e que se forma sobre todos os pontos, onde a soberana vontade julgue a propósito produzir-se, de onde se poderia dizer que ele está por toda a parte e em parte alguma.

30. - Diante desses problemas insondáveis, a nossa razão deve se humilhar. Deus existe; disso não poderemos duvidar; é infinitamente justo e bom; é a sua essência; a sua solicitude se estende a todos: compreende-mo-lo; não pode, pois, querer senão o nosso bem, e é por isso que devemos ter confiança nele: eis o essencial; quanto ao mais, esperemos que sejamos dignos de compreendê-la.

IV - A VISÃO DE DEUS

31.-Uma vez que Deus está por toda parte, porque não o vemos? Vê-lo-emos em deixando a Terra? Tais são as perguntas que se colocam diariamente.

A primeira é fácil de se resolver; nossos órgãos materiais têm percepções limitadas que os tornam impróprios à visão de certas coisas, mesmo materiais. Assim é que certos fluidos escapam totalmente à nossa visão e aos nossos instrumentos de análise, e, todavia, não duvidamos de sua existência. Vemos os efeitos da peste, e não vemos o fluido que a transporta; vemos os corpos se moverem sob a influência da força da gravidade, e não vemos essa força.

32. - As coisas de essência espiritual não podem ser percebidas por órgãos materiais; não é senão pela visão espiritual que podemos ver os Espíritos e as coisas do mundo imaterial; só a nossa alma, pois, pode ter a percepção de Deus. Vê-lo-emos imediatamente depois da morte? E o que somente as comunicações de além-tumulo podem nos ensinar. Por elas, sabemos que a visão de Deus é o privilégio das almas depuradas, e que, assim, bem poucos possuem, em deixando o seu envoltório terrestre, o grau de desmaterialização necessário. Uma comparação vulgar o fará comprender facilmente.

33. - Aquele que está no fundo de um vale, mergulhado em brumas espessas, não vê o Sol; entretanto, pela luz difusa julga a presença do Sol. Se sobe a montanha, à medida que se eleva, o nevoeiro se clareia, a luz torna-se mais viva, mas não vê ainda o Sol. Não é senão depois de estar elevado acima da camada brumosa, encontrando-se num ar perfeitamente puro, que o vê em todo o seu esplendor.

Assim ocorre com a alma. O envoltório perispiritual, se bem que invisível e impalpável para nós, é, para ela, uma verdadeira matéria, muito grosseira, ainda, para certas percepções. Esse envoltório se espiritualiza à medida que a alma se eleva em moralidade. As imperfeições da alma são como camadas brumosas que obscurecem a sua visão; cada imperfeição, de que ela se desfaz, é uma tarefa a menos, mas não é senão depois de estar completamente depurada, que goza da plenitude das suas faculdades.

34. - Deus, sendo a essência divina por excelência, não pode ser percebido, em todo o seu fulgor, senão por Espíritos chegados ao último grau de desmaterialização. Se os Espíritos imperfeitos não o vêem, não é porque dele estejam mais distantes do que os outros; igual a eles, igual a todos os seres da Natureza, estão mergulhados no fluido divino, como nós o estamos na luz; unicamente, as suas imperfeições são vapores que o ocultam à sua visão; quando o nevoeiro estiver dissipado, vê-lo-ão resplandecer; para isso não terão necessidade nem de subir, nem de ir procurá-lo nas profundezas do Infinito; estando a visão espiritual desembaraçada dos véus que a obscureciam, vê-lo-ão em qualquer lugar em que se encontrem, fosse mesmo sobre a Terra, porque está por a toda parte.

35. -O Espírito não se depura senão com o tempo, e as diferentes encarnações são os alambiques no fundo dos quais deixa, a cada vez, algumas impurezas. Deixando o seu envoltório corporal, ele não se despoja, instantaneamente, das suas imperfeições; é por isso que, depois da morte, não vê Deus mais do que quando estava vivo; mas, à medida que se depura, dele tem uma intuição mais distinta; se não o vê, compreende-o melhor: a luz é menos difusa. Então, pois, quando os Espíritos dizem que Deus lhes proíbe responder a tal pergunta, não é Deus que lhes aparece, ou lhes dirige a palavra para prescrever-lhes ou interditar-lhes tal ou tal coisa; não; mas o sentem, recebem os eflúvios do seu pensamento, tal como nos ocorre com relação aos Espíritos que nos envolvem em seu fluido, embora não os vejamos.

36. - Nenhum homem pode, pois, ver Deus com os olhos da carne. Se esse favor fosse concedido a alguns, isso não seria senão o estado de êxtase, quando a alma está tanto mais liberta dos laços da matéria, quanto isso seja possível durante a encarnação. Um tal privilégio, aliás, não seria senão o das almas de escol, encarnadas em missão, e não em expiação. Mas, tendo em vista que os Espíritos de ordem mais elevada resplandecem num brilho ofuscante, pode ser que Espíritos menos elevadas, tocados pelo esplendor que os envolve, tenham acreditado ver o próprio Deus. Tal se vê, às vezes, um ministro ser tomado pelo seu soberano.

37. - Sob qual aparência Deus se apresenta àqueles que se fizeram dignos desse favor? Será sob uma forma qualquer? Igual a uma figura humana, ou igual a um foco resplandecente de luz? Eis o que a linguagem humana é impotente para descrever, porque não existe, para nós, nenhum ponto de comparação que, dele, possa dar uma idéia; somos iguais a cegos a quem se procuraria, em vão, fazer compreender a luz do Sol. Nosso vocabulário está limitado às nossas necessidades e ao círculo das nossas idéias; o dos selvagens não poderia pintar as maravilhas da civilização; o dos povos mais civilizados é muito pobre para descrever os esplendores dos céus; a nossa inteligencia muito limitada para compreendê-los, e a nossa visão, muito fraca, por eles seria ofuscada.

Allan Kardec - A Gênese


texto - www.comunidadeespirita.com.br

imagem - http://7osistema7.blogspot.com

Um comentário:

Jorge Nectan disse...

Kardec é o que melhor soube explicar racionalmente sobre Deus. Com ele, conseguimos entender a grandeza Divina.

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