domingo, 30 de janeiro de 2011

A CIVILIZAÇÃO HINDU E O ESPÍRITO DE TOLERÂNCIA


Carlos Alberto Iglesia Bernardo

(Breves considerações históricas sob o enfoque espírita)

Há mais de 4.000 anos, começou a surgir uma civilização que marcaria profundamente o desenvolvimento espiritual da nossa humanidade. Entre os vales do Indus e do Ganges, arqueólogos modernos desenterraram cidades, que de tão velhas,estavam esquecidas da história. Revelaram impressionantes remanescentes de uma vida social organizada e fragmentos de uma das mais antigas escritas já encontradas, infelizmente indecifrada.

Entre as ruínas, provas de contato comercial com povos distantes, que também começavam a dar os primeiros passos rumo a civilização. Permanece o mistério de quem exatamente eram e do que lhes aconteceu - desapareceram silenciosamente, por volta do 2º milênio antes de nossa era. Substituídos por outros povos, possivelmente em migrações sucessivas, que aos poucos introduziram uma nova língua e nova estrutura social.

Não se sabe o quanto de sua visão do mundo passou para seus sucessores, mas há indícios nos fragmentos encontrados e em textos posteriores, de que ali nasceram muitas das antigas tradições. Assim aos deuses trazidos nas migrações, se juntou um substrato filosófico que fermentaria novas concepções: Os hinos sagrados dos Vedas, os comentários filosóficos das Upanishads, as concepções religiosas registradas nos épicos (Ramayana eMahabharata) e a obra prima, o "Baghavad Gita" - a sublime canção do senhor Krisnha (inserida no texto do Mahabharata).

Por volta de 500 a.c., surge Sidharta Gautama, o Iluminado (Buda), que, ensinando um novo caminho para a libertação do sofrimento, abandona as fórmulas dos Vedas e a estrutura de castas - que tinha a casta sacerdotal, os brahmans, no topo - mas sem repudiar os conceitos filosóficos básicos e a postura central destes conceitos: a tolerância. Também como alternativa de libertação espiritual surgem os Jainas, que com um respeito profundo a toda manifestação da vida, se recusam a matar até mesmo os insetos.

Do quinto século antes de Cristo até o sexto século de nossa era, diversas filosofias se misturam pacificamente no subcontinente indiano e se espalham pelo Oriente distante. Da renovação filosófica da classe sacerdotal (principalmente na filosofia Vedanta), surge o hinduismo na forma em que o entendemos hoje. Brahmans, Jainas e Budistas se espalham pelas trilhas e mares - Sul da Índia, China, Sri Lanka, Camboja e além. Persas e gregos chegam as margens desse mundo distante e voltam para o Ocidente com notícias espantosas sobre os conhecimentos dos sábios exóticos (conta-se que um Jaina - da corrente mais radical, que não aceita nem mesmo usar roupas para não esmagar acidentalmente algum inseto oculto - retornou com a expedição de Alexandre e causou profunda impressão nos pensadores helênicos).

Por trás de alguns mitos ocidentais posteriores - Pitágoras aprendendo reencarnação da India; Jesus peregrinando entre Brahmans e Budistas antes dos 30 anos; etc ... - está o reconhecimento do avanço na compreensão espiritual para lá do Sindhu ("rio" em sânscrito, em particular o "Indus", o rio por excelência).

Com o sétimo século de nossa era, se inicia um novo período para a Índia. O Islã começa a avançar sobre o subcontinente e aos poucos torna-se a força dominante (séc. XIII). Nos séculos posteriores, mongóis e europeus também constroem impérios por lá.

A civilização hindu, outrora tão admirada, torna-se vitima da dominação estrangeira. Não mais espíritos curiosos como os filósofos gregos que acompanharam Alexandre o Grande, mas seguidores de religiões exclusivistas, orgulhosos de sua superioridade e dispostos a converter os demais a qualquer preço, ou melhor, se possível espoliando-os ao máximo de seus tesouros. É assim que os hindus aprendem o que é a intolerância religiosa, sentindo-a na própria pele.

Como parênteses, fica a observação de que os hindus, nesses contatos forçados, não tiveram a oportunidade de conhecer verdadeiros seguidores de Jesus de Nazaré, trazendo a Boa Nova do reino de Deus, nem mesmo do Islã culto dos filósofos de Bagdá e da Andalusia, que podiam compreender em profundidade os ensinamentos do Profeta Maomé. Tiveram contato com representantes de exércitos invasores, que fanaticamente refletiam em suas crenças os seus interesses de dominação.

O resto é história recente, que teve momentos dignos de um povo milenar quando Gandhi, munido apenas da não-violência (Ahimsa), libertou milhões do jugo colonial. Desde Ashoka, um dos grandes reis da Índia (por volta de 300 a.c.) , que governou um próspero e grande reino baseado no Dhamma (de muitas traduções possíveis, entre elas: dever, piedade, boa-conduta e decência), nunca tão grande espírito (Mahatma) tinha orientado os rumos políticos da nação.

Naturalmente um milênio de invasões e de submissão forçada a outras culturas, criou cicatrizes que se refletiram na tumultuada divisão (pós-independência) em um pais muçulmano e outro hindu. Apesar de todo esforço de Ghandi, e da tradição milenar de tolerância, hoje a Índia compartilha, com o Ocidente e com o mundo Islâmico, a existência de pequenos grupos fundamentalistas e os violentos conflitos decorrentes. Também a miséria e a ineficácia em levar os serviços sociais básicos a uma população numerosa, resultam nos mesmos problemas de outros paises do 3º Mundo, incluindo-se entre eles a criminalidade.

Mas enfim, abstraindo-se os problemas recentes, onde no substrato filosófico desta civilização se encontra a razão para a tolerância que a caracterizou ? De onde seus grandes pensadores tiraram o conceito de que não deveriam hostilizar-se mutuamente ? De quais dos ideais Védicos surge essa postura perante o mundo ?

Diria que de dois pontos principais: Da ênfase na vivência - para um hindu, a filosofia só faz sentido se refletida no comportamento de quem a adota - e da compreensão de que a realidade última está muito além das nossas possibilidades de descrição. De que é impossível descrever a Brahman (a Causa Primária de todas as coisas) e compreendê-lo com nossa mente finita e, assim, todas as descrições são aproximações. Desta última posição, da que está além da nossa capacidade de raciocínio descrever o infinito, de que nossa percepção se perde nos efeitos e não consegue perceber a causa (escondida pela Maya - a ilusão dos sentidos poeticamente representada pela magia de uma deusa), resulta principalmente a conseqüência de que todas as descrições são válidas - apenas aproximações da verdade.

A investigação da realidade, realidade da qual participa o espírito de cada um, levou a uma busca interior - desenvolvida nas escolas de meditação - que permitiu uma compreensão bastante precoce da psicologia humana. Conhecendo a psicologia, não fazia sentido forçar condutas exteriores. Também da investigação da realidade surgiu a convicção de um ordenamento moral do universo, tal qual o ordenamento promovido pelas leis físicas - ordenamento refletido na lei de ação e reação (Karma) e no dever de cada um em cumprir o melhor possivel o seu papel na vida (Dahrma). Ora, o Karma é intrinsecamente resultado da ação de cada um e portanto jamais passaria pela cabeça de um filósofo Hindu a idéia de queimar alguém para lhe salvar a alma.

Finalmente, essa realidade última - a Causa Primária de todas as coisas - onisciente e infinitamente além das nossas limitações, de modo algum pode ser atingida pela nossa ignorância. Infinito amor não tem como se ofender porque alguém crê que é desta ou daquela forma, que se chega a ele por tal ou qual caminho. Os que lhe conhecem - através da busca interior - não só não o conseguem descrever exatamente - por estar além das nossas palavras - como não precisam se preocupar em defende-lo, pois não há como feri-lo ou ofendê-lo.

"Sejam quais forem os deuses a que seu coração sirva, sempre sou eu o escopo da fé que o anima". cap 7, verso 21 - Bhagavad Gita
Trad. Huberto Rohden, ed. Martin Claret

Diante da civilização hindu e do seu espírito de tolerância, brevemente apresentados acima, não é possível para o pensador espírita deixar de refletir na influência de uma filosofia sobre a vida de um povo. Mais que isso, de uma filosofia espiritualista, reencarnacionista e cônscia de um ordenamento moral do Universo. Apesar das turbulências enfrentadas nos últimos séculos e de seus problemas - por exemplo, a dificuldade na compreensão de suas diversas correntes de pensamento, com seu complexo linguajar técnico e sua simbologia, se reflete na adoração pelas camadas populares de uma infinidade de deuses - é uma civilização que merece toda atenção.

Só finalizando este pequeno estudo, e para mostrar que a posição de tolerância da filosofia hindu nenhuma estranheza deve causar ao espírita, transcrevemos abaixo o trecho final da mensagem "Fora da Caridade não há Salvação", do espírito Paulo (Paris, 1860), que consta do "Evangelho Segundo o Espiritismo" (os grifos são nossos):

"Meus amigos, agradecei a Deus, que vos permitiu gozar a luz do Espiritismo. Não porque somente os que a possuem possam salvar-se, mas porque, ajudando-vos a compreender os ensinamentos do Cristo, ela vos torna melhores cristãos. Fazei, pois, que, quando vos vejam, se possa dizer que o verdadeiro espírita e o verdadeiro cristão são uma e a mesma coisa, porque todos os que praticam a caridade são discípulos de Jesus, qualquer que seja o culto a que pertençam.".


Bibliografia
As Upanishads, Carlos Alberto Tinôco, IBRASA.
Bhagavad Gita, trad. Huberto Rohden, Ed. Martin Claret.
Breve História do Budismo, Nan Huai-Chin, Ed. Gryphus.
Filosofias da Índia, Heinrich Zimmer, Editora Palas Atenas.
Índia: A History, John Keay, Harper Collins Publishers.
La Filosofia de los Hindues, Helmut von Glasenapp, Barral Editores.
O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec, trad. J. Herculano Pires, EDICEL.
Pérolas no Fio, Yogashririshinam, médium Elzio Ferreira de Souza, Círculo Espírita da Oração.
(Publicado no Boletim GEAE Número 398 de 22 de agosto de 2000)



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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

ENFERMIDADES


Carlos Toledo Rizzini

Moléstias orgânicas – em "Evolução para o Terceiro Milênio" – Edicel

1. Compreendemos que os desequilíbrios ou enfermidades do Espírito têm início com os abusos e afastamento da Lei Divina. Daí, em o nível de evolução da Terra, sofrimento ser conseqüência da violação da Lei. Toda moléstia é de origem espiritual, razão porque há doentes e não "doenças" propriamente ditas. A medicina terrena começou a compreender isso com o seu conceito de moléstia psicossomática, ou seja, a doença do corpo oriunda de um estado desajustado da mente (tensão, conflito), tal a úlcera péptica do estômago e duodeno e a pressão arterial alta.

Psicólogos materialistas e mentores espirituais concordam plenamente na afirmativa de que a Humanidade é constituída maciçamente de mentes enfermas. Dizem os primeiros, sobretudo os psicanalistas, que o homem sadio é uma avis rara, difícil de encontrar. Dos segundos, Emmanuel (Justiça Divina) esclarece que todas nós "somos doentes em laboriosa restauração", devido aos débitos contraídos noutras vidas, e acentua: "Todos somos enfermos pedindo alta". Não desanimemos. Por enquanto, a Terra é um planeta de provas e expiações, no qual renascem, em massa, espíritos falidos perante a Lei. Não é um lugar aprazível para uma doce vida, sem incômodos, embora possua recantos belíssimos; é, antes, um mundo de lutas evolutivas acerbas e dores múltiplas. Procuremos ,ver claro para não naufragarmos no mar das ilusões, que obscurecem a compreensão; busquemos o esclarecimento sobre: 1) a causa profunda das enfermidades; 2) a função retificadora que elas desempenham na vida do Espírito eterno - deixando de considerá-las como desgraça ocasional do momento que passa.

2. Caro leitor, não há injustiça no universo pois, Deus é amor, justiça e sabedoria – tudo impregnado pela perfeição suprema. Este principio fundamental leva a procurar a causa da enfermidade dentro de nós mesmos. Vimos que o sofrimento é resultante de, violações, erros e abusos, no curso dos quais a Lei Divina é desrespeitada e os deveres negligenciados. A prática do mal, a repetição de abusos, a acumulação de erros, os vícios, enfraquecem os centros de força do perispírito e geram lesões nele, que é sensível ao estado moral do Espírito.

Sabe-se hoje, depois das experiências do Prof. Hans Selve, que os estados de tensão muito prolongados originam lesões graves em vários órgãos. Informa Selve que as piores tensões são : ansiedade, frustração e ódio, capazes de produzirem úlceras gastroduodenais, arteriosclerose e hipertensão arterial, por exemplo. Ora, este conhecimento é experimental, adquirido pelo homem no laboratório de pesquisa utilizando ratos, cobaias e camundongos É muito para estimar e admirar que o querido instrutor André Luiz, em Sinal Verde, afirma exatamente a mesma coisa: "Quanto mais avança, a ciência médica mais compreende que o ódio em forma de ;vingança, condenação, ressentimento, inveja ou hostilidade está na raiz de numerosas doenças e que o único remédio eficaz contra semelhantes calamidades da alma é o específico do perdão no veículo do amor". Por incrível que pareça, esta última assertiva do espírito fora antes formulada pelo citado cientista ao declarar que: "Amar ao próximo é um dos mais sábios conselhos médicos de todos tempos". Percebe-se que a acentuação deslocou-se da religião para a ciência o Evangelho é também um código de medicina profilática. . .

Tal é a causa principal dos nossos males físicos e mentais: as lesões do corpo espiritual, enquanto não houver reparação das condutas malfazejas e mudança nas inclinações, serão transferidas para o corpo material, que renascerá doente de mil maneiras diferentes.

É o próprio modo de ser do indivíduo que não é sadio. Seus pensamentos, sentimentos e impulsos, de várias maneiras, afastam-no da normalidade - levando-o ao proceder incorreto e ao desequilíbrio conseqüente. Residindo, assim, os fundamentos da moléstia no íntimo das pessoas, não será possível obter a cura tão-somente pelo uso da medicação externa. Os remédios materiais, com raras exceções (fim de débito), não podem curar integralmente a ninguém; conseguem melhorar, aliviar, transferir o mal, mudar sua manifestação, eliminar algo - mas a cura há de proceder do poder criador do Espírito: "O espírito delinqüente será imperiosamente o médico de si mesmo" (André Luiz, No Mundo Maior). Daí, afirmar Emmanuel (Fonte Viva) que raros alcançam a cura completa, genuína: é mister apreciável cota de esforço próprio na renovação dos conteúdos mentais, para mudar as maneiras de pensar e de agir.

3. Temos aí moléstias orgânicas originárias de lesões perispirituais que surgiram de erros e abusos anteriores. Se o sujeito ingeriu veneno por sua deliberação, renascerá com a garganta pouco resistente a germes ou com o estômago lesado; se deu um tiro no coração, voltará atacado de uma cardiopatia congênita; se usou a inteligência como astúcia para aproveitar-se de outros, virá a ser débil mental ou padecerá de hidrocefalia; se foi dado à maledicência ou calúnia, terá mais tarde a língua maior do que a boca. E assim por diante. vemos a lei de causa e efeito em ação, no plano espiritual, determinando expiações.

Outros tipos de enfermidade física ocorrem, menos difundidos, porém, nos quais funcionam diferentes mecanismos.

Existem as doenças expiatórias, impostas ao reencarnante como indispensáveis a resgates necessários. É claro que nos exemplos acima temos também expiações.. Mas, neles, o indivíduo lesou a si mesmo e a moléstia corporal é uma expressão da lesão do perispírito. veja isto, leitor. Um indivíduo matou outro; como espírito, lutou ativamente pela própria regeneração e alcançou grandes méritos na prática do bem. Ao voltar ao mundo, recebe um coração defeituoso (que não tinha) para expiar o crime. Outro levou alguém à tuberculose fazendo-o expor-se continuamente a condições adversas; ao renascer, recebe pulmões sem resistência ao bacilo de Koch. De dois dementes, um poderá ser realmente louco (espírito perturbado) e o outro não, tendo apenas o cérebro desarranjado por necessidade de expiação. Um idiota poderá ter u espírito lúcido.

A diferença entre as duas modalidades só é nítida nos extremos, devendo haver muitas situações intermediárias menos definidas.

4. Um sem-número de lesões ou afecções se revelam derivadas de episódios de vidas passadas. Um evento destes, até muito antigo, ligado a situação interpessoal não resolvido, sói mostrar conseqüências no corpo físico em diversas vidas. Segue-se um exemplo que explicaria casos na área psicológica (Netherton). Certa mulher nova não só sentia dor no curso do ato genésico como também tinha verdadeiro horror ao mesmo; e, além disso, acordava costumeiramente de madrugada com cólicas abdominais; sintomas, portanto, físicos e psíquicos, aos quais se deve ajuntar uma infecção vaginal crônica rebelde ao tratamento ginecológico.

A regressão de memória semiconsciente, conservando a lembrança posterior dos fatos evocados, revelou que em existência bem anterior (numa "civilização primitiva"), em seguida ao adultério, o marido mandou prendê-la em jaula baixa, onde só cabia acocorada; tal posição determinou-lhe, então fortes e contínuas dores no ventre. Dias depois, por ordem dele, um médico seccionou-lhe o clitóris, sentindo, na ocasião, rápida dor lancinante; era seu intuito usá-la sexualmente sem que ela pudesse corresponder. E assim foi anulada a atividade erótica. Em vida subseqüente, descreve-se como jovem meretriz que atravessa triste episódio; apaixonada por certo homem, este, alcançando o próprio orgasmo, a deixa no momento- em que ia atingindo o clímax; ofende-a, então, gravemente com palavras pesadas. Confusa e frustrada, cai do alto da escada e é deixada sem socorro até morrer. Desta experiência procede sua desconfiança dos homens e da anterior o pavor das relações carnais; as dores são ainda seqüelas da gaiola baixa e da operação cruenta; a vaginite, complicação do ato cirúrgico séptico.

Vejam. Coisas muito antigas e ainda em vigor ! É que por detrás delas há um erro moral, já profligado em os Dez Mandamentos! Mas, muita gente assoalha que os tempos mudaram e que o mundo é diferente... O passado gravado nas profundezas das almas não sabe disso e emerge sob a forma de distúrbios psicossomáticos e de sintomas neuróticos ! Tal mulher - nossa irmã não mais errada do que somos em geral curou-se inteiramente: esgotaram-se-lhe os débitos mediante os sofrimentos que enfrentou até 1970, digamos. E, naturalmente, mudou a sua condição íntima, do mesmo passo.

É bom recordar que André Luiz conta a estória de dois espíritos bastante aprimorados que, não obstante, permaneciam no plano inferior. Querendo saber porque não conseguiam ascender, a análise do passado de ambos revelou que, cinco séculos antes, haviam lançado dois companheiros muralha abaixo, liquidando-os sumariamente. Tiveram que renascer, como pilotos de prova, para dar a vida pelo progresso da aviação, caindo no devido tempo... Consultem Ação e Reação, obra em que o querido instrutor menciona casos de débitos pendentes há mais de 1.000 anos, confirmando os achados da regressão de memória. Informa no Cap. VII:

"Conheço irmãos nossos, portadores do estigma de padecimentos atrozes, que se encontram animalizados, há séculos, nos despenhadeiros infernais." Não se imagine, porém, que estejam entregues à própria sorte; a despeito da revolta, os mensageiros divinos espreitam a oportunidade de resgatá-los das trevas para a luz.

Acabamos de fazer observar que vasta cópia de dissonâncias psicossomático-neuróticas promana dessa fonte, incluindo úlceras pépticas, enxaquecas, ejaculação precoce, impotência, frigidez, fobias, inibições, esclerose coronária, dispepsia, e mais o que seja: é um nunca acabar. Resultam, por assim dizer, de "sobras emotivas" de alguma existência passada, como diz K. Muller; repetindo: são lembranças arquivadas em estado inconsciente que estão carregadas de emoções perturbadoras, não integradas ao patrimônio psíquico e, portanto, ainda ativas. Segue-se que quando o paciente recorda tais episódios e libera a emoção reprimida, esta perde sua força traumática (ou virulência) - o que se consegue mediante a regressão de memória, usualmente hipnótica, ou quase consciente (Netherton), porque já se esgotou o débito cármico, ou pelo esclarecimento e prática do bem, segundo a orientação espírita, que leva a modificações definitivas do íntimo da alma.

4. Importante, embora menos espetacular, é o que André Luiz denomina restrições pedirias. São defeitos ou inibições funcionais que limitam atividades abusivas do organismo. Antes de encamar, prevendo sua queda num setor onde isso já ocorreu antes, o espírito solicita que certos órgãos ou funções sejam um tanto defeituosos, de modo a funcionarem em ritmo reduzido. Na carne, por mais que o sujeito queira exagerar no uso para obter prazer ou se lançar à prática do mal, não o consegue. E nada neste mundo livra-o da inibição solicitada...

É natural que o gastrônomo peça um estômago delicado ou lento, um intestino facilmente desarranjável, que o leve a limitar a ingestão de alimentos e bebidas. Que o fascinador queira, agora, ter feições mais grosseiras, que a ninguém venha atrair. Que aquele que se deixou levar pela intriga prefira voltar surdo; que o caluniador peça a mudez.

5. Uma última eventualidade, menos freqüente, é a da doença gerada pelo contato íntimo com um espírito perturbado, geralmente inconsciente do seu estado, cujo perispírito conteria lesões oriundas da vida material, Estabelecida a sintonia, as sensações mórbidas transmitem-se ao encarnado, que passa a sentir-se enfermo sem o estar. É o caso da moça que um dia começou a cair facilmente; uma vidente percebeu sobre os ombros dela, um espírito montado, o qual, incorporado, revelou ser o pai dela e não ter consciência da situação. Ora, o velho sofria de forte artrite nos joelhos e não podia andar; doutrinado, acabou deixando a filha livre. Ou do indivíduo que entra a tossir, a escarrar, a ter febrícula à tarde, como se estivesse tuberculoso; quem o está fazendo sentir-se doente é o espírito que se lhe aderiu à aura, e que morreu naquele estado, conservando as sensações doentias e transferindo-as ao encarnado que está sintonizado com as vibração dele. Foi o que Inácio Ferreira denominou intoxicação fluídica, em sua obra pioneira.

A Profa. Helena de Carvalho (J. E. 45: 9, 1979) dá o nome de "contaminação fluídica" a semelhante mecanismo morbígeno e sugere que tais casos "são bem mais freqüentes do que se supõe, principalmente nesta época de perturbações excessivas". Cita, como exemplo, o sucedido com certo indivíduo que atendeu outro em plena crise asmática. Saiu de braça dado com ele, amparando-o. O doente foi melhorando a pouco e pouco. Não demorou a ir-se, enquanto o pobre socorrista ficou a chiar com forte falta de ar... Passou para ele o obsessor inconsciente do seu próprio estado, cujas sensações patológicas transmitia aos encarnados que com ele entravam em adiantado grau de sintonia vibratória.

Uma variante original da presente patogenia foi comunicada pelo Dr. Hernani G. Andrade (I.B.P.P., SP, monografia n. 3, 1980). Devia reencarnar um ex-suicida que ingerira formicida. A futura mãe, avisada em sessão mediúnica, tomou-se, naturalmente, de apreensões quanto à sanidade do próximo filho, prevendo-o defeituoso. No entanto, o mentor espiritual esclareceu que se ela estivesse disposta a fazer tal sacrifício pelo espírito reencarnante, a criança nasceria normal - agregando que ela é quem iria sofrer as conseqüências do antigo envenenamento. E foi o que sucedeu! Contou dita senhora que durante a gravidez "minha boca ficava em feridas, em carne viva. Eu sentia que era roída por dentro e então caía. Minha irmã disse que às vezes eu começava a tremer e parecia estar morrendo... " Sentia o gosto e o cheiro da formicida, queimação no estômago, vômitos, etc. Tudo desapareceu após o parto; o suicídio fora induzido por um obsessor - mas a criança nasceu perfeita e com 5 kg. Era agora uma menina que, quase 6 anos antes, fora irmão da sua mãe atual e que se matara aos 28 anos, tendo crescido como bela e forte (aos 17 anos) jovem cujas inclinações se revelavam preferentemente masculinas.

Não que deixasse de ser feminina, mas inclinava-se por roupas, corte de cabelo e brincadeiras de menino e, depois, não era dada a namoricos. . .

Nos casos em que o obsessor, movido por ódio intenso, envia descargas fluídicas constantes sobre a vítima, produzindo uma doença sem base física no próprio doente, Manoel P. de Miranda (Nos Bastidores da Obsessão, FEB, 1970) dá o nome de moléstia-simulacro a tal estado mórbido. É assim que uma pessoa "fica" leprosa e é internada em leprosário por apenas apresentar a aparência de hanseniana; bom meio de isolar alguém e levá-lo ao suicídio... A vítima, estando sintonizada pela culpa com o agressor e tendo a mente preparada pela hipnose, seguindo o desejo do obsessor, pode exibir os sinais da morféia. Aí, o tratamento é espiritual, mediante a transformação íntima de ambos.

6. É oportuno procurarmos entender a significação das multas que geramos em nós mesmos, que são a imensa maioria.

A verdade é que o sofrimento, longe de ser uma desgraça ocasional, "tem função preciosa nos planos da alma", esclarece o citado Emmanuel. Ele surge como uma conseqüência de erros e violações, mas dispôs a Providência Divina que ele fosse mais do que isso: que tivesse uma função retificadora dos desequilíbrios do espírito e das lesões corporais. Por isso, apresenta patente utilidade ao homem que sofre: sem ele, este não poderia se reajustar, seria difícil acordar a consciência para a realidade superior - o sofrimento é o "aguilhão benéfico", diz o Irmão x (Luz Acima). Deriva daí que a nossa atitude frente à dor Que nus avassala, se a compreensão das leis superiores da Vida nos felicita a alma, deverá ser de conformação lúcida. Esta atitude, a única produtiva sempre que o sofrimento não puder ser removido pelos recursos dá inteligente indústria humana, concorda com a necessidade de observar dois conselhos básicos de Emmanuel (Fonte viva):

  1. O doente (todos nós...) precisa envidar esforços para deixar de ser triste, desanimado, revoltado, odiento, raivoso, etc. ; como vimos acima, estados de ódio e de ansiedade lesam o corpo e a alma, o desânimo entorpece as forças desta, a maledicência consome as energias, e assim por diante. Urze renovar-se intimamente, mudar as disposições psíquicas. Se não, o remédio externo pouco poderá fazer a nosso favor; se houver melhoras, é preciso não regressar aos abusos anteriores; caso em que não haverá cura.
  2. Importante, muito importante é que aprendamos a não pedir o afastamento da dor: ela é o amargo elixir da regeneração do espírito faltoso. Devemos, isto sim, rogar forças íntimas para suportá-la com serenidade e valor a fim de que não percamos as vantagens que nos trará no capítulo da recuperação. É preciso aprender a aproveitar os obstáculos que criamos e, para isso, podem-se pedir recursos ao Alto - sempre que os recursos da Terra falharem; acontecendo isto, a resignação consciente é chamada a intervir

Em síntese, a enfermidade é produto derivado das violações que conscientemente praticamos ao escolher o caminho do mal de maneira voluntária. Hoje, temos que enfrentar as conseqüências disso, isto é, o sofrimento. Este representa, ao mesmo tempo, a expiação e o tratamento, porquanto, tem função medicinal por servir ao reajustamento do espírito culpado, logo doente.

É lícito procurar a medicina terrena, que pode aliviar muito e curar onde for permitido; assim como a Misericórdia Divina pô-la ao nosso alcance, embora com certas limitações sociais e econômicas, que servem de provas ao espírito em processo de cura definitiva. Mas, em todos os casos, para quem já adquiriu certa compreensão dos níveis superiores de Vida, mais do que isso é necessário. Faz-se mister cuidar da erradicação do mal que opera em nós ainda hoje. E, para tanto, o esforço pessoal torna-se indispensável: o serviço de aproveitamento das lições evangélicas - como orar, auxiliar, desapegar-se de posses e posições, trabalhar pelo bem, etc. é individual e intransferível. Com ele, mudam as nossas tabelas de valores: a solidariedade, a cooperação, a contenção das paixões ou impulsos, o sacrifício, a renúncia, o serviço prestado, a conformação, assumem a significação de normas de vida. É só então que Jesus, o Mestre da Terra, curará os males para todo o sempre.

7. É, em suma, a doença (e o sofrimento) muito importante no Processo de redenção do espírito humano pondo a este de acordo com a Lei que rege a evolução no Universo. Não se trata de entronizar o sofrimento, de conferir primazia às desgraças, e coisas assim. O Espiritismo pura e simplesmente esclareceu o papel da dor na vida humana; ninguém a procura, mas quando ela desponta cumpre dar-lhe o tratamento adequado para que ela não venha a ser, realmente, "uma desgraça completa". A intensidade da dor é proporcional à atitude íntima do sofredor, ao seu estado de espírito: tanto mais forte quanto mais insubmisso ele for. Para quem só conhece a vida terrena, o sofrimento parece interminável e desesperador muitas vezes; tal pessoa julga-se vítima de toda a desgraça possível. A certeza da vida espiritual e a fé no poder superior, levando à compreensão e aceitação da dor como resultado de erros passados e instrumento de redenção, gera o estado de oração que facilita tudo. Bom será ir mudando de ponto de vista, dando acentuação aos aspectos espirituais da vida, de modo que a vida material vá diminuindo em importância diante das necessidades evolutivas do espírito eterno: o amanhã vem aí e logo será hoje...

Uma violenta cólica renal dói bem menos quando dizemos do fundo da alma: "Pai Infinito, seja feita a tua vontade e não os meus caprichos... sei que a dor é necessária à correção dos meus desvios... ampara-me para que eu saiba suportá-la sem revolta, aproveitando-a para o meu soerguimento como Teu filho!" Uma das faltas tidas como mais graves é a revolta da criatura contra o Criador, a ausência de submissão à vontade divina (O Evangelho Segundo o Espiritismo); logo, se considerarmos Deus injusto, se murmurarmos contra as aflições do caminho, etc., ao invés de aproveitá-las para o nosso adiantamento, aumentaremos a dívida e teremos de recomeçar mais tarde, tantas vezes quantas forem necessárias para nosso desprazer e angústia. vamos, em conclusão, viver na Terra de olhos fitos no Alto, fazendo desta vida uma contínua preparação para a outra, buscando o que seja motivo de elevação e largando o que nos amarre aos círculos inferiores de lutas e sofrimentos. As maiores dificuldades e obstáculos estão dentro de nós mesmos.

8. Uma última observação, não menos importante: para o espírito superiormente evoluído, o sofrimento é mera contingência natural dos planos inferiores de existência e não merece maior consideração; não recebe daquele qualquer relevância. Muitos missionários descem da Espiritualidade Superior movidos pelo amor aos semelhantes retardatários, para o desempenho de tarefas que incluem necessariamente o sofrimento e até em doses fortes. Enfrentam-no como condição natural do mundo material a fim de darem cumprimento ao objetivo designado, que lhes foi atribuído pelo Poder Supremo. Vejam os antigos profetas e os primitivos cristãos, que vieram à Terra implantar o Evangelho do Senhor; não havia tortura que os afastasse do caminho do testemunho de amor ao próximo e da submissão a Deus e a Jesus. O que sofreram Pedro, Paulo, Francisco de Assis, Kardec, Gandhi, o nosso Chico, etc., serve de exemplo para o auspicioso fato de que a dor só impressiona desfavoravelmente ao devedor e ao involuído, ou seja, ao doente e ao fraco. Para o ser da Esfera Mais alta, ela é simplesmente um fator peculiar aos mundos dominados pelo apego à matéria e, logicamente, quem desce a tais planos fica sujeito a suportá-lo. Eis tudo.

Vejam as excursões de André Luiz e seus mentores aos círculos de sombra: tiveram naturalmente de agüentar o peso e a densidade da atmosfera local e os desmandos dos habitantes dali, inclusive prisão em uma cela. Mas, estavam a serviço do amor universal e o sofrimento era uma injunção natural, um preço decorrente do estado de perturbação do ambiente. Também os nossos amigos e mentores descem até nós enfrentando vibrações viscosas e nenhum se queixa: movem-os o poder mais forte do Amor, do Bem e da Luz...


texto - http://www.espirito.org.br/portal/artigos/diversos/ciencia

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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

ESPÍRITO, PERISPÍRITO E DESOBSESSÃO


Ney Prieto Peres


Possessão demoníaca, exorcismo, obsessão... Ao longo do tempo, vem sendo propagada a idéia errônea de que a violência é necessária para "expulsarmos" um espírito obsessor. Hoje, sabemos que só a terapia do amor é capaz de realizar de forma profunda a desobsessão.

Para fundamentar o nosso estudo, vamos analisar os concei­tos de espírito e de matéria inseridos no pensamento do codificador Allan Kardec.


Espírito

O espírito, originado do princípio inteligente do universo, embora de natureza não palpável, é algo que existe como individualização desse princípio. É incorpóreo e não pode ser percebido pelos nossos sentidos. Pode existir independen­temente do corpo que anima e, na sua forma, seria comparado a uma chama, um clarão, uma centelha luminosa, cuja cor pode variar do escuro ao brilho do rubi. Pode penetrar e atravessar a matéria e se deslocar ao espaço tão rapidamente como o pensamento. Mesmo não se dividindo, se irradia para diferentes la­dos, como o sol envia seus raios a muitos lugares distantes ,pare­cendo estar neles simultaneamente.

Entende-se por alma o espírito encarnado, que, não estando enclausurado no corpo, se irradia e se manifesta, se exteriorizando como a luz elétrica através de um globo de vi­dro.


Matéria

A matéria é o segundo elemento geral do universo, tanto como o espírito, é também criado por Deus, constituindo, esses três, o princípio de tudo que existe, a Trindade Universal: Deus, espí­rito e matéria.

A matéria pode ser entendida como aquilo que tem exten­são, é impenetrável e pode impressionar os nossos sentidos, mas ela existe em outros estados desconhecidos, tão etérea e sutil que não produza nenhuma impressão aos sentidos físicos.

Ao elemento material deve-se acrescentar uma de suas for­mas de apresentação, entre as inumeráveis combinações distingüidas por propriedades especiais: o Fluido Universal, que exerce o papel de intermediário entre o espírito e a matéria.


Fluido Universal

Este Fluido Universal, ou Primitivo, ou Elementar, é o prin­cípio da matéria ponderável cujos elementos e compostos quí­micos são transformações dele, nas modificações que as molé­culas elementares sofreram ao unirem-se em determinadas cir­cunstâncias, lhes dando diferentes propriedades, como o sa­bor, o odor, as cores, as ações cáusticas, salutares, nutritivas, radioativas etc.

O Fluido Universal é suscetível de inúmeras combinações com a matéria e, ainda, sob a ação do espírito, produzir infinita va­riedade de coisas. E o agente de que o espírito se serve para animar, agregar, transmitir, alterar, condensar, dispersar, mate­rializar, vitalizar, dar forma e estrutura a todas as constituições físicas, quer sejam minerais, vegetais, animais ou humanas.

Entre as muitas modificações do Fluido Universal, duas se revestem de maior importância para os seres vivos: o Princípio Vital e o Perispírito.


Princípio Vital

O Princípio Vital é a força motriz dos corpos orgânicos. A sua união com a matéria a animaliza, diferenciando-a dos corpos inorgânicos. Ele dá vida a todos os seres que o absorvem e assi­milam. É também chamado fluido magnético ou fluido elétrico animalizado, é o intermediário entre o espírito e a matéria. Ao mesmo tempo que impulsiona os órgãos, a ação destes o man­tém, conserva e desenvolve, como o atrito produz o calor e a cor­rente elétrica produz o campo magnético ou a irradiação lumi­nosa.

O Princípio Vital ou fluido magnético pode ser transmitido pela vontade dirigida do seu portador a outros seres vivos, contri­buindo em favor do seu reabastecimento ou reequilíbrio orgânico.


Perispírito

O Perispírito, ou corpo fluídico do espírito, ou ainda psicossoma, ou corpo espiritual, é um dos produtos mais im­portantes do Fluido Universal, é uma condensação dele em tor­no de um foco de inteligência ou espírito.

Os espíritos compõem seu Perispírito do ambiente onde se encontram. Isto quer dizer que se forma dos fluidos ambientais e, portanto, varia em conformidade com o mundo em que vivem. A natureza do Perispírito está sempre relacionado com o grau de adiantamento moral do espírito.

O Perispírito pode ser entendido como a vestimenta do espí­rito, o que lhe dá propriamente forma.

Entre as muitas atribuições do Perispírito, se coloca aquela de intermediário entre o espírito e o corpo. É ele constituído de substância vaporosa, não visível aos olhos humanos, porém as­sumindo consistência nos planos do Espírito.

Ao Perispírito se pode atribuir a qualidade de estruturador do corpo orgânico, a partir da fecundação, na embriogênese, bem como estar diretamente relacionado à memória biológica, isto é, o registro das múltiplas experiências nos campos dos se­res vivos, no decurso dos milênios, a partir das primeiras mani­festações das formações protoplásmicas. Nele aglutinamos todo o equipamento de recursos automáticos que governam as bi­lhões de células, adquiridos vagarosamente pelo ser através dos tempos, nos esforços de recapitulação pelos diversos setores da evolução anímica.

Pode-se visualizar o Perispírito ou Corpo Espiritual à se­melhança de uma estrutura eletromagnética integrada, enriquecida de informações que se foram acumulando experi­mentalmente num mecanismo de estímulo-resposta, dentro de uma diretriz evolutiva, ou seja, de auto-seleção e auto-aprimo­ramento, conduzida por um principio de conservação de ener­gia, onde o máximo de informações são armazenadas com o mínimo dispêndio de energia.

Esse Corpo Espiritual vem se diversificando e aumentando de complexidade do mesmo modo como se observou nos seres vivos a evolução biológica e a formação dos aparelhos e siste­mas no organismo animal. É ele sensível aos impulsos ou às irradiações dos nossos pensamentos, refletindo as imagens fluídicas plasmadas pelas idéias.

Pode também o Perispírito se alterar no seu equilíbrio mag­nético em decorrência das próprias impregnações que as nos­sas imagens perniciosas e deteriorantes nele se projetem e se gravem. Interligado como se acha, interagindo na intimidade celular por contato molecular, portanto, nas estruturas atômi­cas da matéria, tais desequilíbrios se transmitem ao organismo físico, nas áreas mais sensíveis ao tipo de impulso desencadea­do, determinando desordens físicas, causas de certas moléstias.

Assim, os descontroles emocionais, nos ódios, na irritação, as extravagâncias no comer e no beber, a maledicência, os desequilíbrios do sexo, o fumo, o álcool, os tóxicos, podem ge­rar enfermidades, tais como, respectivamente: cardiopatias, do­enças hepáticas, gastralgias, surdez e mudez, cansaço precoce e distrofias musculares, asmas e bronquites, loucura, idiotia.


Ações magnéticas no perispírito: nas obsessões

Entende-se por obsessão o domínio que alguns es­píritos podem adquirir sobre certas pessoas. Pressupõe-se na obsessão a ação de espíritos inferiores com tal tenacidade que a pessoa sobre quem atua não consegue se desembaraçar.

Na obsessão, não ocorre a simultânea coabitação de corpos pelo espírito encarnado na posição de vítima e pelo espírito desencarnado na posição de algoz. Há, no entanto, o efeito de constrangimento de um sobre o outro, ou seja, de tolher, forçar, compelir, obrigar pela força, induzir.


Os tipos de Obsessão

As principais variedades da obsessão classifi­cam-se em: obsessão simples, fascinação e subjugação.

Na obsessão simples, o espírito malfazejo se impõe, in­trometendo-se contra a vontade do indivíduo, impedindo a ação de outros espíritos que possam vir em seu auxílio e causando-lhe inconvenientes como embaraço nas comuni­cações mediúnicas, insinuações levianas, incentivos à vaida­de e a desejos ilícitos. Evidentemente, essas ações exteriores serão mais acentuadas e exercerão maior influência na medi­da em que mais apoio encontrarem no íntimo das criaturas por elas atingidas.

Na fascinação, a ação do espírito no pensamento do indivíduo é de tal ordem que ele não se considera iludido, nem é ca­paz de compreender o absurdo do que faz, podendo até ser ar­rastado a cometer ações ridículas, comprometedoras ou perigo­sas. Admite-se, nesses casos, estarem agindo espíritos inteli­gentes, ardilosos e com objetivos de maior alcance no mal, pois quase sempre utilizam a tática de afastar do seu intérprete aque­les que possam abrir os seus olhos ou esclarecer sobre seus er­ros. Os homens mais instruídos e inteligentes não estão livres desse tipo de obsessão.

A subjugação é um envolvimento que produz a paralisa­ção da vontade da vítima, fazendo-a agir mesmo contrariamente ao seu desejo. A subjugação pode ser moral ou corpórea. Na primeira, o indivíduo é levado a tomar deci­sões freqüentemente absurdas e comprometedoras. Na segun­da, a pessoa realiza movimentos involuntários, nos momen­tos inoportunos, e até atos ridículos. Na subjugação, estão compreendidos os casos de possessão, cuja denominação pres­supõe a ocupação do corpo da vítima, fato esse não admitido pelo Codificador.


Características

Há uma relação de características pelas quais se pode reconhecer os casos de obsessão. Tais caracteres vão da insistência dos espíritos em se comunicar, ilusão do médium que não reconhece a falsi­dade das comunicações, crença na infalibilidade dos espíritos comunicantes, aceitação dos elogios feitos pelos espíritos, rea­ções agressivas às críticas feitas sobre as comunicações recebi­das, a quaisquer formas de constrangimento moral ou físico, ou ainda ocorrências de ruídos e movimentos de objetos sem cau­sas normalmente explicáveis.


Causas

Os motivos ou causas da obsessão podem ser geral­mente admitidos como originados de:

a) Vinganças de espíritos contra pessoas que lhes fizeram so­frer nessa ou em vidas anteriores;

b) Desejo simples de fazer outros sofrerem, por ódio, inveja, covardia;

c) Para usufruir dos mesmos condicionamentos que tinham quando na vida física, induzem os seus afins a cometê-los;

d) Apego às pessoas pelas quais nutriam grandes paixões quan­do em vida;

e) Por interesse em destruir, desunir, dominar, provocar o mal, manter distúrbios, partindo de inteligentes espíritos das hostes inferiores.


A terapêutica nas obsessões

No estudo de O Livro dos Médiuns, Cap. XXIII, o autor indica alguns meios para se combater a obsessão, aqui apresentados para discussão, como segue:

–“Paciência para com os obsessores”(id., ib. item 249):

No trato com as entidades incorpóreas que estejam agindo mentalmente sobre as criaturas, há que compreender-lhes seus motivos de perseguição e, com espírito humanitário, induzir-lhe pacientemente a mudarem suas disposições. Mesmo entre criaturas humanas, uma abordagem respeitosa e compreensiva transmite sempre um envolvimento fraterno e uma radiação de amor que, certamente, age sobre as próprias estruturas perispirituais, de forma confortadora, carinhosa, estabelecendo importantes apoios para as necessárias mudanças comportamentais. A severidade, no entanto, ao lado da benevolência, ali­adas à prece em favor deles, constituem fatores eficazes na so­lução dessas influências.

– “Apelo ao anjo bom e aos bons espíritos” (id., ib. item 249):

Recorrer à assessoria daqueles que operam no mesmo plano da vida espiritual é fator preponderante em qualquer trabalho dessa natureza quando, na maioria das vezes, todo o encami­nhamento e aproximação com aqueles perseguidores (às vezes, nossas vítimas) realizam-se nos territórios do imponderável, livre ao acesso desses auxiliares espirituais.

– “Interrupção das comunicações escritas”(id., ib. item 249):

Alterando-se o intermediário, na posição de instrumento mediúnico nas comunicações psicografadas, ou mesmo na psicofonia, por ações de mentes perturbadoras (encarnadas ou desencarnadas), a interferir no fluxo das mensagens transmiti­das por meios telepáticos, como providência criteriosa e pru­dente, a interrupção provisória desses exercícios mediúnicos é de todo aconselhável, até que se restabeleçam os canais de va­zão telepática com os bons espíritos e se afastem as infiltrações prejudiciais.

– “Intervenção de um colaborador que atue pelo magnetismo ou pelo império da vontade”(id. ib., item 251):

A ação mental de apoio diretamente sobre o paciente, esti­mulando-lhe os próprios recursos de reação, tanto pela aplica­ção das energias fluido-dinâmicas nos mecanismos do passe, como pelo esclarecimento renovador, elevando-lhe o padrão dos próprios pensamentos e fortalecendo a vontade no bem, atin­ge as estruturas perispirituais e os campos de radiações da psicosfera (ou mente) momentaneamente desarticulados, devol­vendo-lhes a ordem e a sanidade.

Os resultados benéficos obtidos serão tanto mais significati­vos quanto maior for a superioridade moral dos colaboradores e menores as imperfeições do obsediado. Essas imperfeições morais constituem freqüentemente para o paciente obstáculos à sua libertação (id. ib., item 252).

Ensina-nos André Luiz: “... almas regularmente evoluídas, em apreciáveis con­dições vibratórias pela sincera devoção ao bem, com esquecimento dos seus próprios desejos, podem, desse modo, projetar raios mentais, em vias de sublimação, assimilando correntes superio­res e enriquecendo os raios vitais de que são dínamos comuns”.


Artigo publicado na Revista Cristã de Espiritismo, edição 08.

Ao reproduzir o texto, favor citar o autor e a fonte.



texto - http://www.rcespiritismo.com.br

imagem - oblogdosespiritas.blogspot.com

domingo, 23 de janeiro de 2011

SOBRE AS ALMAS GÊMEAS


Carlos Augusto Abranches*

Dizem os conformados, com um leve toque de humor, que há três mulheres na vida de cada homem: a que ele ama, a que o ama e aquela com quem ele acaba se casando. Acredito que para a mulher, a mesma situação se repete. Se o ato de casar para alguns é somente uma forma de evitar a solidão, para outros significa avanço natural do fenômeno do amor e, para terceiros, acaba sendo verdadeira expiação, a durar por longo tempo.

Na vida de muitos, todavia, a grande questão existencial está em encontrar a tão esperada alma gêmea. Há os que acreditam na eleita e no eleito, que chegarão um dia pelas vias do destino. Alguns dedicam tanto tempo à procura que, cansados de não encontrar a(o) parceira(o) ideal, passam a zombar da vida, desiludidos. Outros encontram dezenas delas(es) e, a cada nova conquista, percebem que a anterior não era bem aquilo que esperavam, transferindo para a próxima todos os anseios de um coração imaturo, ainda sem estrutura para aprofundar sentimentos e consolidar afetos reais.

A pergunta a se fazer nesta circunstância é esta: diante do homem em elaboração que ainda somos, em processo de crescimento rumo à integridade plena do ser, estamos preparados para conviver em absoluta harmonia com nosso ser amado? Levando-se em consideração a herança de vidas anteriores, em que nem sempre fomos felizes nas relações amorosas, merecemos essa convivência, nós que ainda não aprendemos a dizer com disposição um "bom dia" para o vizinho?

Os Espíritos nos orientam a voltar um pouco a atenção para nossas tendências de caráter emocional e observar se, nos meandros da conduta particular, ainda tropeçamos na falta de equilíbrio emotivo, dando mostras claras de que estamos longe da possibilidade de desfrutar integralmente de uma relação plenamente afim, por falta de lastro evolutivo em termos espirituais.

É óbvio que existem casais felizes, fortalecendo vínculo através do tempo, relacionamento que nos serve inclusive de lição, para que aprendamos como agir, de nossa parte, junto ao parceiro que elegemos para a partilha das horas.

Uma certeza, porém, o Espiritismo nos traz: a de que se vencermos a dura batalha das diferenças pessoais com os que estão sempre conosco, estaremos preparando terreno para o começo de um convívio repleto de paz e felicidade, em futuro próximo. Que não se despreze aqui a decisão, muitas vezes dolorosa, do divórcio que, em determinadas circunstâncias, é a única alternativa para se evitar o agravamento da situação conjugal.

O Espírito Maia de Lacerda, no livro Seareiros de Volta, pg. 159, faz uma afirmação esclarecedora e corajosa. Ele diz que "é necessário meditar no estudo da afinidade sexual e espiritual, porquanto muitos irmãos, além de adotarem o comportamento de lesar almas dignas que lhe merecem a afeição, se desvairam à procura de outros parceiros de novidade emotiva, interrompendo serviços absolutamente imprescindíveis para eles no quadro da reencarnação, com a desculpa de haverem encontrado afinidades queridas do passado ou Espíritos eleitos pelo destino, fantasiando aventuras perniciosas com o rótulo de conquistas superiores que ainda não fizeram por merecer".

Pensemos um pouco nisso, para avaliar com maior profundidade se temos encontrado boas soluções para melhorar nossos relacionamentos.

* Carlos Augusto Abranches é escritor e jornalista.



Fonte: Site do Jornal Universo Espírita em 09/08/205 - www.universoespirita.net

imagem: hypecetera.net

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

POR QUE AS CRIANÇAS SE SUICIDAM?


Parte I

"A religião, a moral, todas as filosofias condenam o suicídio como contrário às leis da Natureza. Todas nos dizem, em princípio, que ninguém tem o direito de abreviar voluntariamente a vida. Entretanto, por que 'não se tem esse direito? Por que não é livre o homem de pôr termo aos seus sofri- mentos? Ao Espiritismo estava reservado demonstrar, pelo exemplo dos que sucumbiram, que o suicídio não é uma falta somente por constituir infração de uma lei moral, consideração de pouco peso para certos Indivíduos, mas também um ato estúpido, pois que nada ganha quem o pratica, antes o contrário é o que se dá, como no-lo ensinam, não a teoria, porém os fatos que ele nos põe sob as vistas." Allan Kardec ("O Livro dos Espíritos", comentário à resposta da questão 957).

No dia 12 de maio de 1979 o jornal "O Globo" reuniu alguns profissionais para debater o suicídio e suas razões. A reportagem intitulada "Suicídio - uma doença social de multas causas" merece ser lida porque é matéria que nos permite inúmeras reflexões. Nela podemos observar que no Rio de Janeiro os telefones do Centro de Valorização da Vida recebem cerca de 100 ligações por dia e que em São Paulo há 30 tentativas de suicídio por dia, das quais três são fatais.

Estatística sobre o Rio de Janeiro não é mencionada. Estes números chamam a atenção de qualquer pessoa, principalmente daquelas que ou- viram Allan Kardec solicitar esclarecimentos sobre quais são, em geral, as conseqüências do suicídio sobre o estado do Espírito na questão n° 957 de "O Livro dos Espíritos". Observamos lá que as conseqüências do suicídio são muito diversas mas que urna conseqüência à qual o suicida não pode fugir é o desapontamento.

Os telefones 248-7171 (durante 24 horas) e 221-7723 (horário comercial) são atendidos por voluntários que basicamente apenas ouvem os desabafos dos que estão sob tensão e prontos para cometer o suicídio. Pessoas generosas diplomacias apenas em "ciência de saber escutar", ouvir pacientemente e, quando necessário, emitir alguns conselhos. Segundo Informação do engenheiro Normando Meio de Oliveira Dias, presidente da Sociedade Beneficente Vigília da Amizade, durante as festas de Natal, carnaval e feriados a procura é muito mais Intensa, pois as pessoas sentem-se mais sós, mais deprimidas. Outra observação feita é que durante a novela "Dancing Days", na TV Globo, quase ninguém ligava. Por isso foi considerada uma boa amiga do Centro de Valorização da Vida, uma vez que estende sua programação até de madrugada, prendendo e mantendo a pessoa ligada.

Comenta ainda o engenheiro que em São Paulo, onde o hábito de se fazer o lazer é diferente do realizado no Rio, as pessoas potencialmente estão mais protegidas, menos vulneráveis, pois lá o sen- tido de família está sempre mais presente.

A tentativa de suicídio pode ser interpretada como unia conduta destinada a produzir modificações no ambiente familiar da pessoa que executa a tentativa. Quando, na realidade, ocorre indiferença, as tentativas têm possibilidades cada vez maiores de atingir a auto-eliminação. É pertinente lembrar que a Doutrina Espírita chama atenção para o problema da indiferença humana mostrando em "O Evangelho segundo o Espiritismo" que o homem de bem (capítulo XVII) possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo faz o bem pelo bem, sem esperança de recompensa, retribui o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra o forte, e sacrifica sempre seu interesse à Justiça. E encontra satisfação nos benefícios que derrama, nos serviços que presta, nas lágrimas que seca, nas consolações que dá aos aflitos. Reconhecendo-se com relativa facilidade aqueles que realmente podem ser considerados como espíritas verdadeiros pela transformação moral que se lhes operou no âmago do ser, e também pelos esforços que empreendem no sentido de domar, de dominar, de vencer suas inclinações más. O verdadeiro espirita não pode ser indiferente à. dor humana. Essa indiferença geradora de problemas diversos e que foi recentemente apontada pelos alunos de uma grande Universidade brasileira, em "enquête" elaborada pelo Serviço de Orientação ao - Universitário, como uma das maiores limitações do Professor Universitário. Como se pode observar não basta o alta saber intelectual e se o desejo é de vôo mais alto é necessário lembrar que o Espírito de Verdade ensinou "ama-vos e Instrui-vos" e o verbo instruir vem em segundo lugar.

Como não se pode falar do tema em questão sem lembrar o Sociólogo Êmile Durkheim, a Professora Silvia Regina Pantoja, socióloga, comenta suas conclusões que são indispensáveis. Durkheim assevera que existem homens capazes de resistir a desgraças horríveis enquanto outros se suicidam depois de aborrecimentos ligeiros. Seria importante investigar a causa desta resistência diversa e o que contribui para essa estrutura maior ou menor. Interessante anotar que é nas épocas em que a vida é menos dura que as pessoas a abandonam com mais facilidade, o que fez o psiquiatra Miguel Chalub, outro entrevistado por "O Globo", lembrar que em situações altamente dramáticas, como nos campos de concentração, o número de suicídios é bem pequeno, o que nos faz concluir que o amor à vida a tudo supera. Analisando diversos fatores, Durkheim assevera que a taxa social dos suicídios só se pode explicar sociologicamente. É a constituição moral da sociedade que fixa em cada instante o contingente dos mortos voluntários. Os movimentos que o paciente executa e que à primeira vista parecem representar exclusivamente o seu temperamento pessoal constituem, na realidade, a continuação e o prolongamento de um estado social que manifestam exteriormente. A Socióloga Sílvia Regina Pantoja nesta oportunidade comentou que Durkheim fez uma análise do suicídio procurando desvencilhar-se de todo tipo de proposta que reúne como causas do suicídio fatores puramente extra-sociais, ou seja, aqueles que repousam na constituição orgânica e psíquica dos indivíduos ou nas condições naturais e físicas do meio ambiente. Assim é que Durkheim abandona as formas como se apresenta o suicídio nos sujeitos particulares para buscar suas causas a partir do estado dos diferentes meios sociais: família, grupos profissionais, confissão religiosa, sociedade política, etc... E, como medida metodológica, se volta depois aos indivíduos para explicar como aquelas causas gerais se individualizaram para produzir os efeitos suicidas. Ao verificar a relação entre a freqüência de suicídios e a confissão religiosa, por exemplo, constata que ela é maior entre os protestantes do que entre os católicos e judeus. Por que no catolicismo e no judaísmo os crentes estão mais preservados da autodestruição? Isto não ocorre pela natureza dos argumentos religiosos, mas pela existência de um certo número de credos e práticas comuns, tradicionais e obrigatórios a todos os adeptos que levam à constituição de uma sociedade. Conclui o pesquisador que quanto mais estes estados coletivos são numerosos e fortes, tanto mais a comunidade religiosa está fortemente integrada; tanto mais, também, é dotada de virtude preservadora. Mais uma vez pode-se observar que o esforço que é feito por grande parte dos espiritistas no Brasil no sentida de unidade, além de ser o caminho adequado é antes de mais nada uma necessidade. Observa-se que a única imposição é que não haja imposição, mas apela-se para a unificação. É pertinente lembrar que no livro "Obras Póstumas" (Allan Kardec) encontramos que o Espiritismo é uma doutrina filosófica, que tem conseqüências religiosas, como toda filosofia espiritualista; pelo que toca forçosamente nas bases fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma, a vida futura. Não é ele, porém, uma religião constituída, visto que não tem culto, nem rito, nem templo, e, entre os seus adeptos, nenhum tomou nem recebeu o título de sacerdote ou papa. Há uma autoridade coletiva, onde cada qual dispõe de seu voto e que nada podem sem o concurso uns dos outros. Mas todos estão de acordo acerca de princípios fundamentais, condição absoluta para sua admissão e para a de todos os co-participantes da direção. Comenta Kardec que esta autoridade deverá ser, em matéria de Espiritismo, o que é urna academia em matéria de ciência.

Quanto mais integrados os espiritistas mais fortalecida a causa que procura possibilitar maiores oportunidades de o Indivíduo modificar o seu comportamento e chegar à harmonia com a sociedade e consigo mesmo. "O Livro dos Espíritos" - Filosofia Espiritualista -, contém os princípios da Doutrina Espírita sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e a futura da Humanidade. Seu codificador Allan Kardec assevera ("Obras Póstumas") que é um dever gravar esta crença no espírito das massas e é um fato que essa crença é inata, pois todas as religiões a proclamam. Indaga Kardec por que então não tem dado até hoje os resultados que se deviam esperar? É que, em geral, tem sido apresentada em condições, que a razão não pode aceitar. Para que a doutrina da vida futura produza, de agora em diante, os frutos que podemos esperar, é preciso, antes de tudo, que satisfaça completamente à, razão e à, idéia que formamos da sabedoria, da justiça e da bondade de Deus; que não possa ser desmentida pela ciência; não deixe no espírito nem a dúvida, nem a incerteza; que a vida futura seja tão positiva como a presente, de que é a continuação, corno o dia seguinte o é da véspera. Na reportagem de "O Globo" o médico Fernando Marques dos Reis ensina que há vários suicídios históricos na política de Roma, lembrando o de Bruto, como está no "Júlio César", de Shakespeare, e chega até nós com Camillo Castelo Branco, Santos Dumont e Getúlio Vargas. Mas o grande interesse do tema, recorda o médico, está em que o suicida é, antes de tudo, o deprimido, e, como diz o Dr. Paul Lüth, estudioso de história da Medicina, "a depressão é a doença da época". Na Alemanha Ocidental, que tem 60 milhões de habitantes, suicidam-se em média 38 pessoas por semana, ou seja, cerca de 14 mil por ano. A Organização Mundial de Saúde estima em 150 milhões os deprimidos do mundo. Merece registro, como é comentado em "O Globo", que entre os mais acometidos, nesse capítulo das depressões, se acham os pastores e os psiquiatras, entre os quais as cifras de suicídio são oito vezes maiores do que no resto da população. Estas cifras parecem indicar que, em termos bem realistas, "ninguém salva ninguém e que as religiões salvadoras não se salvaram sequer".

Pode-se falar em três tipos de suicídio, segundo a visão de Durkheim. o egoísta, o altruísta e o anômico. O egoísta é aquele que resultaria de uma individuação excessiva nas sociedades onde a moral se esforça para Incutir no indivíduo a idéia de seu grande valor, fazendo que sua personalidade se sobreponha à coletiva. Deve acompanhar o processo outro constituinte que é a vaidade que na linguagem da moda seria a "inflação" da personalidade. O egoísmo é tema estudado nas obras básicas da Doutrina Espírita em diversas oportunidades, basta ver o índice analítico dessas obras. Assim Emmanuel no capitulo XI de "O Evangelho segundo o Espiritismo" ensina que o egoísmo é a chaga da Humanidade. Comenta o Instrutor que é o objetivo para o qual todos os verdadeiros crentes devem dirigir suas armas, suas forças e sua coragem. Coragem porque é preciso mais coragem para vencer, a si mesmo do que para vencer os outros. Conclama que cada um, pois, coloque todos os seus cuidados para combatê-lo em si, porque esse monstro devorador de todas as inteligências, esse filho do orgulho, é a fonte de todas as misérias deste mundo. É a negação da caridade e, por conseguinte, o maior obstáculo à. felicidade dos homens. Allan Kardec em "O Livro dos Espíritos" apresenta-nos diversas reflexões: como destruí-lo, como obstáculo ao progresso moral, corno verdadeira chaga da sociedade. Relaciona o egoísmo à perda de pessoas amadas, à vida de Isolamento, às desigualdades sociais, às ingratidões, ao problema da fome e aos laços de família.

A visão de Durkheim nos mostra outro tipo de suicídio - o altruísta -, praticado nos meios onde o indivíduo deve abrir mão de sua personalidade e ter espírito de abnegação e entrega de si às causas coletivas. Por exemplo, o espírito militar, que exige que o indivíduo esteja desinteressado de si mesmo em função da defesa patriótica. Nesse particular a questão no 951 de "O Livro dos Espíritos" comenta que todo sacrifício feito à custa de sua própria felicidade é um ato soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque é a prática da lei de caridade. Ora, a vida sendo o bem terrestre ao qual o homem atribui maior valor, aquele que a renuncia para o bem de seus semelhantes não comete um atentado: ele faz um sacrifício, Mas, antes de o cumprir, ele deve refletir se sua vida não pode ser mais útil que sua morte. Não devemos deixar de enfatizar que André Luiz, no livro "Con- duta Espírita", recomenda que o ser humano, no trabalho, deve situar em posições distintas as próprias tarefas diante da família e da profissão, da Doutrina que abraça e da coletividade a que deve servir, atendendo a todas as obrigações com o necessário equilíbrio, porque o dever, lealmente cum- prido, mantém a saúde da consciência.

Finalmente, o terceiro tipo de suicídio - o anômico -, que vem de ocorrer nos meios onde o progresso é e tem que ser rápido, levando a ambições e desejos ilimitados, O dever de progredir tira do homem a capacidade de viver dentro de situações limitadas, tira-lhe a capacidade de resignação e, por conseqüência, tem-se o aumento dos descontentes e irrequietos. Nesse particular a doutrina espírita não poderia omitir-se e em diversas oportu- nidades as suas obras básicas discutem o problema da resignação humana. Gostaríamos de lembrar apenas que no livro "Vinha de Luz", de Emmanuel, este abnegado Instrutor mais uma vez leciona com propriedade invulgar. "Jesus forneceu padrões educativos em todas as particularidades da sua passagem pelo mundo. O Evangelho no-lo apresenta nos mais diversos quadros, junto ao trabalho, à simplicidade, ao pecado, à pobreza, à alegria, à, dor, à glorificação e ao martírio. Sua atitude, em cada posição da vida, assinalou um traço novo de conduta para os aprendizes." Assinala Emmanuel que "as marcas do Cristo não são apenas as da cruz, mas também as de sua atividade na experiência comum", recordando que "a marca do Cristo é, fundamentalmente, aquela do sacrifício de si mesmo para o bem de todos". "Todas as realizações humanas possuem marca própria. Casas, livros, artigos, medicamentos, tudo exibe um sinal de Identificação aos olhos atentos. Se medida semelhante é aproveitada na lei de uso dos objetos transitórios, não se poderia subtrair o mesmo principio, na catalogação de tudo o que se refira à vida eterna. Jesus possui Igualmente os sinais dele." Não seria a resignação um deles?

Durkheim acredita que somente o Estado poderia intervir, o único capaz de reconstituir as relações indivíduo-sociedade. Nem mesmo a família, a religião podem fazê-lo. Para a socióloga Sílvia Regina Pantoja, somente o Estado que olhasse para os grupos profissionais, e não aquele que privilegiasse a ênfase econômica. Aqui nos lembramos do capitulo "As aristocracias" - do livro "Obras Póstumas".

Em nenhum tempo ou nação, os povos dispensaram chefes, ainda mesmo no estado de selvageria. É assim porque, em razão da diversidade de aptidões e de caracteres, que se dão na espécie humana, há sempre incapazes que precisam ser dirigidos, fracos que reclamam proteção, paixões a combater: dai a necessidade de uma autoridade. Sabemos que nas sociedades primitivas a autoridade foi conferida aos chefes de família, aos anciãos, aos velhos, aos patriarcas. A força bruta a segunda aristocracia. Em seguida aaristocracia do nascimento. Elevou-se novo poder - o do ouro que foi seguido de outra mais justa - a da Inteligência. Entretanto o homem mais inteligente pode fazer mau uso das faculdades. Por outro lado, a simples moralidade pode não ter capacidade. É, pois, necessária a união da inteligência e da moralidade para haver legítima preponderância, a que a massa se submeterá, confiada em suas luzes e justiça. Será esta a última aristocracia, durável porque será animada por sentimentos de justiça e caridade. Supremacia que Allan Kardec chamou de aristocracia intelecto-moral. É por isso que a Doutrina Espírita, que em 1857. Inaugurou a era do espírito imortal, afirma que é pela educação, mais ainda do que pela instrução, que se transformará a Humanidade. O homem, que trabalha seriamente em seu melhoramento, assegura sua felicidade desde esta vida, além da satisfação da sua consciência; está livre das misérias materiais e morais, que são as conseqüências forçadas de suas imperfeições; terá calma, porque as vicissitudes não o afetarão senão de leve; terá saúde, por- que não esgotará o corpo com excessos; será rico, porque o é quem se satisfaz com o necessário; terá a paz da alma, porque não terá necessidades impossíveis; não será atormentado pela sede de honras e do supérfluo, pela febre de ambição, da inveja e do ciúme. Nós relembramos - não se suicidará.

O Psiquiatra Miguel Chalub, em "O Globo", chama a atenção para o perfil do suicida: homem, com mais de 55 anos, morador de grandes cidades, AGNÓSTICO (Agnosticismo - doutrina que afirma a impossibilidade do espírito humano de conhecer as realidades que transcendem o mundo sensível ou natural), socialmente isolado, fisicamente doente, sem antecedentes psiquiátricos e alcoólatra moderado. O perfil dos que tentam o suicídio: mulher, jovem, de boa saúde corporal, em situação de conflito evidente com o grupo familiar ou social mais imediato. As estatísticas sobre suicídio demonstram claramente que se associam positivamente ao suicídio em ordem decrescente de importância e significação as pessoas na seguinte situação: sexo masculino, idade avançada, viuvez, celibato ou divórcio, ausência de prole, residente em grande cidade, alto padrão de vida, crise econômica, consumo de álcool e droga, lar desfeito na infância e doença mental ou física. Inversamente, isto é, associam-se negativamente ao suicídio: sexo feminino, juventude, baixa densidade populacional, religião, casamento, prole numerosa, baixo padrão de vida e situação de guerra.

Ainda, o Psiquiatra Miguel Chalub acentua que o suicida não quer matar a si próprio mas alguma coisa que carrega dentro de si e que sinteticamente pode ser: a) sentimento de culpa e b) a vontade de querer matar alguém com quem se identifica. Como as restrições morais o impedem, ele acaba se autodestruindo. Assim "o suicida mata uma outra pessoa que vive dentro dele e que o incomoda profundamente". O Psicólogo Adler e o Psicanalista Ralph fizeram comentários muito pertinentes quando disseram que todos os fracassados: neuróticos, psicóticos, criminosos, bêbados, crianças-problema, SUICIDAS, pervertidos e prostitutas dão à vida um sentido privado. Aninhado nas raízes inconscientes está sempre o grande fator que influencia a conduta consciente - o egoísmo. Um fator a mais está sempre presente, a obsessão, a influência. maléfica, intencional ou inconsciente, exercida por Espíritos Imperfeitos sobre a Humanidade encarnada, de modo prolongado. Nesse particular a Doutrina Espírita lança luz sobre o problema e a Psiquiatria parece receber essa contribuição, como se pode perceber consultando-se o "Reformador" ano 99, mês de janeiro de 1981. Na página 16 vamos encontrar o "Modelo terapêutico psiquiátrico-espírita" que o Professor Pedro de Oliveira Mundim apresentou em Mesa-Redonda no I Forum Brasileiro de Medicina da Pessoa, Presidente Prudente, São Paulo, em 18-10-1980. Assim, a obsessão pode- ria ser definida como um constrangimento que um indivíduo, suicida em potencial ou não, sente, graças à presença perturbadora de um ser espiritual. Vale a pena ler a descrição feita por Allan Kardec, em "O Livro dos Médiuns", capítulo 23.

Pergunta que nos assalta é como se sente o suicida após a desencarnação. Diversas são as obras que comentam o assunto, assim temos como exem- plo "O Martírio dos Suicidas", de Almerindo Martins de Castro, e "Memórias de um Suicida", de Yvonne A. Pereira. Por outro lado não podemos esquecer que Allan Kardec, no livro "O Céu e o Inferno" ou "A Justiça Divina segundo o Espiritismo", deixa enorme contribuição em exame comparado das doutrinas sobre a passagem da vida corporal à, vida espiritual e especificamente no capítulo V da segunda parte, onde cuida dos suicidas.

Parece interessante resumir que após a desencarnação, não há tribunal nem juízes para condenar o espírito, ainda que seja o mais culpado. Fica ele simplesmente diante da própria consciência, nu perante si mesmo e todos os demais, pois nada pode ser escondido no mundo espiritual, tendo o indivíduo de enfrentar suas próprias criações mentais.

Parte II

Pelo exposto podemos verificar que parece raro o encontro de suicídio em crianças. Mas ele existe? Como a criança encara o problema da morte?

Entramos num terreno que se me parece extremamente complexo e o melhor é deixar o especialista, o mestre no assunto, assumir as rédeas do pensamento. Sem sombra de dúvidas é o psicólogo o mais capacitado para esclarecer nossas dúvidas e à Psicologia Infantil está reservado importante papel no futuro da: Humanidade e é por isso que ela funciona como cadeira básica de qualquer Faculdade de Educação.

Artigo, recentemente publicado pela Psicóloga Wilma da Costa Torres, Professora Assistente do Instituto de Psicologia da UFRJ, destaca a abordagem desenvolvimentista da compreensão da morte pela criança. Apresenta e discute os resultados de pesquisas realizadas para Investigar a Influência de fatores maturacionais, cognitivos, sociais e afetivos nas etapas de conceituação da morte. Seu título - "O tema da morte na psicologia Infantil: uma revisão da literatura" - demonstra que, dentro do nossa espaço disponível, não poderemos explorá-lo adequadamente. Entretanto, é parte extraída dos capítulos 2 e 5 da tese "O conceito de morte em diferentes níveis de desenvolvimento cognitivo: uma abordagem preliminar, apresentada para a obtenção do grau de mestre em Psicologia Aplicada e merece portanto mais tarde ser examinado com carinho. Por ora achamos pertinente anotar algumas conclusões. A primeira, que é apoiada em autores estrangeiros, é que "as diferenças de nível sócio-econômico têm grande importância na aquisição do conceito de morte. Segundo resultados encontrados pelos autores estrangeiros, as crianças urbanas de nível sócio-econômico mais baixo adquirem conhecimentos conceituais acerca da morte mais rapidamente do que as da classe média. O estudo da psicóloga brasileira representa o ponto de partida para a instalação da área de investigação em Tanatologia (*) no Brasil. A equipe de que faz parte prossegue na realização de uma série de investigações visando, através da obtenção de dados extraídos da realidade brasileira, prover psicólogos da área clínica, do desenvolvimento e da educação, de embasamentos teórico-práticos para a abordagem adequada do tema da morte com a criança.

Sumariando de forma muito imperfeita o assunto poderíamos dizer que a pesquisa clássica publicada sobre o assunto tinha uma casuística de 378 criança húngaras e para examinar como as crianças conceituam e lidam com a morte nas várias idades. Interpretava as idéias de morte expressas pelas crianças através de palavras ou desenhos. O autor encontrou evidências para a existência de três etapas diversas. Até 5 anos, não há noção de morte definitiva, a criança não reconhece que a morte envolve total cessação da vida e não compreende a não reversibilidade da morte. A segunda (entre 5 e 9 anos), caracteriza-se por uma forte tendência a personificar a morte. É compreendida como irreversível, porém não como Inevitável. Somente na terceira etapa (9 e 10 anos), a criança reconhece a morte como cessação elas atividades do corpo e como inevitável. E, somente na adolescência, estes são verdadeiramente capazes de apreenderem o conceito de morte bem como o significado da vida.

Trabalhos posteriores trouxeram novas divisões segundo a faixa etária e um autor de língua inglesa coloca crianças entre 9 e 10 anos numa terceira fase, onde a morte é definitiva, mas a morte funciona biologicamente, acreditando que podem ver, ouvir ou sentir. Na quarta categoria (entre 6 e 12 anos), a morte é definitiva e implica a cessação de todas as funções biológicas; as crianças classificadas nesta categoria expressam conceitos realistas sobre a morte. Assim, é possível entre 5 e 12 anos perceber a morte como final e irreversível.

Muito interessante as conclusões de Gessei e colaboradores que descrevem as crianças de 10 anos como mais positivas e práticas na abordagem da morte. Sabem que depois da morte, com o tempo, o corpo se desintegra ou se mumifica, mas não dedicam maior reflexão a este assunto. Aos 11 anos "teorizam" sobre o que sucede depois da morte. Aos 12 anos revelam preocupação sobre a natureza da outra vida. Aos 13 anos a especulação cresce, mas a sua morte é vista como distante de um futuro imediato. Aos 14 anos, unia das tendências mais fortes é a de assinalar a inevitabilidade da morte, o que, entretanto, é acompanhada de uma aceitação positiva; nesta fase a vida é mais importante que a morte e as crianças revelam o desejo de viver uma vida plena antes de morrer.

Noutro trabalho, de não menos importância, realizado com crianças inglesas podem identificar-se5 (cinco) categorias para o significado da morte. O nível mais baixo, categoria A - revela ignorância completa, B - algum grau de compreensão, C - compreensão (define morto como negação de vivo), D - compreensão dos aspectos mais abstratos, E (nível mais alto) - compreensão dos aspectos lógicos ou biológicos da morte. A idade de 7 e 8 anos aparece, nessa investigação, como um marco de mudança (categoria C). A idade média das crianças na categoria B foi de 5 anos e meio, e, a assimilação completa (nível E) só surgiu em torno dos 12 anos.

Piaget considera que a partir do momento em que a criança se torna consciente da diferença entre vida e morte, a idéia de morte incentiva a curiosidade da criança, pois, se tudo é acasalado a um motivo, a morte exige uma explicação especial. Sylvia Anthony, aprofundando as considerações de Piaget, assevera que ao estabelecer a relação entre morte e Humanidade como uma categoria na qual ela própria está logicamente Incluída, atinge o máximo de desenvolvimento.

No Brasil, Rio de Janeiro, a Psicóloga Wilma Torres e colaboradores examinaram 183 crianças entre 4 e 13 anos de idade e seus resultados pare- cem confirmar e ampliar os de pesquisadores estrangeiros. Permitiram, seus resultados, identificar três níveis do conceito de morte descritivos do pensamento das crianças dos diferentes períodos de desenvolvimento cognitivo. No nível 1, característico do subperíodo pré-operacional, atribuem vida ao morto. No nível 2, característico do sub-período operacional concreto, já compreendem a morte como definitiva e no nível 3, característico do período formal, reconhecem a morte como processo interno, implicando a cessação da vida do corpo.

É pertinente relembrar que as crianças urbanas de nível sócio-econômico mais baixo adquirem conhecimentos conceituais acerca da morte mais rapidamente do que as da classe média.

Gostaríamos de perguntar se esta mesma criança é a que procura o suicídio. Quais as causas? Talvez aqui devêssemos procurar um Professor Titular de Pediatria de uma Faculdade de Medicina, no Brasil. O "Jornal de Pediatria", em seu volume 43 em 1977, publicou trabalho do Professor Samuel Schvartsman. Na sua casuística e métodos observamos que foram estudados 21 casos de tentativas de suicídio em crianças de 9 a 14 anos de idade, por ingestão de produtos químicos. Após o atendimento médico eram feitos um estudo das condições e circunstâncias sócio-familiares do paciente, que pudessem estar relacionadas direta ou indiretamente com o evento, e uma análise dos fatores que pudessem permitir a distinção entre a encenação suicida e a verdadeira tentativa de suicídio. Este trabalho se reveste de grande importância para diversos profissionais uma vez que as tentativas de suicídio representam atualmente urna situação preocupante nas estatísticas de morbidade e mortalidade. Nos Estados Unidos - cita como exemplo o pediatra de São Paulo - o suicídio é considerado como a 4a causa mais freqüente de óbitos entre os adolescentes.

O trabalho brasileiro examina os principais dados relativos ao paciente e suas condições sócio-familiares: nome, idade, sexo, cor, maturidade, local do acidente, escolaridade, profissão do pai e da mãe, número de irmãos, tentativas anteriores, comunicação do intento, comunicação com outros, planejamento, objetivo primordial, ambiente reativo, repetição se possível, perfil psicológico e religião.

Vamos começar pelo fim apenas porque no trabalho original o autor não o discute. Foram encontradas 9 crianças católicas, 2 adventistas, 2 crentes e em 8 oportunidades não se pôde determinar a religião. Estes resultados estão em aparente contradição aos referidos anteriormente onde discutimos a prevalência maior entre os protestantes, embora aqueles dados tenham sido retirados de casos de suicídio entre adultos. Por outro lado merece investigação o fato de em 8 oportunidades não ter sido possível definir a religião do paciente ou de seu grupo familiar, uma vez que os sociólogos afirmam que tanto mais a comunidade religiosa está fortemente integrada, tanto mais, também, está dotada de virtude preservadora.

O perfil psicológico das crianças revela na grande maioria - INSEGURANÇA. O objetivo primordial - a MORTE. A maioria repetiria a tentativa, embora esta não tenha sido planejada. Não comunicaram o intento, o ambiente não era reativo, não houve tentativas anteriores e o local principal foi o quarto. Dentre os fatores sócio-familiares relacionados de algum modo com a tentativa e as circunstâncias que poderiam ser consideradas como precipitantes, destacam-se o alcoolismo dos pais em 6 oportunidades, o seu mau relacionamento em 5 e sua ausência em 3. A circunstância mais relacionada como precipitante foi a desavença familiar. Os autores discutem a infreqüência de suicídios em crianças com menos de 14 anos de idade em outras localidades, achando de difícil explicação o fato de 19 (90,5%) das crianças em São Paulo estarem entre 9 e 12 anos. Admitem os pesquisadores brasileiros que a intensidade e persistência de condições sócio-familiares desfavoráveis geraram uma precocidade do amadurecimento no sentido depressivo ou da necessidade de atenção ou afeto. Na amostragem cerca de 62% das mães (13 casos) tinham atividades profissionais diurnas fora de casa e, usualmente, seus filhos menores ficavam apenas sob vigilância do mais velho. Ressaltam os autores que existe a possibilidade de amostragem falseada, uma vez que em famílias de nível sócio-econômico superior estes casos são geralmente, e na medida do possível, pouco divulgados ou diagnosticados de maneira confusa ou inadequada. Ao contrário do que pudemos observar em adultos, em outros trabalhos, houve preponderância do sexo feminino. Aqui merece atenção a observação de que se precocemente reconhecidos pela família ou diagnosticados pelo pediatra é possível alterar evidentemente a seqüência de eventos. São os seguintes: tédio, inquietude, fadiga, preocupação corporal, dificuldades de concentração, dificuldades escolares e comportamento agressivo. Conclusão que parece discutível é a do fato de a criança não procurar a morte como diz fazê-lo. O que se reflete na dificuldade em definir ou caracterizá-la, o que não ocorreria com o adulto.

Como tentativas de suicídio são relacionadas a certos tipos de estruturas familiares e condições ambientais, que, em geral os pais ou parentes são hostis à criança ou entre si, sua finalidade seria a modificação destas situações. O suicida visa não apenas recuperar o objeto perdido, como recuperar o afeto e a atenção das pessoas significativas de seu meio ambiente. A procura de afeto é também, de certa forma, enfatizada pela freqüência relativamente pequena de tentativas de suicídio no filho único, possivelmente porque a capacidade afetiva dos pais seja suficientemente grande para compensar outras dificuldades. Dos casos estudados pelos autores brasileiros apenas um era filho único, enquanto 14 tinham de 4 a 8 irmãos.

O espiritista não pode ficar indiferente a essa problemática. No momento em que temos uma Campanha Permanente de Evangelização Espírita Infanto-Juvenil é necessário que debates sobre problemas diversos da criança sejam realizados de forma a que possamos melhor adequar essa atividade pedagógica. Muito se poderá fazer, entretanto, nessa hora de decisão "é impraticável" o aprimoramento das almas sem educação, e educação exige legiões de cooperadores. Esquecer a infância e a juventude será desprezar o futuro". É por isso que Bezerra de Menezes ("Reformador" - junho/1978) afirma que "ninguém pode empreender tarefas nobilitantes, com as vistas voltadas para a Era Melhor da Humanidade, sem vigoroso empenho de educação evangélica da criança". E Francisco Spineli, no livro "Crestomatia da Imortalidade", assevera que a criança ainda é o sorriso do futuro na face do presente. Evangelizá-la é, pois, espiritualizar o porvir, legando-lhe a lição clara e pura do ensinamento cristão, a fim de que, verdadeiramente, viva o Cristo nas gerações de amanhã. Evangelizá-la de modo que a sua fé, a fé raciocinada, possa apoiar-se nos fatos e na lógica, sem deixar nenhuma obscuridade. Só dessa forma a criatura terá certeza. E ninguém terá certeza se não atingir, pelo menos, o 2.0 nível da taxonomia dos objetivos educacionais segundo Bloom. Porque "a fé necessita de uma base, base que é a Inteligência perfeita daquilo em que se deve crer. E para crer não basta ver, é preciso, sobretudo compreender". Os estudos realizados, pelos pesquisadores das causas do suicídio adulto e infantil, revelam a propriedade e atualidade das palavras de Marta da Anunciação (Depoimentos Vivos):

"Acima de todas as coisas, o amor que observa e corrige, que acompanha e educa, que disciplina e consola, porquanto, sem dúvida alguma, não há método pedagógico de educação melhor do que o AMOR honrado, constante e firme."

Luiz Carlos D. Formiga


Textos correlatos podem ser encontrados em artigos do NEURJ
Referencias Bibliográficas
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Kardec, A. O Livro dos Espíritos, 54a ed. FEB, RJ, 1981.
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Schwartsmam, S.; Fonseca, M.E.Q.; Manissadjian, A. & Unti, M. Aspectos médico-sociais das tentativas de suicídio de crianças por ingestão de produtos químicos, J. Ped., 43: 152-156, 1977.
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Mundim, P. O Modelo Terapéutico psiquiátrico-Espírita, Reformador, 1.822 (janeiro): 16-21, 1981
Torres, W.C. O tema da morte na psicologia lnfantil: uma revisão da literatura,Arq. Bras. Psic., 32: 59-71, 1980. (Tese de Mestrado)
Vieira, W. Conduta Espírita, pelo Espírito André Luiz, 8a ed. FEB, RJ, 1981.
Xavier, F. C. Vinha de Luz, pelo Espírito Emmanuel, 6a ed. FEB, RJ, 1981.
Reformador, 99(1833): 387-392, dezembro, 1981
Republicado no Jornal espírita (SP), novembro, 1984,
com o título: por que as crianças se suicidam?


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