domingo, 29 de agosto de 2010

FILOSOFIA DA CIÊNCIA ESPÍRITA – III - CIÊNCIA


Matheus Artioli Firmino

Continuando nossa análise sobre a construção do conhecimento, devemos lembrar que a primeira grande busca do ser humano foi em torno do sobrenatural, com conotações não racionais, desenvolvendo as religiões, que, de modo geral, eram atreladas ao Estado não permitindo ao indivíduo pensar livremente. Daí aparecerem desafiadores propondo um método reflexivo dependente apenas do ser. Através dele (especulum), o filósofo (amigo do saber) pode criar a própria explicação de um fenômeno, agora sempre natural. Porém vimos os " filósofos " da Escolástica no final da Idade Média usando o método aristotélico de forma viciosa, chegando ao ponto de não haver observações da Natureza, mas apenas a leitura dos livros de Aristóteles. Essa forma escolástica, ainda que racional, não é progressivo e paralisa o progresso.

Ao contrário do que muitos pensam, a aquisição do conhecimento segundo a História dos encarnados não se realiza numa forma contínua, acumulativa. O que acreditamos hoje pode ser considerado falso no futuro, pois a visão, a concepção e a interpretação de um certo fenômeno pode mudar radicalmente e um conceito antigo tornar-se insustentável para. Cabe ao pesquisador definir outro conceito sobre o qual serão apoiadas todas as novas idéias, mas o padrão antigo deverá ser ignorado. Desse modo, o conhecimento de hoje não se apóia totalmente numa conquista do passado.



Os períodos de produção acumulativa de informação são intermeados por tempos de discussão de conceitos. Então, por exemplo, um padrão de idéias (paradigma) numa época "sustenta" a produção de explicações até um certo ponto; chegará um momento quando, devido ao avanço da tecnologia e nos instrumentos de pesquisa, esse paradigma não mais será lógico (ponto de crise do paradigma); a seguir, os pesquisadores entrarão num tempo de discussão do padrão adotado (sem muita extração de informação a respeito do fenômeno) até que se defina um novo paradigma, servindo de base para a nova produção de conhecimento.

Um dos fatos mais famosos, que reflete não apenas a opressão da ignorância humana, mas também a crise interna da filosofia viciosa acontece no final do período medieval, com o princípio do Heliocentrismo. Cláudio Ptolomeu que viveu no século II d.C. e, baseando-se em premissas aristotélicas, concluiu que a Terra seria um ponto fixo no Universo e todos os astros (conhecidos com a tecnologia da época) giravam em torno dela. Criou dessa forma o paradigma do Geocentrismo, uma tentativa de explicar através de complicadas fórmulas matemáticas, como os astros movimentam-se em esferas. Essa tentativa possibilitou o desenvolvimento de áreas de Matemática. O problema foi devido aos filósofos do final da Idade Média não aceitarem nenhum novo paradigma. No entanto Nicolau Copérnico ( 1493 - 1543 ) apresentou um modelo astronômico-matemático em seu livro "de Revolutionibus" propondo o Heliocentrismo, no qual o Sol era o centro do Universo e a Terra um dos planetas que giram em torno. Além de explicar mais, era mais simples, comparado ao modelo de Ptolomeu. Foi uma questão de não se renovar paradigmas.

Se recordarmos o estudo anterior (Agosto), o próprio método de Aristóteles (indutivo-dedutivo) indica que o primeiro passo à formação de uma explicação é a observação, então a indução de premissas e, finalmente, as deduções. No final do período medieval, os pensadores faziam um "curto-circuito" nesse método, uma vez que mal se observava o fato, já havia deduções prontas tiradas dos livros de Aristóteles. Havia ainda o problema dos dogmas, as " verdades " inabaláveis da Igreja, impedindo novas idéias de se estabelecerem, com a pena do pesquisador ser excluído, castigado ou morto.

Francis Bacon ( 1561 - 1626 ) é considerado um dos primeiros pensadores atacantes do vício sobre Aristóteles. Afirmava que a fonte de todo o conhecimento deveria ser a própria Natureza e não os livros de Aristóteles. Iniciou, desse modo, um ramo forte na Filosofia que se tornará a base da Ciência moderna: o Empirismo. Este aceita como única fonte de conhecimento humano as observações e os experimentos. O raciocínio não poderia, sozinho, criar teorias, devendo sempre submete-las às experiências sensoriais.

Entretanto, o grande pai de todas as Ciências e o revolucionário dos paradigmas filosóficos foi Galileu Galilei ( 1564 - 1642 ). Assim como Sócrates é considerado o " fundador " da verdadeira Filosofia, Galileu pode ser visto como o criador dessa nova área, desse novo método do conhecimento chamado Ciência. Para excluir definitivamente enganos, deturpações e má interpretações dos fenômenos naturais era necessário adotar o método mais rigoroso, mais sistêmico e regular: a Matemática. Galileu estava convencido de que o livro da Natureza acha-se escrito na língua da Matemática. As qualidades de todos os objetos e fenômenos devem ser necessariamente quantificáveis, de tal forma que dois objetos são diferentes não por possuírem qualidades intrínsecas, próprias, mas sim por serem quantitativamente diferente. Por exemplo, Aristóteles via o Universo formado por quatro elementos primordiais (terra, água, ar e fogo) e a sua combinação geraria qualidades intrínsecas (pesado ou leve, frio ou quente, seco ou úmido). Já para Galileu, a diferença de algo pesado ou leve é quantidade de massa e um corpo é mais quente que outro por quantidade de temperatura (energia térmica), mas na profundidade eles possuem as mesmas qualidades (massa e energia térmica).

Dessa forma, Galileu propôs uma demarcação entre interpretações não-científicas (qualitativas) e científicas (quantitativas), para, nessas últimas, delimitar o que era aceitável e o que não era.



Assim, para pensar cientificamente não basta observar, fazer experimentos e tirar conclusões, como prega o Empirismo puro. É necessário observar quantificando o que se vê (o quanto for possível), elaborar hipóteses, testá-las, associá-las para formular explicações com idéias matemáticas implícitas. Mais tarde, John Herschel ( 1792 - 1781 ) afirmou que o cientista deve combinar as explicações para determinar Leis da Natureza, ou seja, as propriedades dos fenômenos bem como a seqüência de eventos. A associação das Leis Naturais deve levar às Teorias, isto é, inter-relações das leis desconexas através de criação de hipóteses ousadas.



Galileu foi o primeiro "cientifizador" da História. Particularmente, seus objetos de estudo eram relacionados com a Astronomia e a Física. Mas para cada área do conhecimento estudado pela Filosofia ou outros métodos racionais ou não, têm surgido "cientifizadores" dando um caráter científico a um determinado objeto (assunto) de estudo. Desse modo, vemos ao longo da História as diferentes ciências surgindo, elevando os diversos assuntos relacionados com a Natureza à categoria de um método experimental, quantitativo e rigoroso. Para citar, como exemplo algumas, lembramos:

Física (objeto: matéria de um modo geral e suas transformações reversíveis): uma das Ciências mais antigas, mesmo considerando o período quando era estudada apenas pela filosofia; Galileu lançou os primeiros argumentos quantitativos, mas Isaac Newton (1642 - 1727) formulou as teorias (quantitativas) sobre a gravidade e outras leis da dinâmica, óptica, cinemática, etc.
Química (objeto: composição íntima da matéria e suas reações): antigamente estudada pela filosofia e Alquimia; Antoine Laurent Lavosier (1743 - 1794) demonstrou a conservação das massas numa reação química; mais tarde, Dalton elaborou a teria do átomo, propondo que numa reação química, os átomos das substâncias envolvidas apenas reorganizam-se quantitativamente.
Biologia (objeto: seres vivos): em 1735, o botânico sueco Karl Von Lineu propõe regras de classificação dos seres vivos, considerando suas semelhanças e diferenças quantitativas; mais tarde, as teorias evolucionistas de Charles Darwin colocam a Biologia nos trilhos da ciência.
Medicina (objeto: doenças): no começo do século XIX, apesar das demonstrações e teorias de Hanemman, ainda a maior parte dos médicos estudavam as doenças como se fosse uma qualidade ruim exterior adquirida; então Claude Bernard publicou um método de investigação dependente da visão das doenças como uma variação quantitativa do estado fisiológico normal.
Ciências humanas: também no século XIX, houve uma conceituação científica a respeito da Sociedade, da História, Antropologia, etc. Karl Marx, Augusto Comte e outros foram os "cientifizadores".
Em síntese, depois do período medieval, Galileu inicia o processo de "cientifização" (quantificação das diferenças) na área de Física. Depois dessa Renascença Cultural (século XVI), houve o Iluminismo (século XVIII) em que filósofos renovavam os antigos conceitos e novas ciências apareceram. Foi uma época de contestação política e vários filósofos e cientistas foram mortos, como Lavosier, guilhotinado na Revolução Francesa. No século XIX, novas ciências afirmaram-se em torno do Positivismo, uma corrente filosófica cujo objetivo era "alcançar a felicidade plena do ser humano" através da prática da mais rigorosa ciência. Muitos positivistas excederam-se em seu orgulho e até mesmo "fanatismo" científico e fecharam os olhos para diversos fenômenos "tradicionalmente" considerados naturais.

Aliás, havia uma grande parte do conhecimento, crucial para o desenvolvimento sociológico e antropológico da criatura humana, que ainda estava sob as trevas da ignorância em pleno século XIX: as religiões. Conceitos como moral, por exemplo, eram vistos na forma antiga qualitativa. Assim como, na interpretação antiga, a "coisa" Luz era diferente da "coisa" Sombra, o Leve diferente do Pesado, o Quente diferente do Frio, etc., o Bem seria uma força na Natureza totalmente oposta à a força do Mal. Dificilmente através dos paradigmas antigos (dogmas) das religiões, seria concebido que, como a sombra é a ausência da luz, frio é a ausência do calor, o leve é a falta de massa, o mal é a ausência do bem.

Devemos entender, portanto, as Ciências como uma imensa porta que se abre diante da Verdade Real, base de qualquer descoberta, primeiro passo ao processo de auto-encontro. Contudo, se os fatos se sucedessem como os orgulhosos positivistas do século XIX, muitas verdades seriam abandonadas. Houve será um "cientifizador" da religião e, por conseqüência, do fenômeno mediúnico associado à suas verdades (ver estudo de Julho)? Descobriremos nas próximas páginas.


Referências Bibliográficas:

Abbagnano, Nicola (2000). Dicionário de Filosofia, 4a Edição. Martins Fontes.
Abrão, Bernadette Siqueira (1999). História da Filosofia. Nova Cultura.
Durozoi, Gerard & Boussel, André. Dicionário de Filosofia, 2a Edição. Papirus.
Losee, John (1979). Filosofia da Ciência. Itatiaia.
Kardec, Allan (1999). A Gênese, 19a Edição. LAKE. Capítulo 1.
Outubro / 2001



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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

FILOSOFIA DA CIÊNCIA ESPÍRITA – II - A FILOSOFIA


Matheus Artioli Firmino

Como vimos no estudo anterior, o ser humano desenvolveu vários meios de alcançar a Verdade Real para compreender melhor a própria situação. A primeira grande tentativa ocorrida no livro da História foram as religiões, cujos objetos de estudo essenciais são Deus e a Imortalidade da Alma, possibilitando o encontro dos homens com o Criador. No entanto, observamos a deturpação da doutrinas religiosas detentoras de poder político e psicológico sobre a sociedade. Daí surgirem novas tentativas das pessoas desejosas de produzir o próprio conhecimento, sem depender totalmente da revelação passiva, mas avançar no campo da racionalidade.

Foi assim que, no ideal de derrubar o comodismo mental e elevar-se à responsabilidade e à liberdade, desenvolveu-se a Filosofia, estudo que se caracteriza pela intenção de ampliar incessantemente a compreensão da realidade, no sentido de apreendê-la na sua totalidade, quer pela busca da realidade capaz de abranger todas as outras, quer pela definição do instrumento capaz de apreender a realidade, o pensamento, tornando-se o homem tema inevitável de consideração. Foge aos nossos objetivos aqui, enunciarmos definições e conceitos, bem como descrever suas diversas escolas orientais e ocidentais.

Dentro da idéia da "Filosofia da Ciência Espírita", não podemos esquecer Pitágoras (segunda metade do século VI a.C.) A palavra "filosofia"foi por ele usada inicialmente. Reconhecendo-se longe de toda sabedoria, mas com o desejo imenso de alcançá-la, autodenominou-se praticante de "filo-sofia" (filo: amigo; sofia: saber). Porém, sua maior contribuição foi considerar que todos os fenômenos da natureza refletem a perfeição da Matemática. Esta, deixou de ser uma técnica de agrimensura – como entre os egípcios – para constituir um conceito filosófico.

Entretanto, o pensamento filosófico consolida-se com Sócrates (c. 469 ou 470 a.C.- 399 a.C.). Muitos consideram que a Filosofia verdadeira inicia-se com ele, separando os pensadores em pré-socráticos e pós-socráticos.

Na sua época, grande número de pessoas afirmava que Sócrates era sábio. Querefonte, seu amigo, foi perguntar aos "deuses" do Santuário de Delfos se havia alguém mais sábio que Sócrates. A resposta foi negativa. Surpreendido, Sócrates começa a conversar com vários indivíduos considerados sábios. Nota que esses sábios não o eram na realidade, pois diziam conhecer um assunto que desconheciam. Desse modo, inicia seu trabalho em diálogo desenvolvendo-os de tal forma que levava as pessoas a descobrirem a essência das coisas não desviando do problema em respostas superficiais. Sócrates considerava-se com a tarefa de uma parteira, trazendo à tona um conhecimento já existente, mas latente em cada um. Confirmava os objetivos da filosofia, a produção do saber parte integramente do ser, segundo a célebre frase do mesmo santuário: "Conhece-te a ti mesmo".

Mais tarde, múltiplas escolas aparecem, mas uma muito expressiva, norteadora do pensamento ocidental por vários séculos e que lançou os germens da Ciência, foi a de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.). Com o objetivo de gerar explicações para fenômenos de diferentes ordens, cria métodos e definições básicas para interpretá-los. A produção do saber deve ser fruto de uma reflexão, em que o pensador, mais uma vez, participa ativamente. Daí chamar-se esse método, praticamente em todo pensamento filosófico, de "especulativo" (especulum, espelho, de reflexão). Para ele, a investigação filosófica baseia-se numa progressão das observações até princípios gerais e daí de volta às observações. Afirmava que o pensador deve induzir princípios explanatórios dos próprios fenômenos observados, e, em seguida, deduzir afirmações a partir de premissas que incluem estes princípios.



Dessa forma, o filósofo precisa, primeiramente, ser "surpreendido" pelos fatos (Observações). A seguir, faz generalizações criando princípios explanatórios para todo o gênero (Indução). Finalmente, gera explicações a respeito dos acontecimentos e de suas propriedades a partir das premissas organizadas silogicamente (Dedução).

Tomemos um exemplo. Um filósofo poderia aplicar o processo indutivo-dedutivo a um eclipse lunar da seguinte maneira:

Ele começa pela OBSERVAÇÃO do escurecimento progressivo da superfície lunar;
Em seguida, INDUZ desta observação (e outras), alguns princípios gerais: a luz caminha em linha reta, corpos opacos projetam sombras e uma configuração particular de dois corpos opacos perto de um corpo luminoso coloca um destes corpos na sombra do outro;
Destes princípios gerais, e da condição de que a terra e a lua são corpos opacos, ele DEDUZ uma afirmativa sobre o eclipse lunar.
Assim, progrediu-se do conhecimento do fato de que a superfície da lua escureceu a uma compreensão do que se passou.

Através desse método indutivo-dedutivo de Aristóteles muitas explicações foram geradas, contribuindo como premissas de outras explicações. Notamos desse modo, intensa produção de conhecimento humano, verdadeiro ou não.

Notemos que as induções são generalizações sobre as qualidades do objeto considerado. Aristóteles usava largamente a idéia de que todos os corpos possuem qualidades intrínsecas e estas classificam aqueles em grupos. Desse modo, qualquer gato é mamífero porque ele possui qualidades próprias, do grupo dos mamíferos. Aristóteles considerava também a existência de dois tipos de qualidades: as primárias e as secundárias. As primárias podem ser medidas, e as secundárias não podem ser medidas e devem ser tomadas sem precisar deduzi-las (a priori). Ou seja, não haveria explicações razoáveis para algumas qualidades de certos corpos, mas, mesmo assim, podem ser usadas como premissas do método indutivo-dedutivo.

O maior exemplo de qualidades secundárias, estão nos quatro elementos que, segundo Aristóteles, compunham toda a matéria no planeta: terra, água, ar e fogo. Cada uma dessas substâncias possui qualidades secundárias próprias, tomadas a priori:

TERRA
ÁGUA
AR
FOGO

PESO Grave
Grave
Leve
Leve

TEMPERATURA Quente
Fria
Frio
Quente

UMIDADE Seco
Úmida
Úmido
Seco


Os outros corpos são formados pela "mistura" de porções variáveis dessas substâncias primitivas, originando composições dessas qualidades. E é assim que, de um modo geral, Aristóteles e a maior parte das correntes filosóficas até então, explicava a Natureza. Um corpo era pesado (grave) por possuir maior porção de terra. E a "gravidade" de um corpo impõe-lhe a posição no Universo (mais ou menos próximo do centro da terra).

No tempo, novas escolas aparecem, mas as mudanças econômicas, políticas e sociais no Ocidente abalaram a história da filosofia. Quando o Império Romano foi invadido pelos bárbaros, o povo passa a viver num clima de guerra, medo e reclusão. Na Europa Ocidental plenamente rural, o Cristianismo, a filosofia da vida, atrela-se ao Estado e transforma-se em uma religião comum, dogmática e impositiva, tal qual àquelas estudas anteriormente. O contato posterior com árabes e judeus, abriu novos horizontes para esse mundo de retraimento. A Escolástica, doutrina teológico-filosófica dominante na Idade Média dos séculos IX ao XVII caracterizadas sobretudo pelo problema da relação entre a fé e a razão, foi um novo movimento de produção do saber segundo as diretrizes de Aristóteles, todavia, sob os olhos da Inquisição, antigo tribunal eclesiástico instituído com o fim de investigar e punir os crimes contra a fé católica.

Com Robert Grosseteste (1168-1253) e Roger Bacon (1214-1292), o método indutivo-dedutivo de Aristóteles, nesse momento chamado de "resolução-composição", foi intensamente expandido e aplicado.

Contudo, no final da Idade Média, a Filosofia também foi deturpada. O método aristotélico acima explicado era usado de forma excessiva mas incompleta, viciosa. O termo "especulativo" recebeu uma conotação de artificial e superficial, uma vez que os pensadores não induziam nenhuma premissa nova, mas construíam explicações (deduções) a partir de princípios estabelecidos pelo próprio Aristóteles. Ademais, tanto as explicações finais, quanto as premissas de Aristóteles deveriam girar em torno dos conceitos indiscutíveis (dogmas) da Igreja.

Assim, a filosofia representa o encontro da criatura humana consigo, abrindo novos horizontes de liberdade e razão. Mas novas tentativas deveriam estabelecer um método mais rigoroso de investigação, que não possibilite viciações. Qual será esse método? Veremos nos próximos estudos.


Referências Bibliográficas:

Abbagnano, Nicola (2000). Dicionário de Filosofia, 4a Edição. Martins Fontes. Verbete Aristotelismo: página 79.
Abrão, Bernadette Siqueira (1999). História da Filosofia. Nova Cultura. Capítulo 3: p. 41-44.
Durozoi, Gerard & Boussel, André. Dicionário de Filosofia, 2a Edição. Papirus. Verbete Filosofia: p. 190.
Losee, John (1979). Filosofia da Ciência. Itatiaia. Capítulo 1: p. 15-26.
Kardec, Allan (1999). A Gênese, 19a Edição. LAKE. Capítulo 1: item 7 e 8.
Agosto / 2001


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terça-feira, 24 de agosto de 2010

FILOSOFIA DA CIÊNCIA ESPÍRITA – I – A RELIGIÃO


Matheus Artioli Firmino


O Espiritismo é considerado por alguns como mais uma filosofia espiritualista. Outros já o enquadram como uma ciência rigorosa, empírica, não apresentando nenhum compromisso com princípios metafísicos. Outras correntes admitem um caráter eminente-mente religioso e moral, sem reflexões filosóficas ou teorias científicas. Finalmente, há aqueles que o classificam como mais uma técnica de cura ou terapêutica de medicina alternativa.

O que é realmente o Espiritismo ? Emmanuel ensina-nos que encontramos um tríplice aspecto, intrínseco em cada conceito espírita: ciência, filosofia, religião [1]. Assim ele divide os tópicos de seu livro O Consolador. Mas o que significa cada um desses termos e quais são as implicações desse entendimento? Vale a pena pensar nisso? Sabemos que sim, para descobrirmos os objetivos e método em que se formou a Doutrina Espírita. E, para compreendermos melhor, estudaremos nesta e nas próximas páginas esses três conceitos.

Na verdade, desde a pré-história humana, quando o homem ainda não desenvolvera a escrita, percebemos a busca incessante da felicidade. E, para chegar à felicidade, as experiências terrenas sempre levam a um questionamento sobre a realidade e as causas dos fenômenos que nos envolvem.

Entretanto, segundo Allan Kardec, "sendo o progresso uma condição da natureza humana, ninguém tem o poder de se opor a ele. É uma força viva que as más leis podem retardar, mas não asfixiar."[2] Vemos o ser primitivo inteiramente preocupado com a satisfação de seus interesses materiais. Nada podendo ainda conceber fora do mundo visível e tangível, imagina toda a realidade constituindo-se dos seres e das coisas com que se deparam. Mais tarde, torna-se necessário, para entender a si próprio, a compreensão do abstrato, para então, aos poucos, adentrar na essência espiritual da vida: a Verdade Real.[3]

Nesse sentido, diversas formas (métodos) de obter o conhecimento da Verdade a respeito de numerosos assuntos (objetos) foram construídos pela sociedade, em todos os períodos da humanidade. Não pretendemos aqui, definir cada método, mas os estudiosos do saber humano classificam o Conhecimento em dois grande grupos: o não-racional e o racional. Toda obtenção passiva, exterior, sem análise, pertence ao primeiro grupo: as diferentes superstições, as ideologias e, como veremos a seguir, as religiões. Por outro lado, todo conhecimento elaborado, refletido, pertence ao segundo grupo: a filosofia e a ciência.



Isso não implica dizer que a informação obtida é verdadeira ou falsa. A Verdade pode estar em qualquer uma dessas formas, mas elas se diferem pelo método, pelo meio de atingi-la. Muitas vezes, a conhecimento racional erra enquanto o não-racional detêm a veracidade.

A primeira grande organização do saber foram as religiões. Sabemos que os objetos (os assuntos) principais de qualquer religião são a Existência de Deus e a Imortalidade da Alma. Derivada do verbo latino "religare", a religião representa um laço de união entre a criatura e o Criador [4]. Por que, então, é classificada, de um modo geral, como uma forma não-racional do saber, até mesmo como uma superstição melhorada? Porque a esmagadora maioria desenvolve-se segundo o método da Revelação.

Revelar, do latim "revelare", cuja raiz é "velum", véu, significa literalmente "sair de sob o véu", figuradamente, descobrir, fazer conhecer uma coisa secreta ou desconhecida. No sentido especial da fé religiosa, a revelação é sempre feita a homens privilegiados, designados como profetas ou messias, isto é, enviados, missionários, incumbidos de transmiti-la aos homens. Considerada sob esse ponto de vista, a revelação implica passividade absoluta; é aceita sem controle, sem exame, sem discussão. A submissão faz aceitar "de fora para dentro"[5].

Notemos um exemplo. As primeiras civilizações desenvolvidas no transcurso da história, as Sociedades Hidráulicas, apoiavam-se totalmente na religião. Nessas organizações, a distinção social começou a se fazer notar quando a luta pela posse das áreas cultiváveis em torno de rios (Nilo, Tigres, Eufrates, Jordão, etc.) levou a se defrontarem os camponeses, na posição de possuidores da força de trabalho, e os proprietários patriarcais das terras, que delas se apoderaram e as mantinham invocando a proteção dos deuses e dos sacerdotes. Pelo "respeito" ao mais velho (patriarca) ou mais forte, os camponeses trabalhavam exaustivamente, organizavam exércitos, executavam ordens, mas não eram considerados escravos [6].

Desse modo, enquanto uma grande massa de trabalhadores produziam alimentos para a sociedade, os sacerdotes, a nobreza e o governante tinham mais tempo para estudar os fenômenos naturais, desenvolvendo a astrologia, a matemática, a religião, etc. Um fato da natureza de especial interesse nesse momento foi a mediunidade ostensiva, havendo intensas comunicações com os "mortos". Espíritos familiares instruíam o clero de forma característica para cada povo. Os "estudiosos" interpretavam segundo suas idéias necessariamente limitada, restrita à mentalidade da época, embutindo ilusões e imaginações, corrompendo a verdade.

Um exemplo clássico disso, foi o surgimento do princípio da Metempsicose. Essa doutrina, oriunda dos egípcios e, posteriormente, na Grécia Antiga (Pitágoras), aceita a Lei da Reencarnação, mas professa a possibilidade de uma alma humana renascer num corpo de um animal inferior, retrocesso na árvore evolutiva. Sabemos, porém, que a reencarnação, apesar de ser bem estabelecida como verdade inabalável, tem como finalidade o progresso sem retorno. Uma provável origem dessa crença na Metempsicose, foi a aparição de Espíritos desencarnados, tão grosseiros e inferiores, que plasmaram no corpo espiritual (perispírito) suas idéias bestiais, aparecendo sob a forma temporária de animais. A interpretação da natureza animal desses seres podem ter levado à Metempsicose ou, indo mais além, a crença em deuses zoomórficos (forma total de animais) ou antropozoomórficos (com forma semi-humana e semi-animal) [7].

Outro fato digno de nota é a questão da Ressurreição, professada inicialmente pelos princípios hebraicos, no entanto aceita largamente por várias doutrinas cristãs. Está bem claro que um corpo morto não pode retomar à vida orgânica original, mas entra no ciclo inviolável da natureza de transformações. Além da reencarnação, retorno à vida orgânica em um novo corpo, pode ter gerado confusão, outro fato provavelmente levou à idéia de ressurreição. Um Espírito desencarnado, principalmente aqueles cujo desenlace da matéria foi recente, apresenta-se geralmente com o perispírito da mesma forma do último corpo. Uma aparição aos sacerdotes nessa forma, fez surgir uma conclusão precipitada, de que a pessoa ainda estava ainda viva com o mesmo corpo [2] .

E de todos os tempos, os "reveladores" da verdade, ainda extremamente encoberta por fantasias, sempre dependentes de médiuns, sob nomes diversos, como sacerdote, rabino, padre, píton, profeta, pastor, pajé, lama, monge, etc., arrogavam-se o privilégio de relacionar-se com a Divindade. O servos submissos, suportando horas de trabalho árduo, esperavam ansiosos receber "os recados confortadores dos deuses", pela voz de seus superiores. Por isso, entendemos as religiões detendo uma razão de ser providencial, apropriadas ao tempo e ao meio, ao gênio particular dos povos. Apesar do erro dessas doutrinas, não deixaram de agitar os espíritos e, mesmo por isso, de semear os germens do progresso, que mais tarde haviam de alastrar-se ou se alastrarão à luz brilhante do cristianismo [5].

No entanto, esses reveladores, engajados em cargos políticos, transformaram a religião em instrumento de dominação; com ambições secundárias sociais, de fama, têm explorado a credulidade em proveito de seu orgulho, da sua cupidez ou de sua indolência e acham mais cômodo viver à custa dos iludidos [5]. Além das interpretações surgirem erradas por precipitação, alguns conceitos foram cortados ou incluídos propositalmente. A crença no sobrenatural e no poder milagroso possuído pela nobreza e clero, foi um artifício psicológico de controle que, em termos de eficiência, é muito mais interessante que um exército gigantesco. Lembremos que a mediunidade é uma faculdade natural da criatura humana, variando em intensidade, mas não escolhe a classe social em que desabrocha. Por isso perguntamos, quantos médiuns ostensivos que apareceram na população mais carente, com expressiva percepção da vida futura, não foram ignorados, discriminados, condenados ou mortos?

Nessa forma de religião passiva, não é nem um pouco interessante que a população pense, conheça ou saiba usar os fenômenos. Para os governantes, o comodismo das massas é o melhor meio de atingir os interesses pessoais. Os conceitos devem, então, ser intocáveis, como dogmas. Daí a necessidade de surgirem outros métodos para atingir a Verdade. Emergiram pensadores desafiadores da religião, não por rejeitarem seus conceitos, mas para produzirem o próprio conhecimento, mesmo errando, porém com a possibilidade de discutir e usufruir o direito da Liberdade.

Toda essa busca levará o homem a entender que religião, crença, rótulo, sem religiosidade, isto é, sem vivência dos princípios aceitos, estaciona e detém em alguma parte do processo em estudo.

Portanto, "a Religião é sempre a face augusta e soberana da Verdade; porém, na inquietação que lhes caracteriza a existência na Terra, os homens se dividiram em numerosas religiões, como se a fé também pudesse ter fronteiras, à semelhança de pátrias materiais, tantas vezes mergulhadas no egoísmo e na ambição de seus filhos."[1]li Firmino

Referências Bibliográficas:
[1] Emmanuel (1988). O Consolador, 14a Edição. FEB. Definição, página 19; item 292.
[2] Kardec, Allan (1994). O Livro dos Espíritos, 54a Edição. LAKE. Terceira Parte, Capítulo 8: item
783.
[3] Kardec. Allan (1979). O Céu e o Inferno, 3a Edição. LAKE. Primeira Parte, Capítulo 9: item 2.
[4] Durozoi, Gerard e Roussel, André (1996). Dicionário de Filosofia, 2a Edição. PAPIRUS. Verbete
Religião: página 406.
[5] Kardec, Allan (1999). A Gênese, 19a Edição. LAKE. Capítulo 1: item 7 e 8.
[6] Arruda, JJA, Fernandes, SR, Turin, E (1999). História Antiga e Medieval. SOL. Capítulo 3: 13-19.
[7] Ângeles, Joana de (1982) . Estudos Espíritas. FEB. Renascer: página 71.
Julho/2001


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sábado, 21 de agosto de 2010

CONSCIÊNCIA


Leda de Almeida Rezende Ebner

O Espiritismo nos ensina que para podermos fazer nosso desenvolvimento espiritual (intelectual e moral) precisamos conhecer a nós próprios.

Como trabalhar conosco, com nossos sentimentos, emoções, pensamentos, com nossa inteligência, razão, sem esse conhecimento de quem realmente somos, do que sentimos enfim, da nossa individualidade, do nosso eu interior.

Geralmente, julgamo-nos melhores do que somos, porque nos baseamos em nossas intenções. Todavia, não somos intenções e objetivos, quase sempre ficamos muito aquém deles: há uma distância imensa entre desejar, aspirar a ser e ser.

Para que nossa existência atual seja produtiva em nosso desenvolvimento interior, necessário conhecermo-nos, internamente, o mais e melhor possível, conseguirmos a consciência de quem somos.

Segundo o dicionário Caldas Aulete, consciência é “sentimento do que em nós se passa”; “o testemunho ou julgamento secreto da alma, que aprova as ações boas ou rejeita as más”.

Consciência é pois, algo que existe em nós, que nos leva a reconhecermo-nos, a perceber com clareza, o que e como sentimos, pensamos, agimos e reagimos, em nosso viver cotidiano.

Quando Allan Kardec perguntou aos Espíritos: “Onde está escrita a lei de Deus?”, eles não responderam: “Na Bíblia” e sim “Na consciência” 1 Por isso, todos os seres humanos, quando tomam consciência da sua individualidade, fazem as mesmas perguntas e encontram as respostas que seu desenvolvimento intelectual e moral indicam: “Quem somos?”, “De onde viemos?” e “Para onde vamos?”

Essa consciência, inerente ao Espírito, vai se desenvolvendo no conhecimento das leis naturais, na medida do desenvolvimento espiritual de cada um.

Quanto mais se desenvolve o homem, intelectual e moralmente, quanto mais ele se educa no conhecimento e na vivência das leis de Deus, mais essa consciência se amplia e mais ele percebe quem é, como é, o que pode ser e, quanto mais claramente, ele ouve a voz da sua consciência, mais percebe os outros, tornando-se melhor pessoa. Possui mais e melhores condições de viver melhor, de ajudar mais e melhor seu próximo e de colaborar, com mais eficiência, na melhoria da comunidade onde vive.

No reino animal, o princípio inteligente, até então, alma - grupo na expressão de Jorge Andréa 2, torna-se um indivíduo, um ser particular só que ele não sabe disso, sua consciência continua “em germe”, em potencial.

É no reino hominal, como Espírito, que inicia a consciência de si mesmo, como um indivíduo semelhante a outros. Adquire a consciência de que é alguém, de que existe e vive.

Esse despertar da consciência, leva o homem a satisfazer suas necessidades físicas, desenvolvendo então, o egocentrismo, tão necessário à sua sobrevivência e manutenção, onde ele e suas necessidades são o centro: “primeiro eu, depois o outro”.

Infelizmente, esta idéia ainda persiste hoje, entre pessoas que não perceberam que atualmente, a necessidade maior é a da solidariedade, em favor de “nós” e não do “eu”.

Todavia, a progressão espiritual se faz também, através das lutas materiais e, chega um momento, na vida de cada Espírito, na qual ele percebe, adquire a consciência da sua realidade espiritual e das suas “novas” necessidades.

Geralmente, cansado de repetir experiências reencarnatórias, guiado pelo orgulho e egoísmo, percebe a luz do amor de Deus e o quanto dela se distanciou.

Vem, então, o arrependimento, a vontade de mudar tudo, de transformar-se, de recomeçar de novo, por que tem dentro de si, gravado na sua consciência, a lei da reencarnação, que leva à evolução.

É então, que ele se dispõe a esse trabalho de regeneração, que lhe parece gigantesco, e ele o é, quando outras lutas surgem, muitas vezes mais difíceis das vividas antes, lutas internas, consigo próprio, procurando ouvir a voz de sua consciência. Todas as tarefas que empreende, a partir de então, lhe parecem plenas de dificuldades, tanto maiores quanto mais egoísmo e orgulho carrega dentro de si.

Todavia, graças ao amor e à misericórdia de Deus, que nos criou para a perfeição e felicidade, a mesma vontade que ele (o homem) usou para satisfazer seus instintos e sensações primitivos e grosseiros, é a mesma que ele agora pode e deve usar na edificação da sua regeneração, do seu autoburilamento.

Por isso, Joanna de Ângelis escreveu: “Quando alguém se volta para o Evangelho, tentando a sua auto-iluminação, sofre as constritoras amarras dos hábitos até então mantidos, assim como a injunção vigorosa que a proposta libertadora estabelece. A luta íntima que trava, faz-se mais rude, porquanto todo um sistema de acomodação deve ser mudado, gerando novos condicionamentos” 3

Difícil não é conhecer e aprender coisas novas, difícil é desaprender hábitos arraigados!

Quando a vontade de modificar-se está no homem, esta disposição propicia à consciência, condições de melhor análise de si mesmo, tornando-se cada vez mais severa à medida que suas determinações vão sendo seguidas.

Vamos dar um exemplo. Em qualquer relacionamento difícil, entre duas pessoas, geralmente, o alvo ideal a ser conquistado é a tolerância. Quando, porém, já se conseguiu esta virtude em muitas situações, estando o relacionamento mais fácil, eis que a consciência, mais desenvolvida por esse esforço lhe diz: “Tolerar só não basta. A lei de Deus é a harmonização, que leva o homem a amar o próximo”.

E “nova” luta começa, processando-se assim, lentamente e sempre o autodesenvolvimento; cada vez que se atinge determinado alvo, que antes parecia quase inatingível, outro aparece, a fim de levar o filho e herdeiro de Deus à redenção.

Mas assim, vamos lutar sempre?

Sim, viver é lutar, crescer, desenvolver-se, vencendo os desafios internos e externos, Fomos feitos para mudanças, transformações. Os bibelôs, as estátuas são feitos para ficarem estáticos, a fim de serem admirados. O homem não. Vive, progride sempre, sendo, em qualquer idade, desafiado por dificuldades e obstáculos.

Por isso, a vida é sempre bonita! Tanto no viver da criança, do jovem, como no adulto, do velho, do Espírito desencarnado, a vida é sempre dinâmica, desafiadora, compensatória e pode ser prazerosa!

E a renovação interior é um “empreendimento de alto e nobre porte, que não deve ser postergado” 3


Bibliografia:

1. O Livro dos Espíritos - Allan Kardec - q. 621

2. Impulsos Criativos da Evolução - Jorge Andréa - cap. 11, pág. 128

3. Fonte de Luz - Joanna de Ângelis: “Consciência e Testemunhas”


Fonte: Jornal Verdade e Luz Nº 187 – Agosto/2001

imagem - rininhaemary.blogspot.com

terça-feira, 17 de agosto de 2010

A PROPÓSITO DA MATÉRIA PSI


Carlos Roberto Appoloni

1. Introdução

O livro brasileiro mais conhecido escrito sobre o assunto é "Psi-Quântico", de Hernani Guimarães Andrade [1]. O texto trata da aplicação de algumas idéias qualitativas da Mecânica Quântica para o que seria a "matéria psi", ou a matéria de que são constituídas as entidades no plano espiritual. O autor constrói de forma qualitativa uma extensão de alguns conceitos quânticos da física atômica à matéria espiritual, sem contudo chegar a formular uma teoria completa, a exemplo da existente na Física para a matéria comum. A publicação deste livro foi sem dúvida um grande primeiro passo na direção da compreensão da matéria espiritual, fundamental para melhorarmos nosso entendimento da relação entre os níveis material e espiritual, assim como o funcionamento do acoplamento de nossa alma com nosso próprio corpo físico.

2. Embasamento experimental

O autor relata detalhadamente uma série de interessantes experimentos realizados no final do século passado e início deste, que dão suporte às hipóteses que formulará sobre a matéria psi. A seguir apresentamos um pequeno resumo de dois dos principais experimentos.

  1. As experiências de Zöllner em 1877 [2], com nós em tiras de couro e moedas em caixas fechadas, levaram à hipótese de um hiperespaço 4D ( de quatro dimensões) onde estaria a matéria psi. Zöllner postula que o aquecimento observado nos objetos transportados deve-se ao fato de que o transporte de corpos pela quarta dimensão "obriga-os a atravessar fortes campos de uma determinada natureza". Vide nota no item 13.
  2. Bozzano (1862-1943) também realizou uma série de experiências de transportes de objetos, dando suporte à idéia do hiperespaço. O espírito mentor nas experiências de Bozzano [3] colocou que para o transporte de objetos pequenos os mesmos são desmaterializados, transportados e materializados novamente, já no transporte de objetos grandes, quem sofre a desmaterialização é uma região nas portas e/ou paredes por onde atravessam. Bozzano e os espíritos envolvidos informam que no transporte de uma planta ( lírio ) vinda de outro lugar do planeta ( do Egito para os EUA ), esta já estava no recinto pelo menos uma hora antes da materialização. No processo de materialização a planta foi "crescendo" e na desmaterialização desapareceu "instantaneamente". No espaço psi, "paralelo ao nosso", o modelo organizador do lírio estava pronto para a reestruturação do mesmo.

Após o relato e discussão das várias experiências é apresentada então a hipótese básica: nossa realidade 3D (de 3 dimensões) é um universo paralelo ou sub-espaço de uma realidade 4D (de 4 dimensões) da matéria psi. Somos seres 4D temporariamente acoplados a uma realidade 3D. Embora Martiny seja citado no livro como postulando um espaço 5D para a matéria psi (numa referência de 1955 [4] ) o autor mantém a hipótese 4D.

Considerando a Teoria da Relatividade de Einstein [5], sabemos que o mundo físico que conhecemos precisa de uma descrição quadrivetorial ou seja, a realidade física da matéria comum já é (pelo menos) um espaço 4D ( 3D espaciais e 1D temporal, na Teoria da Relatividade Restrita ). Desta maneira, o correto seria postular para o hiperespaço da matéria psi pelo menos uma dimensão a mais, ou seja, caracterizá-lo como espaço 5D. De toda forma, esta questão não invalida os aspectos mais importantes da proposta exposta pelo autor.

Para entender melhor (e sem equações matemáticas) as características físicas de dois espaços com uma dimensão de diferença entre eles, por exemplo um mundo 2D e um 3D, vide o romance "A Terra dos Achatados" [6].

3. Hipóteses básicas formuladas por Hernani

  1. A matéria psi é constituída de ondas e corpúsculos da mesma maneira que a matéria comum".

Comentário: a matéria comum é constituída de blocos elementares que apresentam propriedades de onda e de partícula ao mesmo tempo, sendo descritas por uma função de onda. Apenas nas situações mais usuais do cotidiano é que parecem ter caráter apenas de partícula ou de onda (dependendo do caso) e obedecendo às leis da física clássica. Já que irá se aplicar os conceitos da mecânica quântica ao modelo da matéria psi, é importante que inclusive o modelo para a matéria comum esteja claro e de acordo com as teorias atuais.[a]

  1. "Como a matéria comum tem composição quântica, então a matéria psi também, daí o nome do livro".

Comentário: a matéria comum apresenta algumas propriedades que só puderam ser entendidas (até agora ...) através da Mecânica Quântica [6], como sendo a teoria capaz de descrever as interações na natureza a nível microscópico. Não se pode dizer que a matéria tenha "composição quântica ou clássica".

  1. "Como a nossa matéria está organizada num espaço de 3 dimensões, então a matéria psi está organizada num espaço de 4 dimensões".

Comentário: como já colocado antes, a física moderna, após a Teoria da Relatividade Especial ou Restrita, já vem utilizando um espaço de 4 dimensões para descrever os eventos de nosso plano físico; para poder explicar os fenômenos ditos "paranormais", a matéria psi deve, portanto, existir num espaço com um número maior de dimensões, no mínimo cinco, de maneira a explicar, por exemplo, as desmaterializações e materializações à distância.

4. O psi-átomo de Hernani

É apresentado o modelo atômico de Bohr [7], numa visão mecanicista clássica, apenas adicionando-se o conceito de quantum (ou de quantização) da energia. As partículas prótons, nêutrons e elétrons são tratadas como elementares. Embora este tipo de exposição do modelo não comprometa o objetivo básico do autor, é importante lembrar que, desde a década de 30, com a descoberta de outras partículas (ditas então elementares) e mais recentemente com os quarks, não se pode mais considerar prótons e nêutrons como partículas elementares. Sem dúvida é muito difícil fazer visualizar o átomo como descrito pela mecânica quântica, porém a visão "planetária" do átomo deve ser usada com muito cuidado, por não ser rigorosamente correta. O próprio Max Born falou a respeito da grande dificuldade de se criar imagens de idéias abstratas e da importância destas imagens na didática [8], chamando-as de "ajudas visuais parciais".

Hernani postula então o psi-átomo em analogia com o átomo da matéria comum. O átomo psi seria formado por um núcleo constituído de intelectons ("carga" positiva) e percéptons ("carga" neutra), e de bíons ("carga" negativa) girando ao seu redor. Vide as Figuras 1A e 1B. Como o átomo da matéria comum está num espaço com uma dimensão a menos que o do átomo psi, e a representação bidimensional num desenho já perde por si uma dimensão, o autor apresenta uma ilustração, Figura 2, onde vemos como estes átomos poderiam ser comparados quando vistos da ótica de alguém situado no hiperespaço.

É colocado que o bíon e o elétron geram o Campo Biomagnético, através do qual a matéria comum e a matéria espiritual interagem. O intelecton seria o quantum de consciência-inteligência e o percepton o quantum de percepção-memória. [b]

Apresenta também, para a quantização da energia da matéria psi, uma equação análoga à que usamos na matéria comum:

q = f . h

onde "q" é o "quantum" de energia dos bíons, "f" é a sua freqüência e "h" é a constante de Planck ( 6,625x10-27 erg.s ).

figura 1a

FIGURA 1A - O modelo atômico de Bohr ( pág. 54 da referência [1] ).

figura 1a

FIGURA 1B - A estrutura análoga ao modelo atômico de Bohr proposta para o psi-átomo (pág.108 da referência [1] ).
figura 2

A constante de Planck teria o mesmo valor no espaço comum e no hiperespaço? Isto não é cogitado pelo autor e tem conseqüências importantes para o modelo, pois a organização dos níveis de energia na estrutura da matéria psi (conseqüentemente os níveis de vibração e valores das quantidades de energia emitidas ou absorvidas) certamente muda quando muda o valor desta constante. Várias observações de experimentadores espíritas apontam na direção de que no hiperespaço esta constante teria outro valor.

FIGURA 2 - O psi-átomo e o átomo da matéria comum comparados "sob a óptica do hiperespaço" (pág. 109 da referência [1])

Hernani lembra que sua descrição tem suporte na colocação de André Luiz (autor espiritual) , segundo a qual a matéria comum é plasmada pela matéria mental (matéria psi) [ g], a qual tem diferentes padrões vibratórios, seus átomos também são formados por associação de "cargas" positivas e negativas, sendo que as moléculas do perispírito giram em mais alto padrão vibratório, com movimentos mais intensos que as moléculas do corpo carnal [ d].

5. O Campo Biomagnético (CBM)

Uma parte muito importante do livro de Hernani é o relato dos vários trabalhos indicando a natureza eletromagnética (quase eletrostática apenas) dos Campos Biomagnéticos dos seres vivos. É colocado que o CBM (campo vital, ou campo psi e físico, ou biomagnético ) é produzido tanto pelos bíons atuando sobre a matéria, como também pelos elétrons atuando sobre a matéria psi. É afirmado, sem explicações ou justificativas, que o CBM é essencialmente um campo magnético (em contradição com as conclusões dos experimentos relatados sobre a característica quase eletrostática dos mesmos) e que o CBM "segue uma direção normal ao hiperespaço". Na página 135 do livro é colocado que a matéria "esconde" o campo magnético dos orbitais eletrônicos. A matéria não esconde estes campos - eles se cancelam na maioria dos casos. O que não se vê é a componente ou o campo do elétron que atua sobre o bíon. O campo que o autor está procurando é outro, ou, mais provavelmente, uma componente a mais (ainda desconhecida) do campo eletromagnético conhecido.

6. Densidade da matéria psi

Em seguida o autor realiza uma discussão sobre a densidade das matérias normal e a psi. Coloca que a matéria pode polarizar a matéria psi através do CBM dos elétrons, mas que o psi-átomo projetado em 3D (do nosso mundo) é muito maior que o átomo físico. Ele calcula que o corpo astral (perispírito) tem massa de aproximadamente 61,7 gramas, para um volume de 70000 cm3 ( volume de um corpo humano médio no nosso espaço), ou seja, a densidade da matéria psi é de aproximadamente 0,00088g/cm3, que é da ordem da densidade do gás Neon. Assim a densidade da matéria psi é 1,45 vezes menor que a do ar e 9,8 vezes maior que a do Hidrogênio. O corpo astral seria então 1135 vezes mais leve que o corpo físico.

Esse cálculo, no entanto (se as premissas estiverem corretas), é da densidade da matéria psi enquanto projetada no nosso espaço (o volume projetado foi considerado igual ao do corpo físico) e não a densidade da matéria psi no hiperespaço. Entendemos que o valor apresentado para a densidade seja de fato um limite superior para a densidade da matéria espiritual quando projetada no nosso espaço, pois supor que o volume do corpo astral projetado é igual ao do corpo físico contradiz a afirmação de que o átomo psi projetado tem volume maior que o átomo normal. A menos que o número de átomos psi associados ao corpo espiritual seja menor que o número de átomos do corpo material a ele acoplado

Considerando as balanças bastante mais precisas que existem atualmente, seria muito interessante que fossem retomados os experimentos de medir a diferença de massa do corpo humano antes e depois do desencarne, para uma determinação, com análise estatística, da massa do corpo astral e de sua densidade, levando em conta o volume real de cada corpo considerado [e].

7. Formação dos seres

Através do CBM um agrupamento de átomos é capaz de "capturar" um psi-átomo e a ele ficar acoplado. Assim, aglomerados moleculares podem polarizar uma estrutura molecular psi, criando um corpo espiritual rudimentar acoplado, cujo volume projetado em nosso espaço é bem menor que o seu volume no hiperespaço - o corpo espiritual é "reduzido" ao ser acoplado ao corpo físico. Os corpos espirituais podem aprender (através de seus intelectons), guardar informações (através de seus perceptons) e sobreviver à destruição dos aglomerados moleculares de matéria comum. Podem plasmar novos aglomerados na matéria comum através do CBM produzido pelos seus bíons. A matéria psi e a matéria comum ficam então acopladas através da interação mútua do CBM e os corpos assim formados tem propriedades físicas e psi [z].

A biogênese é analisada e entendida por Hernani da seguinte forma:

  • moléculas orgânicas são formadas no "caldo nutritivo" dos oceanos primitivos;
  • estes agregados moleculares "capturam e agregam" moléculas psi e a elas ficam acoplados formando um organismo primitivo com "corpo físico"e "corpo espiritual";
  • as moléculas psi "aprendem" e se organizam de forma cada vez mais complexa, plasmando organismos cada vez mais sofisticados no plano físico [h];
  • esta escalada culmina com os seres superiores atuais, formados de corpos físico e espiritual;
  • a superação do problema da entropia na biogênese é explicada pelo princípio da força organizadora da matéria psi (através do CBM) sobre a matéria comum.

É claro que não se pode pretender que questões delicadas como: quem começou primeiro? - possam ser respondidas por um modelo apenas esboçado e com os poucos conhecimentos de que dispomos. O importante é que tudo faz muito sentido dentro do contexto de uma teoria coerente. Em outro livro de indispensável leitura [9], Hernani desenvolve mais profundamente as idéias da biogênese, tratando do Modelo Organizador Biológico. Naquela obra ele apresenta um diagrama bastante interessante de como este acoplamento corpo físico - corpo espiritual explica a nossa complexa estrutura (Figuras 3 e 4 ).

figura 3

FIGURA 3
Acoplamento entre os corpos físico, perispiritual e espiritual (pág. 56 da referência [9]).

figura 4

FIGURA 4
Campo Biomagnético ( CBM ) e o acoplamento entre os corpos físico, astral e vital ( pág. 67 da referência [9])

8. Na direção de uma teoria

A transformação do modelo qualitativo apresentado por Hernani em uma teoria completa, com capacidade de previsão de efeitos e cálculo das interações, a exemplo da que existe para a matéria comum representa um considerável desafio. Façamos uma prospecção, baseados nas teorias atuais da física.

O tratamento para os bíons deveria ser na direção da já estabelecida equação relativística para os elétrons (de Dirac [10]), ampliada para um espaço com (pelo menos) mais uma dimensão. Especial atenção deverá ser devotada para desenvolver uma "bíon-dinâmica" - o equivalente à eletrodinâmica da matéria comum [11] - e, principalmente, à interação bíon-elétron, chave para se chegar à descrição matemática do CBM, a exemplo do que temos para ondas eletromagnéticas. Certamente ter-se-á que revisitar, agora com ferramental matemático rigoroso e explícito, trabalhos antigos como "Teoria eletrodinâmica da vida" [12] e bem mais recentes sobre a Teoria Holográfica [13].

Por outro lado, para trabalhar as interações entre as partículas psi e formular a estrutura dos átomos psi, seria necessário propor uma equação de Schroedinger [7] generalizada, com uma dimensão a mais da normal, de maneira a poder-se obter, por exemplo, os níveis de energia dos átomos e moléculas psi. Além dos números quânticos já conhecidos para o átomo, dois novos (pelo menos) deveriam ser adicionados, pois as propriedades dos intelectons e perceptons deverão ser quantificadas . Seriam elas quantizadas ou não? O formalismo matemático seria o do tipo usado para tratar o número quântico spin ou o "sabor" dos quarks?

Como sabemos que prótons e nêutrons tem estrutura (ou seja, são formados por quarks), certamente seria natural supor que intelectons e perceptons também tivessem...ou não? Se não tiverem estrutura interna, então a matéria espiritual seria radicalmente diferente, a nível microscópico, da organização da matéria comum, com grandes repercussões a nível de como seria encarado um mundo material mais complexo e elaborado que o espiritual.... Se tiverem estrutura interna, seria necessária uma Cromodinâmica Quântica Generalizada para o hiperespaço e os psi-quarks seriam realmente os tijolos básicos da matéria espiritual, juntamente com os bíons , os psi-fótons (os quanta do CBM) e os psi-neutrinos... Sem dúvida um quadro complexo.

Por outro lado, uma outra hipótese plausível, com base nos fenômenos e comunicações espirituais, é a de um hiper-espaço multidimensional, onde o ser espiritual utilizaria cada vez mais dimensões à medida que evolui e se espiritualiza.

Ou ainda, podemos encarar o próprio universo como uma observável quântica e aí teríamos uma infinidade de universos possíveis, paralelos ao nosso, sendo que o ser espiritual poderia transitar entre eles...

Qualquer destes pontos de partida (existem outros, é claro) representará uma esforço considerável de trabalho de física e matemática, mas certamente muito válido, para prosseguir na trilha aberta por Hernani.

Não podemos deixar de comentar que a Mecânica Quântica oferece um extraordinário ferramental, não somente para o entendimento da matéria [14], mas também da dinâmica da vida, da natureza humana e da consciência, assim como uma base científica para a imortalidade da consciência, como muito bem explorado pela física e filósofa Danah Zohar , em seu livro "O ser quântico" [15]. A autora chama a atenção para o estudo dos condensados de Bose-Einstein em sistemas biológicos, para explicar a consciência. Embora tenha uma visão equivocada ( do ponto de vista espírita ) sobre a questão da alma [16], a discussão por ela apresentada pode ser muito bem aproveitada para uma teoria da interação entre a matéria comum e a matéria espiritual.

9. Na direção de uma fenomenologia

Além de uma esforço teórico, e também para ajudá-lo e orientá-lo, é absolutamente necessário também um suporte de experimentação. Neste caso o ponto de partida nos parece muito claro : investigar o CBM. Um estudo mais detalhado e refinado dos campos eletromagnéticos dos seres vivos, da maneira como estes campos são alterados, por exemplo quando da atuação de uma entidade desencarnada sobre um encarnado, podem nos levar a enfim observar a componente faltante do campo total gerado pelo elétron, que seria exatamente o CBM. Neste caso físicos, biólogos e médicos teriam uma grande contribuição a dar, não somente em experimentos originais, mas também na reanálise de dados de experimentos já realizados com outros objetivos, mas que podem já conter resultados importantes que apenas faltam ser correlacionados quando analisados por uma óptica sem preconceitos e mais ampla. Trabalhos relativamente recentes como os do Energy Research Group [17] ou o relatado nos capítulos 6 e 7 do livro Mãos de Luz [18], podem ser um bom ponto de partida para orientar sobre o tipo de arranjo experimental a ser utilizado.

10. Comentários finais

O objetivo básico deste texto foi comentar uma das obras de Hernani, ampliando a discussão de alguns pontos e levantar algumas possibilidades de continuação do trabalho de entendimento da matéria espiritual. Não tivemos a pretensão de esgotar o assunto, nem de sermos taxativos quanto às análises e conjecturas realizadas, mas apenas contribuir para a discussão de tão importante tema.

Entendemos que Hernani, quando discute a matéria psi, se enquadra mais como um filósofo do que como físico. O que ele faz é mostrar um caminho, como fez o grego Demócrito no caso do átomo. Já em 1962 o físico Taketani discutia a necessidade da real aproximação e colaboração entre físicos e filósofos [19], para que a complexidade das idéias da física moderna não leve `a confusão filosófica, mas sim a uma relação sinérgica entre as duas ciências.

Na verdade a primeira obra de Hernani que trata da matéria psi [20] é bastante anterior àquela que tratamos neste artigo, sendo que suas idéias foram discutidas em um artigo publicado na RIE [21]. Ao mostrar o caminho, ainda bastante nebuloso e complexo, Hernani usou de natural aproximação simplificada, que logo de início não foi bem compreendida e até precipitadamente refutada [22], como sendo uma teoria antidoutrinária "a reformar a doutrina espírita e a substituí-la". Embora seja até compreensível esta reação por parte do meio espírita, entendemos que não seja esta a proposta decorrente da obra de Hernani. Seja pelas informações sobre o plano e a matéria espiritual, contidas em várias obras psicografadas [23], e jamais contestadas pelo meio espírita, seja pelos dados riquíssimos que os atuais experimentos de transcomunicação estão cada vez mais apresentando [24], dificilmente o estudo da matéria psi passará ao largo do caminho apontado por Hernani.

Dado o objetivo deste artigo, não foi possível, nem seria adequado, tocar em outras questões da física contemporânea, que embora possam mais parecer ficção-científica, são na realidade rigorosas conseqüências de novas teorias já sedimentadas na literatura científica, que dão suporte e/ou explicam fenômenos espíritas. Tratar destes avanços recentes e complexos da Física em linguagem acessível e sem erros conceituais é um formidável desafio. No entanto, existe disponível já há algum tempo um livro que, através de criativos desenhos e linguagem simples e clara, mas com rigoroso embasamento físico, trata da estrutura do espaço-tempo, fenômenos paranormais e a estrutura da energia [25].

Por fim, dado o grande desequilíbrio do tripé ciência-filosofia-religião ainda existente em grandes porções do movimento espírita brasileiro, sempre é bom lembrar o próprio codificador:

(a) "Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade" - item 7, capítulo XIX de O Evangelho Segundo o Espiritismo [26];

(b) "É, pois, rigorosamente exato dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação " - item 14, capítulo I de A Gênese [27];

(c) "...ao Espiritismo, sem a Ciência, faltariam apoio e comprovação" - item 16, capítulo I de A Gênese [27].

11. Notas, comentários do autor e citações bibliográficas

[1]Psi-Quântico
Hernani Guimarães Andrade
Editora Pensamento, São Paulo, 1986
[2]Provas científicas da sobrevivência
J. K. Friedrich Zöllner
Editora Edicel, São Paulo, 1966
[3]Fenômenos de transporte
E. Bozzano
Editora Calvário, São Paulo, 1972
[4]Different types of space-time and parapsychological phenomena
M. Martiny
Proceedings of the First International Conference of Parapsychological Studies
30 de julho a 5 de agosto , 1953
Parapsychology Foundation Inc., New York, 1955
[5]sobre a Teoria da Relatividade indicamos as seguintes referências:
(a) nível introdutório
ABC da Relatividade
Bertrand Russel
Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1966
(b) nível intermediário
Introdução à relatividade especial
R. Resnick
Editora da USP e Poligono, São Paulo, 1971
(c) nível avançado
Understanding Relativity
Stanley Goldberg
Clarendon Press, Oxford, 1984
[6]Flatland: a romance of many dimensions
Edwin A. Abbott
Dover Publications, New York, 1992
[7]sobre a Teoria da Mecânica Quântica sugerimos a seguinte referência, de nível universitário introdutório:
Física Quântica
R. Eisberg e R. Resnick
Editora Campus Ltda., Rio de Janeiro, 1979
Cap. 4 - Modelo de Bohr para o átomo
Cap. 5 - Equação de Schroedinger
Cap. 7 - Átomos de um elétron
Cap. 9 e 10 - Átomos multieletrônicos
Cap. 17 - Partículas elementares
[8]vide o prefácio escrito por Max Born para o livro
A Física Moderna, páginas 7 a 9
Walter R. Fuchs
Editora Polígono, São Paulo, 1972
[9]Espírito, Perispírito e Alma
Ensaio sobre o Modêlo Organizador Biológico
Hernani Guimarães Andrade
Editora Pensamento, 1984
[10]Modern Elementary Particle Physics
Gordon Kane
Addison-Wesley, 1987
Cap. 5 - Equação de Dirac
[11]Classical Electrodynamics
J. D. Jackson
John Wiley & Sons, New York, 1975
[12]Teoria eletrodinâmica da vida
H. S. Burr e F. S. C. Northrop
Universidade de Yale, 1935
[13](a) O Universo Holográfico
Karl Pribham
Editora Cultrix, 1992
(b) O paradigma Holográfico e outros paradoxos
Explorando o flanco dianteiro da Ciência
Ken Wilber (organizador)
Editora Cultrix, São Paulo, 1994
[14]dois livros recentes apresentam, sem matemática, uma ótima discussão conceitual da Mecânica Quântica, analisando desde a abordagem desta teoria acerca da realidade dos objetos físicos, até sua consequências filosóficas:
(a) Olhares sobre a matéria - Dos quanta e das Coisas
Bernard D'Espagnat e Étienne Klein
Instituto Piaget, Lisboa, 1993
(b) A Matéria Roubada - A apropriação crítica do objeto da Física contemporânea
MIchel Paty
Editora da Universidade de São Paulo, 1995
[15]O ser quântico
Danah Zohar
Editora Best Seller, São Paulo, 1990
[16]vide o Capítulo 10 da referência anterior
[17]Experimental measurements of the human energy field
Energy Research Group
New York, 1973
[18]Mãos de Luz
Bárbara Ann Brennan
Editora Pensamento, São Paulo, 1996
[19]De que modo a Filosofia pode recuperar a sua utilidade?
Mituo Taketani
Revista de Física e Matemática,no 1, 1962, 31-39
FFCL - Universidade de São Paulo, São Paulo
[20]A Teoria Corpuscular do Espírito
Hernani G. Andrade
Edição do autor, 1958
[21]Hipóteses sobre a constituição do perispírito (última parte)
Mauro Quintela
Revista Internacional de Espiritismo (RIE)
volume de janeiro de 1985
[22]A pedra e o joio
J. Herculano Pires
Edições Cairbar, São Paulo, 1975
[23]entre outras obras, vide:
(a) Universo e Vida
pelo espírito Áureo psicografado por Hernani T. Sant'Anna
FEB, Depto. Editorial, Brasília, 3o edição, 1990
(b) Nos domínios da mediunidade pelo espírito André Luiz
psicografado por Francisco Cândido Xavier
FEB, Depto. Editorial, Brasília, 16o edição, 1987
(c) Mecanismos da mediunidade pelo espírito André Luiz psicografado por Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira
FEB, Depto. Editorial, Brasília, 11o edição, 1990
[24]Transcomunicação Instrumental
Sonia Rinaldi
FE Editora Jornalística Ltda., São Paulo, 1996
[25]Espaço-Tempo e Além - Rumo a uma explicação do inexplicável
A Nova Edição
Bob Toben e Fred Alan Wolf em conversa com Físicos Teóricos
Editora Cultrix, São Paulo, 1982
[26]O Evangelho Segundo o Espiritismo
Allan Kardec
Instituto de Difusão Espírita
São Paulo,47o edição, 1985
[27]A Gênese
Allan Kardec
Federação Espírita Brasileira
Rio de Janeiro, 28o edição, 1985
[28]Projeciologia
página 327
Waldo Vieira
Edição do autor, Rio de Janeiro, RJ, 1986
[29]O Livro dos Espíritos
Allan Kardec
Departamento Editorial
Núcleo Espírita Caminheiros do Bem
São Paulo, SP, 37.a edição, 1978
[30]A Profecia Celestina
James Redfield
Editora Objetiva
1.a edição, 1993, Rio de Janeiro, RJ

12. Comentários de Soraya Mattar

estudante de Psicologia da UEL, 4º ano

[a] Talvez fosse mais adequado dizer que trata-se da matéria psi mais próxima, vibracionalmente falando, da matéria comum. Uma teoria geral acerca da matéria psi tão correlacionada com o mundo físico pode correr o risco de um certo "geocentrismo". A não ser que a teoria pressuponha que "tudo é formado do mesmo princípio, com diferenças em nível vibratório" ( A Gênese [27], Cap. VI, ítens 3 e 7 ).

[b] A matéria psi também constitui os "objetos extrafísicos", as moradias, plantas, descritos em romances da literatura espírita que se passam no plano extrafísico (e relatos de entidades pelas mais diversas formas de comunicação) ? Serão então estes objetos também dotados de consciência, inteligência, percepção, memória, por serem constituídos de intelectons e perceptons ?

[g] Sendo a matéria comum plasmada pela matéria mental, a causalidade de todo o plano físico é não física. A evolução do planeta como um todo, das espécies vegetais, animais, dos próprios hominídeos, até então explicada pela mudança de contingências do ambiente, teriam outras causas extrafísicas? Seriam essas causas simplesmente explicadas pela ação da vontade de um "Deus" ou podemos pensar que as dimensões extrafísicas evoluem por contingências inerentes a elas e o mundo físico reproduz essas mudanças com o que dispõe? Parece possível correlacionar essa idéia com a teoria platônica do mundo ideal, do qual o nosso é cópia imperfeita.

[d] Alguns autores acham que no desdobramento o que ocorre é a aceleração das vibrações do corpo energético e do perispírito para escaparem às vibrações lentas do corpo humano [28].

[e] A dimensão extrafísica não é na verdade constituída de várias dimensões de níveis de densidades diferentes? Há relatos de 'barreiras" que cercam determinados locais extrafísicos interditados a determinados espíritos por não serem eles "compatíveis" vibratoriamente. Espíritos desencarnados na questão 93 do Livro dos Espíritos [29] assinalam que em relação a eles o perispírito constitui-se matéria grosseira (isso não equivale a dizer de maior densidade?). Parece que a evolução espiritual é seguida da diminuição de densidade nos corpos que o espírito usa para se manifestar. Sendo assim, é estranho falar-se de uma densidade de matéria psi (Cap. XIV, item 3 de A Gênese [27] ).

[z] Neste parágrafo dois movimentos são descritos? Matéria comum plasmando matéria espiritual e matéria espiritual plasmando matéria comum? Quando matéria comum plasma matéria espiritual? Ao que parece, a matéria espiritual (como um dos estados do fluido cósmico universal) só é manipulável por espíritos ( ver Cap. XIV, ítens 13, 14 e 15 de A Gênese [27] ).

[h] No livro Profecia Celestina [30], páginas 115 a 117, o personagem tem durante uma "experiência mística" a evolução do curso evolutivo da Terra como o aumento sucessivo no nível de vibração da matéria, para que formas mais complexas de vida fossem possíveis. O "plano mestre" de que o livro trata pode significar a complexidade crescente da matéria psi plasmando também matéria comum de complexidade crescente.

13. Nota de Dr. André Luiz Malvezzi

do Depto. de Física da UFSCar e membro da RECE - Reunião de Estudos Científicos do Espiritismo, da Sociedade Espírita Obreiros do Bem - São Carlos - SP, a propósito dos experimentos de Zollner.

"Com relação aos fenômenos de transporte relatados no livro do Zollner, notei uma preocupação quanto à integridade material da parte do objeto que é movido para a quarta ( ou mesmo mais alta ) dimensão. No caso da corda que é dado o nó, por exemplo. Penso que essa preocupação não procede. Ela é fruto da nossa visão tridimensional e o uso da palavra "desaparece" talvez esteja induzindo uma concepção errônea, por induzir uma idéia de "dissolução" do objeto. Para nós é como se realmente desaparecesse, mas para os espíritos que estão realizando a tarefa, a parte que "desaparece" é simplesmente "movida" para a outra dimensão. Em momento algum a integridade do objeto (em nível molecular) é comprometida. Acho que nesse tipo de problema é util usar como exemplo o caso de 2 para 3 dimensões. Creio que vocês devam estar utilizando esse tipo de analogia com bastante freqüência mas, mesmo correndo o risco de ser redundante, aqui vai um exemplo simples. Se a superfície de uma mesa é pensada como sendo um mundo bidimensional e um pedaço de linha é posto sobre ela com uma parte da linha cruzando sobre ela mesma formando um laço ( como uma letra "e" escrita a mão ) então temos um nó em duas dimensões pois não é possível desfazer o "e" sem "levantar" a linha da mesa. Na verdade é preciso ter cuidado aqui. Com uma linha comum não é possível realizar a experiência exatamente pois a linha vai sobrepor-se a ela mesma, o que é um evento tridimensional. Daí você pode dizer que puxando a linha isso vai desfazer o nó, o que e' verdade. Mas se você mantiver o ponto onde as linhas se cruzam apertado contra a mesa com o dedo ( tentando simular 2 dimensões ) você vai ser que é difícil desfazer o "e" só puxando a linha. Bom, voltando ao ponto principal, quando você levanta o "e" da mesa e torce a linha para desfazer o "nó bidimensional", o nó desaparece em duas dimensões (=3D sai de sobre a mesa), mas para você que está realizando a operação a linha nunca é cortada, como pode parecer para um ser bidimensional que esteja acompanhando a operação do ponto de vista da mesa. Assim, preocupar-se com integridade da linha não faz sentido. Sobre o aquecimento creio que vocês estão no caminho certo. Também acho que é um tipo de "atrito" que a parte que foi movida para a outra dimensão sofre. Pode-se argumentar que o tempo necessário para se efetuar a operação não foi tão pequeno assim e que a distancia a qual o objeto foi movido não foi "grande". No entanto pode ocorrer que, para mover um objeto alguns centímetros em 3 dimensões através de uma parede num período de alguns minutos, talvez ele tenha percorrido uma distancia enorme na quarta dimensão. Novamente o exemplo da mesa ajuda. Considere a seguinte situação. Pegue uma tábua de madeira de 1 centímetro de espessura, 10 metros comprimento e largura infinita (=3D muito grande). Ponha essa tábua em pé sobre a mesa com os 10 metros na vertical e a superfície da tábua formando um ângulo reto com mesa. Agora ponha um objeto sobre a mesa de um lado da tábua e junto a ela. Para um ser bidimensional na mesa, que esteja do outro lado da tábua, esta é como uma parede intransponível pois ele não pode ver o final da tábua, o qual está a 10 metros de altura acima da mesa. Porem, o objeto está a apenas alguns centímetros dele, do outro lado tábua. Agora você é um espírito e vai fazer o objeto atravessar a parede (tábua). No momento em que você retira o objeto da mesa, ele desaparece para o ser bidimensional, mas você precisa move-lo por sobre a tábua para baixa-lo do outro lado da mesma. Como a tábua mede 10 metros de altura você precisa move-lo 20 metros em 3 dimensões para obter um deslocamento líquido de apenas alguns centímetros em 2 dimensões. Para que o evento ocorra num tempo razoavelmente pequeno em 2 dimensões você deverá mover o objeto bem rápido por sobre a tábua, o que pode causar atrito e dai o aquecimento. Esse exemplo também daria um resposta para outra questão que vocês levantaram : os objetos em 3 dimensões possuem uma parte na quarta dimensão que não vemos ?? Segundo esse exemplo sim, pois a tábua consiste em um obstáculo intransponível em 2 dimensões e continua a ser um obstáculo considerável ( se bem que transponível ) em 3 dimensões."

Agradecimentos

O autor agradece as sugestões e comentários enviados sobre a primeira versão deste trabalho, realizado em outubro de 1995, e distribuído para análise por um grupo de 12 pessoas. Dentre elas cumpre destacar as contribuições de Sylvio Dionysio de Souza, Soraya Mattar (elencadas no item 12), Adilson Enio Motter e Adelar A. Motter. Agradece-se também a André L. Malvezzi, por autorizar a inserção da interessante nota reproduzida no item 13.

Sobre o autor

Carlos Roberto Appoloni, nascido em São Paulo (SP), é Doutor em Física Nuclear Experimental pelo Instituto de Física da USP, com Pós-Doutorado pela Università di Roma "La Sapienza". Desde 1976 é docente do Departamento de Física da Universidade Estadual de Londrina, onde é Coordenador do Grupo de Física Nuclear Aplicada. É membro do Nucleo Espírita Universitário UEL - Londrina - PR.

Londrina
janeiro de 1998


imagem - cpaevirtual.blogspot.com

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