terça-feira, 29 de junho de 2010

A MISSÃO DA PALAVRA


Miramez

Aconselhamos ao leitor reler, antes de iniciar esta leitura, o sábio comentário de Allan Kardec referente à pergunta número vinte e oito, para que tenha força para acalmar o impulso de saber, até onde deve ser alcançado, porque neste rumo das revelações não temos outra coisa a dizer além daquilo que ele expõe, inspirado nas mais altas forças de vida. É bom, e muito bom, que o coração ajude a palavra, inspirando-a na sua grande missão de falar construindo, e construir falando certo.

O verbo que o homem já domina com certa facilidade, seu filho de longa data, educado na boca do sábio, tem a missão junto a todos os seus recursos, de aprofundar-se nos segredos da natureza e fazer os mesmos homens compreenderem as belezas da criação, porém, é de ordem comum entre as coisas de Deus, que ele fale com toda a simplicidade, sem esquecer a clareza dos princípios.

A missão da palavra é sublimada, desde quando temos outros sentidos desenvolvidos para compreendê-la. Para tanto, o nosso dever é educá-la, naquela escola cujo mestre maior é Nosso Senhor Jesus Cristo. Com Ele a palavra atingiu os cimos da evolução, coroando, com a mais alta condecoração espiritual, o verbo, ao falar como o fez, quando da sua estadia divina junto a nós, da mais elevada virtude vivenciada nos caminhos da Terra: o Amor.

A sabedoria de Deus confunde o raciocínio humano. A essência divina, ao sair da sua pureza lirial, da sua unidade absoluta e indivisível, torna-se díade, manifestando-se em tudo com todos os valores correspondentes às suas mutações, para melhor servir, pela força e claridade do progresso. A razão é pobre para explicar os segredos do Criador. A evolução tem o poder de transformar a inteligência em sentido altamente dominante, na arte de conhecer. Dentro de nós existem, como sabemos, os talentos divinos, que são favos de luz colocados na nossa consciência pelo Senhor. Cada vez que são despertados — na expressão filosófica denominada Evolução — nos mostram rumos novos da sabedoria.

Deus, na conveniência de sua sabedoria, houve por bem criar inúmeras divisões na construção da casa universal. Cabe a nós outros estudarmos todos os princípios da sabedoria e procurarmos, com humildade, a obediência às leis naturais, que regem e sustentam toda a criação divina. Perder tempo com discussões sem sentido educativo é forçar o inconveniente a transformar-se em ignorância. Se ainda não entendemos o que almejamos conhecer, é bom guardarmos serenidade, e esperarmos a oportunidade, que o arcano do tempo tudo nos revelará no momento preciso, quando as nossas forças suportarem o impacto da verdade.

Tudo que existe obedece a uma seqüência estabelecida pela harmonia. A matéria que tanto estudamos tem sua vida própria sob a influência do Espírito, e o Espírito vive na atmosfera de Deus. A independência é, pois, até certo ponto, de concordância e as afinidades congênitas é que nos garantem a vida, na vida de Deus.

Existe algo de divino dentro da matéria e outro tanto vibrando no Espírito, que por enquanto desconhecemos. Até para os grandes benfeitores — pelo menos é o que ouvimos deles — Deus é um segredo absoluto. Não podemos decifrá-lo, por faltar em nós as qualidades de um deus.

Livro Filosofia Espírita - Volume 1.Psicografia de João Nunes Maia


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domingo, 27 de junho de 2010

A FIGURA ESPIRITUAL DE FREDERICO NIETZSCHE E O ESPIRITISMO


Dr. Iso Jorge Teixeira*

isojorge@globo.com

Freqüentemente, ainda hoje, o filósofo FREDERICO NIETZSCHE tem sido acusado de ter decretado a morte de DEUS e de sua Filosofia ser anti-semita. Não concordando com tais opiniões e observando, que jovens estudiosos estão sendo levados por essa opinião (cf. revista UNIVERSO ESPÍRITA, Ano 2, n.º 22, 2005, p. 64), fruto de uma leitura ligeira das obras de um dos maiores filósofos de todos os tempos, resolvemos repetir, aqui, um artigo que escrevemos há quase 19 anos atrás, quando éramos principiantes no estudo da Doutrina Espírita, embora já tivéssemos uma boa experiência de Psiquiatria e, conseqüentemente, algum conhecimento da obra de alguns grandes filósofos.

O referido artigo, que repetiremos aqui, especialmente para o Portal TERRA ESPIRITUAL( http://www.terraespiritual.locaweb.com.br/ ) , com ligeiras modificações, foi publicado no Jornal Espírita (Órgão da FEESP), no suplemento PARANORMAL EM NOTÍCIAS – Ano XI – n º 138, dezembro/1986, p. 9. Vamos à leitura dele:

“O propósito deste nosso estudo não é dissecar toda a obra de FREDERICO NIETZSCHE, e sim resgatar a figura espiritual de NIETZSCHE como verdadeiro espiritualista e relacioná-la, no que for possível, com o pensamento contido na Codificação Espírita. Não o consideramos ateísta, anticristão, anti-semita e figura das sombras como já se tentou enquadrá-lo...

No livro “Universo e Vida” (Edit. FEB), atribuído ao Espírito ÁUREO, psicografado por HERNANI T. SANT’ANNA, encontramos páginas admiráveis, [à primeira vista], com um eruditismo unido à simplicidade de exposição impecáveis [às vezes, até simploriedade]; entretanto, encontramos no Cap. X, um trecho que julgamos injusto, quando lemos:

“A resposta do anticristo ao novo Pentecostes de claridades eternas não se fez esperar. Karl Marx fundou o materialismo dialético e abriu caminho para o bolchevismo ateu. Frederico Nietzsche desenvolveu a teoria do Super-Homem, exaltando a vontade de guerra: de superioridade e de domínio, e criando condições para o racismo intolerante de Rosenberg e, para o nazismo de Hitler” – grifo nosso.

Teria NIETZSCHE exaltado a “vontade de guerra”? Acreditamos que não e até o contrário disto, como tentaremos demonstrá-lo, a seguir...

A guerra e a luta como necessárias, apesar de indesejáveis

De acordo com MÁRIO D. FERREIRA SANTOS, no prólogo à tradução do livro “Vontade de Potência” (Der Wille Zur Macht) de NIETZSCHE, à pág. 75 das Edições Ouro, 1966, lemos:

“Nietzsche falava num futuro humano em que não mais fossem necessárias as guerras. Mas o homem triunfaria quando pudesse vencer os períodos que o separam da super-humanidade do futuro. Em uma de suas últimas páginas apensas à segunda edição de ‘Origem da Tragédia’ disse: ‘Prometo uma idade trágica; a arte mais elevada na afirmação da vida, a tragédia renascerá quando a humanidade tenha atrás de si a consciência das guerras mais cruéis, mas as mais necessárias, sem delas mais sofrer”.

Não está aqui o que a Doutrina Espírita preconiza? A Humanidade não se regenerará? As guerras não são necessárias, segundo o Espiritismo?! Parece-nos que sim. Elas não são desejadas, nem desejáveis, mas têm uma finalidade Providencial de contribuir para a liberdade e o progresso (cf. resposta à questão 744 de “O Livro dos Espíritos”) e é o que podemos interpretar, quando ALLAN KARDEC nos diz no item 23 do livro “A Gênese...”:

“Há também considerações morais de ordem elevada. É necessária a luta para o desenvolvimento do Espírito. Na luta é que ele exercita suas faculdades. O que ataca em busca do alimento e o que se defende para conservar a vida, usam de habilidade e inteligência, aumentando em conseqüência, suas forças intelectivas. Um dos dois sucumbe: mas, em realidade, que foi o que o mais forte ou o mais destro tirou ao mais fraco? A veste de carne, nada mais; ulteriormente, o Espírito que não morreu, tomará outro”.

Estaria KARDEC exaltando a “vontade de guerra”? Obviamente, não!

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Destruição
“A destruição recíproca dos seres vivos é, dentre as leis da Natureza, uma das que, à primeira vista, menos parecem conciliar-se com a bondade de Deus. Pergunta-se por que lhes criou ele a necessidade de mutuamente se destruírem, para se alimentarem uns às custas dos outros”.
- grifo nosso (ALLAN KARDEC, “A Gênese...” – Cap. III- Destruição dos seres vivos uns pelos outros – item 20, pág. 67, Edit. LAKE, 1982, São Paulo).
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Além disso, a guerra não é criada por DEUS. Ele deu o livre-arbítrio ao homem, isto sim, e é defendendo o exercício do livre-arbítrio em toda sua obra, que NIETZSCHE, como poeta-filósofo que foi, pleno de aforismos, não foi entendido por seus contemporâneos e por muitos, ainda hoje...

Por que um Teísta anunciaria a morte de DEUS ?

NIETZSCHE criticou a Igreja romana e luterana naquilo que elas tinham de hipócritas; defendia a verdade, a realidade, a fé com raciocínio. Não era um irracionalista. Opunha a Razão à Contra-Razão, para chegar à verdadeira RAZÃO, com todas as letras maiúsculas...

Quando propalou a morte de DEUS, ele o fez em relação ao Deus da Igreja romana e luterana, não como um ateu, mas, metodologicamente, como o fizera R. DESCARTES na “dúvida metódica” e E. HUSSERL o fez, colocando-o “entre parênteses”. Isso fica bem claro, quando lemos em “Vontade de Potência” (op. cit.), no item 462:

“Afastemos a mais alta bondade da idéia de Deus – ela é indigna de Deus.

Afastemos da mesma forma a mais alta sabedoria – ela é vaidade dos filósofos, que têm na consciência a loucura desse monstro de sabedoria que seria Deus: pretendiam que Deus se lhes assemelhasse tanto quanto possível... Não! Deus a mais alta potência – isso basta! Dele resulta tudo, dele resulta tudo – ‘o mundo’! [grifos nossos].

E no livro “Assim Falava Zaratustra”:

“Homens superiores – assim diz a populaça – não há homens superiores; todos somos iguais; perante Deus um homem não é mais do que outro; todos somos iguais.[grifos nossos].

Perante Deus! Mas agora ESSE Deus morreu, e perante a populaça nós não queremos ser iguais. Homens Superiores fugi da praça pública.” [grifo nosso].

Como podemos constatar, NIETZSCHE combatia o Deus antropomórfico, combatia a vaidade dos homens e demonstrou claramente que não era ateu, pois disse: “Deus, a mais alta potência- isso basta!”. Também aqui se desenvolveram os mesmos princípios defendidos pelo Espiritismo [moderno]: DEUS não-antropomórfico, variedade de graus de adiantamento espiritual – a Igreja romana diz que os Espíritos bondosos ganhariam o Reino dos Céus e os maus o Inferno, como pena eterna e “a mais alta potência” de bondade na Terra seria o Papa... Obviamente, que este Deus está morto. Deus este que morreu na grande maioria dos espíritas, que foram católicos e protestantes no passado... Esse Deus morreu e não foi NIETZSCHE quem o matou, e sim, a própria Igreja.

Sobre o “Homem Bom” ou a hemiplegia da virtude

Como dissemos, anteriormente, NIETZSCHE foi um grande defensor do exercício do livre-arbítrio, ele próprio exerceu-o enquanto pôde [até ser aniquilado pela doença]. Para ele, o homem bom é uma abstração, pois o Bem e o Mal fazem parte, indissolúvel, da natureza humana. Eis o que ele diz em “Vontade de Potência”:

“É-se bom com a condição de que também se saiba ser mau; é-se mau, porque de outra forma não se poderia ser bom. De onde, portanto, provém esse estado doentio, essa ideologia contra a natureza, que nega esse caráter duplo – que ensina como virtude suprema possuir somente um semivalor? De onde provém essa hemiplegia da virtude, invenção do homem bom? [grifos nossos].

Mais adiante, diz ele:

“Têm feito, em todos os tempos, e sobretudo nas épocas cristãs, o maior esforço para reduzirem o homem a essa semi-atividade que é o “bem”; também hoje não faltam seres deformados e enfraquecidos pela Igreja, para quem essa intenção é idêntica à ‘humanização’ em geral ou à ‘vontade de Deus’ ou ainda à ‘salvação da alma’ ” [grifos nossos]. E acrescenta o erudito filósofo:

“Talvez não tenha existido, até o presente, ideologia mais perigosa, maior desatino in psychologicis, que essa vontade do bem: fizeram desenvolver que é mister ser-se carola para se encontrar o verdadeiro caminho de Deus, que a vida do carola é a única vida que agrada a Deus.- grifos nossos.

Portanto, novamente vemos que NIETZSCHE tem sido muito mal interpretado. Ele não combatia o homem “bom”, e sim alertava o carola que se tornava um joguete nas mãos da Igreja; o que ele combatia era o conceito de “vontade” divulgado pela Igreja. O livre-arbítrio implica em a dialética do Bem e Mal... Desejar-se que as pessoas sejam “boas”, aconselhando-as simplesmente que extirpem o mal, isto implica em impedi-las de serem livres. Os Espíritos Superiores nunca induzem ninguém a extirpar o mal... Às vezes, até situações de prova seriam úteis para o exercício do livre-arbítrio... Na alegoria da serpente, que tenta ADÃO e EVA, não está implícita a prova para o exercício da autodeterminação?...

Portanto, NIETZSCHE pretendia era o homem inteiriço, livre, sem clichês que o embotassem e que progredisse – exatamente o que a Doutrina Espírita postula.

Um Espiritualista que desconhecia o Espiritismo – Um sonho de NIETZSCHE

Mesmo desconhecendo o perispírito nas suas manifestações no sono e, em alguns casos, em vigília, NIETZSCHE não deixou de resgatar o exercício do livre-arbítrio no homem carnal; talvez, por esse desconhecimento é que ele achasse “o Espírito puro, uma pura tolice”, [aliás, o que ele referia como “Espírito puro” não é exatamente o que nós, espíritas, consideramos]...“Se abstrairmos do sistema nervoso e dos sentidos o ‘invólucro mortal’, enganamo-nos no nosso cálculo, nada mais”, disse ele. Se conhecesse, como nós, as manifestações do perispírito; se a sua preocupação fosse mais científica e não filosófica somente, talvez a forma de defender suas idéias seria outra; embora, também, não teria sido tão genial...

É claro que o “Espírito Puro”, na acepção nietzscheana, no homem carnal é uma “tolice”, contudo, em situações de sono podemos ter idéia do além-túmulo e, portanto, do “Espírito puro” [ou quase puro]. Mas, NIETZSCHE não se preocupou com o estudo da vida além-túmulo. Se ele tivesse se aprofundado num sonho que teve na infância, talvez seria outra sua cosmovisão. Eis o que ele escreveu, belissimamente, aos 14 anos de idade com relação à morte do irmão, após a morte do pai (que era pastor e músico):

“Quando se despoja uma árvore de sua coroa, ela seca e os pássaros abandonam os galhos. Nossa família foi despojada de sua coroa, toda a alegria se desvaneceu de nossos corações e uma tristeza profunda apossou-se de nós. E nem bem as feridas estavam fechadas, já foram abertas dolorosamente. ¾ Nesse tempo sonhei ouvir o órgão ressoar surdamente como num funeral. E como procurava a causa, um túmulo se abriu subitamente, e meu pai apareceu caminhando envolto em uma mortalha. Atravessou a Igreja, veio até junto a mim com uma criança nos braços. O túmulo abriu-se de novo, meu pai desceu e as pedras fecharam o túmulo. No mesmo instante, o murmúrio do órgão cessou, e despertei. De manhã contei este sonho à minha mãe. Pouco depois, meu irmão José adoeceu, teve ataque de nervos, e morreu em poucas horas. Nossa dor foi terrível. Meu sonho transformou-se exatamente numa realidade; e o pequeno corpo foi depositado nos braços de meu pai. Depois dessa dupla desgraça, o Senhor, nos Céus, foi a nossa única consolação. Isso aconteceu em fins de janeiro de 1856”. (cf. MÁRIO D. FERREIRA SANTOS. In “Vontade de Potência”, op. cit., p. 20).

Como se pode observar, NIETZSCHE não se aprofundou no estudo do sonho premonitório, ocorrido na sua infância [aos 12 anos de idade]. Talvez, pelo não aprofundamento científico – era filho de religiosos e amante das artes – é que ele não tenha pensado numa manifestação espírita, julgou, simplesmente que o sofrimento aproximou-o, e a família, do Senhor...

Não obstante, nem por isso NIETZSCHE deixou de ser um espiritualista por excelência e, por ser genial, não foi entendido em sua época (século XIX), deixando uma mensagem que só a posteridade (século XX) a entenderia, parcialmente. Foi ele, e o teólogo e filósofo dinamarquês SÖREN KIERKEGAARD, um precursor do moderno Existencialismo, cultivado por grandes filósofos do século 20: KARL JASPERS, GABRIEL MARCEL, HEIDEGGER, SARTRE e outros... [E há quem veja, como nós, pontos de contato entre a filosofia de NIETZSCHE e a de HENRI BERGSON , que sem dúvida, estabeleceu diretrizes importantes no estudo da problemática do TEMPO, com seu “élan vital”, desenvolvido pela visão existencialista]...

Karl Jaspers

Sören KIERKEGAARD

Gabriel Marcel

Martin Heidegger

Henri BERGSON

J.P. Sartre

Foi KARL JASPERS que, em 1950, falando da “Importância de Nietzsche na História da Filosofia”, quem ressaltou este aspecto:

“Nietzsche é um dos três pensadores que não começaram a significar algo até o século XX, apesar de pertencer ao XIX. São os três pensadores que dominam o pensamento filosófico atual e que todavia estão sem acabar de entender, apesar de que sem eles não se explicam nem as idéias nem a linguagem da atualidade. Estes três são Kierkegaard, Marx e Nietzsche– grifos nossos.

E JASPERS esclarece, ainda:

“Na nova edição que se pretendia fazer de suas obras completas, que era totalmente necessária, foi consideravelmente aumentado o material. A anterior edição se retardara por falta de interesse na época tardia do Nazismo”.

E mais adiante, o grande filósofo e psiquiatra alemão compara os três pensadores no aspecto prático:

“Marx preparou a revolução mundial e a ditadura do proletariado. Kierkegaard desatou um terrível ataque contra a Igreja ao final de sua vida. E Nietzsche o fez contra o Reich alemão, com seus telegramas famosos no início de sua doença: (‘Prezado Imperador Guilherme’ – ‘fuzilados todos os anti-semitas’ e outros no estilo” – grifo nosso - [“Importância de Nietzsche na História da Filosofia”, in “Conferencías y Ensayos Sobre Historia de la Filosofia”, Ed. Gredos, Madrid, 1972, p. 313 e 319).

Aí está, NIETZSCHE não preparou campo algum para o racismo e para o nazismo; ele não foi entendido em sua época e ainda hoje permanece incompreendido... Apesar de sua doença (Paralisia Geral Progressiva – uma forma de sífilis cerebral tardia) deixou páginas magistrais, vazadas de um autêntico Espiritualismo, que influenciaram todo o pensamento existencialista contemporâneo...

Os Espíritos de escol não são compreendidos

Por que os Espíritos de escol, encarnados, não são, em geral, compreendidos em sua época? Acreditamos que a mensagem que trazem, transcende a época em que vivem, obviamente. NIETZSCHE tinha plena consciência de que sua mensagem não seria compreendida, pois disse:

“Pronunciadas estas palavras, Zaratustra tornou a olhar o povo e calou-se.

Riem-se – disse o seu coração. Não me compreendem: a minha boca não é boca que estes ouvidos necessitam”. [Assim falava Zaratustra].

Tanto JESUS quanto NIETZSCHE trouxeram ensinamentos imperecíveis, colocaram a candeia sobre o alqueire e só seriam entendidos postumamente, se é que foram entendidos...

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Cesare Beccaria e Allan Kardec nos leva a refletir sobre a condição humana atual, nos levando a questões como esta: o homem que mata perde, com isso, o direito à própria vida?” E Kardec, mais uma vez pergunta, agora na questão 761:

Cremos que não devemos criticar NIETZSCHE por não ter sido entendido em sua época e por ter usado aforismos. Se o CRISTO não foi e não é hoje entendido em seus ditos e suas parábolas!!! Como disse KARDEC:

“É então que não se deve pôr a candeia debaixo do alqueire, pois sem a luz da razão, a fé se enfraquece”. (“O Evangelho segundo o Espiritismo”, Cap. XXIV). Como nas parábolas do CRISTO, NIETZSCHE colocou a candeia sobre o candeeiro a fim de que todos os que entram possam vê-la... E a luz se irradiou do século XIX até a era contemporânea.

NIETZSCHE não foi Espírito das Trevas, e sim das Luzes – Luz intensa que sua doença não conseguiu dosar, assim supomos nós, como assinalava uma quadrinha do Espírito CASIMIRO CUNHA na pena de CHICO XAVIER:

Ante os problemas dos outros

Emudece os lábios teus.

Em tudo sempre supomos

Mas quem sabe é sempre Deus.

Foi este o estudo que fizemos em nosso artigo no JE, há quase 19 anos e hoje o repetimos aqui, especialmente para o Portal TERRA ESPIRITUAL, pois julgamos importante o resgate da figura espiritual de FREDERICO NIETZSCHE e sua correlação filosófica com o Espiritismo, numa época como a nossa, em que o Homem está tão necessitado de valores espirituais realmente superiores e de consolação...

Epílogo

O Espiritismo é a alavanca para penetrarmos nesses valores espirituais e NIETZSCHE muito contribuiu para encontrarmos em nós o verdadeiro “Além-Homem”, e não o “Super-Homem”, anti-semita, ateu, como tem sido corrompida a Filosofia e a própria pessoa do grande precursor do Existencialismo moderno.

O “super-homem” nietzscheano tem sido muito mal interpretado. “Se se interpreta Vontade de Potência, disse NIETZSCHE, como desejo de dominar, faz-se dela algo dependente dos valores estabelecidos. Com isso desconhece-se a natureza da vontade de potência como princípio plástico de todas as avaliações e como força criadora de novos valores. Vontade de Potência, diz NIETZSCHE, significa ‘criar’, ‘dar’, e ‘avaliar’ ” (cf. encarte da Coleção OS PENSADORES (p. 640, Abril Cultural S.A.: São Paulo, vol. XXXI – NIETZSCHE, 1974). E no mesmo texto, lemos: “Nietzsche responde ao pessimismo de Schopenhauer: em lugar do desespero de uma vida para a qual tudo se tornou vão, o homem descobre no eterno retorno a plenitude de uma existência ritmada pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal.” (op. cit., p. 640).

NIETZSCHE tinha plena consciência da sua existência de exceção e da falta de sintonia dos seus contemporâneos, e, provavelmente, por isso escreveu em “Para a Genealogia da Moral”:

“(...) No entanto com tal alarido e tagarelice de agitadores não se consegue nada comigo: esses corneteiros da efetividade são maus musicistas, suas vozes, bastante audivelmente, não vêm da profundeza, neles não fala o abismo da consciência científica – pois hoje a consciência científica é um abismo ¾ , a palavra “ciência”, nessas bocarras de corneteiro, é simplesmente uma indisciplina, um abuso, uma sem-vergonhice.” (Coleção OS PENSADORES, op. cit, p. 325).

Para os católicos e protestantes foi conveniente estigmatizar NIETZSCHE como o “Anti-Cristo” e as razões são óbvias, pois ele demonstrou que o Deus do Cristianismo dos vigários estava morto e foram os próprios religiosos que, ao longo de quase dois mil anos, o “mataram”, não obstante, a obra do Mestre JESUS, primitiva, seja intocável, pois foi realizada com Amor e compete ao Espiritismo desenvolvê-la, pois a Doutrina dos Espíritos é o “Consolador" que JESUS prometeu pedir ao Pai, mas disso já tratamos alhures...


* Médico. Psiquiatra. Prof. Livre - Docente de Psicopatologia e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Coordenador do Curso de Especialização em Psiquiatria (FCM - UERJ).



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sexta-feira, 25 de junho de 2010

TODOS NÓS SOMOS MÉDIUNS?



Nos últimos tempos, diz o Senhor, espalharei do meu espírito por sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão; vossos jovens terão visões e vossos velhos terão sonhos. - Nesses dias, espalharei do meu espírito sobre os meus servidores e servidoras e eles profetizarão. (Atos, cap. II, vv. 17 a 18. - Joel, cap. II, vv. 28 e 29.)


Inicialmente, é necessário que apresentemos a definição do que seja um médium, pois, sem isso, não há como responder à questão proposta no título. Assim sendo, vejamos, primeiramente, como o Espírito Erasto definiu esse termo:
É o ser, indivíduo que serve de intermediário aos Espíritos, para que estes possam comunicar-se facilmente com os homens, espíritos encarnados. Por conseguinte, sem médium não há comunicações tangíveis, mentais, escritas, físicas, de qualquer espécie que seja. (KARDEC, 2006a, p. 212).
Kardec, por sua vez, nos explica dessa forma:
MÉDIUM (do lat. Médium, meio, intermediário): pessoas acessíveis à influência dos Espíritos, e mais ou menos dotadas da faculdade de receber e transmitir suas comunicações. Para os Espíritos, o médium é um intermediário; é um agente ou um instrumento mais ou menos cômodo, segundo a natureza ou o grau da faculdade mediúnica. Esta faculdade depende de uma disposição orgânica especial, suscetível de desenvolvimento. Distinguem-se diversas variedades de médiuns, segundo sua aptidão particular para tal ou tal modo de transmissão, ou tal gênero de comunicação. (KARDEC, 1986, p. 196-197).
Resumindo-a, numa outra oportunidade, o mestre de Lion disse-nos que: “Os médiuns são as pessoas aptas a receberem a influência dos Espíritos e transmitirem os seus pensamentos”. (KARDEC, 2006c, p. 62).
Em que pese a origem dessas duas definições, entendemos que lhes falta abrangência, porquanto não deveria o seu conceito se restringir à relação entre os homens e os Espíritos desencarnados. Por que estamos dizendo isso? Pelo simples fato de que há vários relatos de experiências com evocação de Espíritos de pessoas vivas, ocorridas nas sessões da Sociedade Espírita de Paris, conforme se lê na Revista Espírita. Julgamos que esses casos estariam fora da definição clássica, pois o termo “Espírito” está se referindo aos já desencarnados. Por outro lado, aceitando-se o que narra André Luiz, dando notícias de reuniões mediúnicas no plano espiritual, nesse caso teríamos a existência dos Espíritos-médiuns, que servem de intermediários a outros de esferas mais elevadas, às quais se encontram vinculados, conforme podemos apreender nas suas obras, situações também não contempladas na definição original.
Além disso, poderíamos destacar que a condição dele ser ou servir de “intermediário” complica um pouco a definição, haja vista, que um médium pode receber uma comunicação para ele mesmo, e aí não teríamos, a rigor, essa função, a não ser que aceitemos que, nesse caso, ele, o médium, esteja sendo intermediário para si mesmo, digamos assim, hipótese que aceitamos sem problema algum.
Ademais, uma pessoa que recebendo a influência de Espíritos, e não conseguindo perceber este fato, não seria, segundo essas definições, propriamente um médium? Então, seria o quê? Segundo nosso modo de ver, a conjuntura nos recomenda ampliar o atual conceito visando dar-lhe uma abrangência maior, de forma que possa abrigar todos os casos. Assim, poderíamos dizer que médium seria o Espírito, encarnado ou não, que consegue captar ou sentir o pensamento de um outro, pouco importando a condição desse outro estar num corpo ou fora dele. O único aspecto condicionante seria de não estarem, o emissor e o captador, no mesmo plano dimensional, no qual o processo de comunicação habitual seja a transmissão de pensamento.
É certo que estamos avançando um pouco na definição, indo além do que consta nas obras da codificação, o que poderá causar espécie em algumas pessoas; mas justificamos, lembrando o que Kardec disse numa certa ocasião: “O Livro dos Espíritos não é um tratado completo do Espiritismo; não faz senão colocar-lhe as bases e os pontos fundamentais, que devem se desenvolver sucessivamente pelo estudo e pela observação”. (KARDEC, 1993b, p. 223).
Sabemos que o Codificador afirmou que “a verdadeira mediunidade supõe a intervenção direta de um Espírito” (KARDEC, 2006a, p. 142) o que viria a contradizer, em parte, o que estamos propondo; entretanto, se ampliarmos, nessa frase, o significado de Espírito para considerá-lo em qualquer situação, ou seja, encarnado ou desencarnado, ela se ajustaria plenamente ao conceito sugerido em nossa hipótese.
Especificamente, a quem poderíamos qualificar como médium? Para elucidar isso, leiamos:
[...] Quem está apto para receber ou transmitir as comunicações dos Espíritos é, por isso mesmo, médium, qualquer que seja o modo empregado ou o grau de desenvolvimento da faculdade, desde a simples influência oculta até a produção dos mais insólitos fenômenos. Todavia, em seu uso ordinário, essa palavra tem uma acepção mais restrita, e se diz, geralmente, de pessoas dotadas de um poder mediúnico muito grande, seja para produzir efeitos físicos, seja para transmitir o pensamento dos Espíritos pela escrita ou pela palavra. (KARDEC, 1993a, p. 29). (grifo nosso).
Temos aqui então duas situações, com as quais iremos entender o seu significado: uma no sentido amplo e outra no sentido restrito. No sentido amplo, todos somos médiuns e no sentido restrito, somente aqueles nos quais essa faculdade é evidente, a ponto de produzir os fenômenos de efeitos físicos ou de transmitir o pensamento dos Espíritos. Isso fica mais claro quando, por dois momentos, Kardec volta novamente a esse assunto:
Toda pessoa que sente a influência dos Espíritos, em qualquer grau de intensidade, é médium. Essa faculdade é inerente ao homem. Por isso mesmo não constitui privilégio e são raras as pessoas que não a possuem pelo menos em estado rudimentar. Pode-se dizer, pois, que todos são mais ou menos médiuns. Usualmente, porém, essa qualificação se aplica somente aos que possuem uma faculdade mediúnica bem caracterizada, que se traduz por efeitos patentes de certa intensidade, o que depende de uma organização mais ou menos sensitiva.
Deve-se notar, ainda, que essa faculdade não se revela em todos da mesma maneira. [...] (KARDEC, 2006a, p. 139) (grifo nosso).
Toda pessoa que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíritos é, por isso mesmo, médium. Essa faculdade é inerente ao homem, e, por conseguinte, não é, de nenhum modo, um privilégio exclusivo: também há poucos nos quais não se lhe encontra algum rudimento. Pode-se, pois, dizer que todo o mundo, com pequena diferença, é médium; todavia, no uso, essa qualificação não se aplica senão naqueles nos quais a faculdade mediúnica se manifesta por efeitos ostensivos de uma certa intensidade. (KARDEC, 2006c, p. 62) (grifo nosso).
Primeiramente, cumpre-nos informar que a primeira citação consta de O Livro dos Médiuns, publicado em janeiro de 1861, que veio em substituição ao livro Instrução Prática sobre as manifestações dos Espíritos, cuja publicação aconteceu no 1º semestre de 1858, obra na qual a encontramos nos seguintes termos:
Toda pessoa que sofre de alguma maneira a influência dos Espíritos é, por isso mesmo, médium. Esta faculdade é inerente ao homem e, por conseguinte, não é um privilégio exclusivo. Por essa razão raros são os indivíduos nos quais não se encontram ainda que simples rudimentos de mediunidade. Pode-se, pois, dizer que todas ou quase todas as pessoas são médiuns. Todavia, no uso corrente, esta qualificação não se aplica senão àqueles nas quais a faculdade mediúnica é nitidamente caracterizada e se traduz por efeitos patentes, de certa intensidade, o que depende, então, de uma organização mais ou menos sensitiva. É preciso notar, além disto, que esta faculdade não se revela em todas as pessoas da mesma maneira. (KARDEC, 1986, p. 251) (grifo nosso).
Nosso objetivo em colocar isso, foi para ressaltar que Kardec, em sua nova fala, ao invés de dizer “todas ou quase todas as pessoas são médiuns”, passou a afirmar que “todos são mais ou menos médiuns”, demonstrando agora que a variação se prende apenas a seu grau, caso não estejamos enganados em nossa maneira de perceber.
Nesse mesmo ano de 1858, talvez um pouco antes dessa publicação, que acabamos de citar, ele afirmara:
Essa faculdade, como, aliás, já o dissemos, não é um privilégio exclusivo; ela existe em estado latente, e em diversos graus, numa multidão de indivíduos, não esperando senão uma ocasião para se desenvolver; o princípio está em nós pelo próprio efeito da nossa organização; está na Natureza; todos nós temo-lo em germe, e não está longe o dia em que veremos os médiuns surgirem de todos os pontos, no nosso meio, em nossas famílias, no pobre como no rico, a fim de que a verdade seja conhecida por todos, porque, segundo o que nos está anunciado, é uma nova era, uma nova fase que começa para a Humanidade. A evidência e a vulgarização dos fenômenos espíritas darão um novo curso às idéias morais, como o vapor deu um novo curso à indústria. (KARDEC, 2001a, p. 60-61). (grifo nosso).
Aqui, nos parece, que se tem, no mínimo, a todos nós como médiuns em potencial, relacionando a mediunidade como sendo uma característica própria da Natureza humana.
Percebemos que Kardec foi claro ao dizer que é uma faculdade inerente ao homem, sem qualquer tipo de privilégio, concluindo, conforme consta em Obras Póstumas e O Livro dos Médiuns, pela ordem, que “todo o mundo, com pequena diferença, é médium” ou que “todos são mais ou menos médiuns”, porquanto, segundo ele nos diz, todos nós recebemos influência dos espíritos, o que veremos um pouquinho mais à frente, quando citarmos O Livro dos Espíritos. É bem provável que, em virtude disso, possamos ver a aplicação do que ele havia dito na Introdução de O Livro dos Médiuns: “Embora cada qual já traga em si mesmo os germes das qualidades necessárias, essas qualidades se apresentam em graus diversos, e o seu desenvolvimento depende de causas estranhas à vontade humana” (KARDEC, 2006a, p. 10) e o que consta logo acima.
Essa visão abrangente é também o que poderemos encontrar em Channing, que, numa mensagem discorrendo sobre os médiuns, disse:
Todos os homens são médiuns. Todos têm um Espírito que os dirige para o bem, quando eles sabem escutá-lo. Quer alguns se comuniquem diretamente com ele, graças a uma mediunidade especial, quer outros só o escutem pela voz interna do coração e da mente. Isso pouco importa, pois é sempre o mesmo Espírito familiar que os acompanha. Chamai-o Espírito, razão, inteligência, será sempre uma voz que responde à vossa alma, dizendo-vos boas palavras. Acontece, porém, que nem sempre as compreendeis. [...] Ouvi pois essa voz interior, esse bom gênio que vos fala sem cessar, e chegareis progressivamente a ouvir o vosso anjo guardião que vos estende a mão do alto do céu. Repito, a voz íntima que fala ao coração é a dos bons Espíritos bons. E é desse ponto de vista que todos os homens são médiuns. (KARDEC, 2006a, p. 331-332) (grifo nosso).
Esse Espírito considera a todos nós como sendo médiuns; dando, aos que o são de forma ostensiva, a condição de possuírem “uma mediunidade especial”, o que significa apenas tê-la em um grau maior.
Quanto às expressões “também há poucos nos quais não se lhe encontra algum rudimento” e “raras são as pessoas que não a possuem pelo menos em estado rudimentar”, citadas um pouco atrás, não entendemos que, por isso, existam pessoas que não a tenha, mas é uma maneira de dizer que, mesmo que seja com alguns rudimentos, ninguém a deixa de ter, pois a afirmativa posterior de que “todos os homens são médiuns” parece-nos ser mais forte e, cremos, seja a intenção final de sua afirmação, a qual poderemos corroborar com outra fala do codificador, quando diz sobre os médiuns inspirados:
Todos os que recebem, no seu estado normal ou de êxtase, comunicações mentais estranhas às suas idéias, sem serem, como estas, preconcebidas, podem ser considerados médiuns inspirados. Trata-se de uma variedade intuitiva, com a diferença de que a intervenção de uma potência oculta é bem menos sensível, sendo mais difícil de distinguir no inspirado o pensamento próprio do que foi sugerido. O que caracteriza este último é sobretudo a espontaneidade. (KARDEC, 2006a, p. 154) (grifo nosso).
É interessante lermos a nota de rodapé colocada pelo tradutor Herculano Pires sobre o que se fala nesse parágrafo:
Nunca prestamos a devida atenção aos nossos processos mentais. Kardec nos oferece neste livro, como repete no período acima, uma regra de ouro nesse sentido. A psicologia materialista vai hoje se aproximando desse princípio, graças às pesquisas no campo da telepatia. Embora ainda não considere o pensamento dos Espíritos, já admite que recebemos constantemente pensamentos alheios. A observação permite-nos dividir perfeitamente o pensamento que produzimos aos poucos em nossa mente dos que nos são sugeridos. (grifo nosso)
Como proposto no início, não poderíamos ampliar o conceito da mediunidade, tomando também essa assertiva de Herculano?
Após esse nosso destaque, continuemos a transcrição:
Recebemos a inspiração dos Espíritos que nos influenciam para o bem ou para o mal. Mas ela é principalmente a ajuda dos que desejam o nosso bem, e cujos conselhos rejeitamos com muita freqüência. Aplica-se a todas as circunstâncias da vida, nas resoluções que devemos tomar. Nesse sentido pode-se dizer que todos são médiuns, pois não há quem não tenha os seus Espíritos protetores e familiares, que tudo fazem para transmitir bons pensamentos aos seus protegidos. Se todos estivessem compenetrados dessa verdade, com mais freqüência se recorreria à inspiração do anjo guardião, nos momentos em que não se sabe o que dizer ou fazer.
Que se invoque o Espírito protetor com fervor e confiança, nos casos de necessidade, e mais assiduamente se admirará das idéias que surgirão como por encanto, seja para auxiliar numa decisão ou em alguma coisa a fazer. Se nenhuma idéia surgir imediatamente, é que se deve esperar. [...] (KARDEC, 2006a, p. 155) (grifo nosso).
Já havíamos comentado alhures que, pelo fato de termos, cada um de nós, um anjo da guarda, que sempre nos acompanha, todos nós deveríamos ser considerados médiuns, pela condição de podermos receber seus conselhos, não diferente do que aqui é colocado ou, o que é mais provável ter acontecido, dizemos porque veio à nossa mente o que lêramos em algum lugar. Acreditamos que seja o mesmo que está dito no livro Nos domínios da mediunidade, quando Áulus orienta aos dois aprendizes - André Luiz e Hilário -, nestes termos: “A mediunidade é um dom inerente a todos os seres humanos, como a faculdade de respirar, e cada criatura assimila as forças superiores ou inferiores com as quais sintoniza” (XAVIER, 1987, p. 51) (grifo nosso).
Na Revista Espírita de 1865, encontramos uma mensagem intitulada Estudo sobre a mediunidade, assinada por Georges, na qual esse Espírito diz:
A mediunidade é uma faculdade inerente à natureza do homem; não é nenhuma exceção nem um favor, ela faz parte do grande conjunto humano, e, como tal, está sujeita às variações físicas e às desigualdades morais; sofre o dualismo temível do instinto e da inteligência; possui seus gênios, sua multidão e seus monstros. (KARDEC, 2000b, p. 115) (grifo nosso).
Confirma a mediunidade como uma faculdade que faz parte da natureza do homem, sem que haja exceção de qualquer natureza.
Kardec analisa um artigo extraído do jornal la Discussion, assinado por A. Briquel, do qual transcrevemos:
Os médiuns são dotados de uma faculdade natural que os torna próprios para servirem de intermediários aos Espíritos e produzirem com eles os fenômenos que passam por milagres ou por prestidigitação aos olhos de quem lhes ignora a explicação. Mas a faculdade medianímica não é o privilégio exclusivo de certos indivíduos; ela é inerente à espécie humana, embora cada um a possua em graus diferentes, ou sob diferentes formas. (KARDEC, 1993b, p. 34) (grifo nosso).
Pelas considerações elogiosas que o codificador faz desse artigo, dizendo serem perfeitos os pontos nele abordados, concluímos que ele endossou tudo quanto foi dito, motivo pelo qual trouxemos esse trecho do artigo. Ressaltamos a questão de ser inerente à espécie humana; portanto, todos nós a temos, variando apenas quanto aos graus e formas de sua manifestação, como já foi dito várias vezes.
Outro artigo interessante é o intitulado Mediunidade Mental, no qual Kardec comenta o que lhe escreveu um dos seus correspondentes de Milianah (Argélia), dessa forma:
Esta mediunidade, à qual damos o nome de mediunidade mental, certamente não é feita para convencer os incrédulos, porque ela nada tem de ostensiva, nem desses efeitos que ferem os sentidos; ela é toda para a satisfação íntima daquele que a possui; mas é preciso reconhecer também que ela se presta muito à ilusão, e que é o caso de se desconfiar das aparências. Quanto à existência da faculdade, dela não se poderia duvidar; pensamos mesmo que deve ser a mais freqüente; porque o nome de pessoas que sentem, no estado de vigília, a influência dos Espíritos e recebem a inspiração de um pensamento que sentem não ser o seu, é considerável; a impressão agradável ou penosa que se sente às vezes à vista de alguém que se vê pela primeira vez; o pressentimento que se tem da aproximação de uma pessoa; a penetração e a transmissão do pensamento, são também efeitos que se prendem à mesma causa e constitui uma espécie de mediunidade, que se pode dizer universal, porque todos dela possuem pelo menos os rudimentos; mas para sentir-lhe os efeitos marcantes, é preciso uma aptidão especial, ou melhor um grau de sensibilidade que é mais ou menos desenvolvido segundo os indivíduos. A esse título, como dissemos há muito tempo, todo o mundo é médium, e Deus não deserdou ninguém da preciosa vantagem de receber salutares eflúvios do mundo espiritual, que se traduzem de mil maneiras diferentes; mas as variedades que existem no organismo humano não permitem a todo mundo obter efeitos idênticos e ostensivos. (KARDEC, 1993b, p. 86-87).
O que está se comentando aqui é sobre uma pessoa que captava os pensamentos do seu guia espiritual, quando em estado de emancipação. Descreve, inclusive, que, nessa situação, recebia, até mesmo, visitas de outros Espíritos simpáticos, encarnados e desencarnados, com os quais entabulava comunicação mental. É a isso que Kardec denomina de mediunidade mental, assegurando que “todos dela possuem pelo menos os rudimentos” e, na seqüência, reafirma que: “como dissemos há muito tempo, todo o mundo é médium”.
Em O que é o Espiritismo, numa de suas respostas ao céptico, Kardec disse:
Além disso, os médiuns são muito numerosos e é raríssimo, quando não o sejamos, não se encontrar algum em qualquer dos membros de nossa família, ou nas pessoas que nos cercam. O sexo, a idade e o temperamento são indiferentes: eles aparecem entre os homens e mulheres, entre crianças, velhos, doentes e pessoas sadias. (KARDEC, 2007, p. 107). (grifo nosso).
Vemos, nesse ponto, que Kardec está tratando o fato “ser médium” no sentido restrito, dizendo que, na hipótese de não sermos médiuns, é raríssimo não encontrarmos um à nossa volta, o que nos faz acreditar que ele, de forma direta, reafirma a questão de todos sermos médiuns, variando apenas a intensidade que a mediunidade aflora em cada um de nós, seres humanos. É o que também concluímos do texto a seguir:
Nossa alma que não é, em definitivo, senão um Espírito encarnado, não é menos Espírito; se está momentaneamente revestida de um envoltório material, suas relações com o mundo incorpóreo, embora menos fáceis que no estado de liberdade, não são interrompidas por isso de maneira absoluta; o pensamento é laço que nos une ao Espírito, e por esse pensamento atraímos aqueles que simpatizam com as nossas idéias e nossas tendências. (KARDEC,1993a, p. 30) (grifo nosso).
Ressalte-se que, pelo fato de estarmos encarnados, não há empecilho para que tenhamos relações com os Espíritos, decorrente, segundo acreditamos, exatamente da circunstância de todos sermos médiuns. Ou estamos indo além do sentido que se pode tirar desse texto?
Dos comentários de Kardec sobre os possessos de Morzine, transcrevemos:
[...] Pela natureza fluídica e expansão do perispírito, o Espírito alcança o indivíduo sobre o qual quer agir, o cerca, o envolve, o penetra e o magnetiza. O homem, vivendo no meio do mundo invisível, está incessantemente submetido a essas influências, como às da atmosfera que respira, e essa influência se traduz por efeitos morais e fisiológicos, dos quais não se dá conta, e que atribui, freqüentemente, a causas inteiramente contrárias. Esta influência difere naturalmente, segundo as qualidades boas ou más do Espírito, assim como explicamos no nosso precedente artigo. Este é bom e benevolente, a influência, ou querendo-se, a impressão, é agradável, salutar: é como as carícias de uma terna mãe que enlaça seu filho nos braços; se for mau e malevolente, ela é dura, penosa, ansiosa e, às vezes, malfazeja: ela não abraça, oprime. Vivemos nesse oceano fluídico, incessantemente expostos às correntes contrárias, que atraímos, que repelimos, ou às quais nos entregamos, conforme as nossas qualidades pessoais, mas no meio das quais os homens conservam sempre seu livre arbítrio, atributo essencial de sua natureza, em virtude do qual pode sempre escolher o seu caminho.
Isto, como se vê, é completamente independente da faculdade medianímica tal como é concebida vulgarmente. A ação do mundo invisível, estando na ordem das coisas naturais, se exerce sobre o homem, abstração feita de todo conhecimento espírita; a ela se está submetido como se o está à influência da eletricidade atmosférica, sem saber a física, como estar doente, sem saber a medicina. [...]
Todo indivíduo que sofre, de um modo qualquer, a influência dos Espíritos é, por isso mesmo, médium; mas é pela mediunidade efetiva, consciente e facultativa, que se chega a constatar a existência do mundo invisível, e pela diversidade das manifestações obtidas ou provocadas, que se pôde esclarecer sobre a qualidade dos seres que a compõem, e sobre o papel que eles desempenham na Natureza; o médium fez pelo mundo invisível o que o microscópio fez pelo mundo dos infinitamente pequenos. (KARDEC, 2000a, p. 2-9) (grifo nosso).
Na verdade, por estarmos em meio a um “mar de Espíritos” ou “oceano fluídico”, ninguém lhes escapa da influência, seja a dos bons ou a dos maus, motivo pelo qual Kardec concluiu: “isto, como se vê, é completamente independente da faculdade medianímica tal como é concebida vulgarmente”; ou seja, a questão do médium no sentido restrito reafirma, ao que nos parece, o fato de todos sermos médiuns no sentido amplo.
Em Mecanismos da Mediunidade, André Luiz nos remete a uma informação, segundo a qual fica fácil entender a possibilidade de todos nós sermos influenciados uns pelos outros, quer estejamos encarnados ou não. Leiamos:
Reconhecemos que toda criatura dispõe de oscilações mentais próprias, pelas quais entra em combinação espontânea com a onda de outras criaturas desencarnadas ou encarnadas que se lhe afinem com as inclinações de desejos, atitudes e obras, no quimismo inelutável do pensamento. (XAVIER, 1986, p. 88) (grifo nosso).
Isso, se não estamos sendo pretensioso demais, concilia-se com a definição ampla que propomos, mais no início deste estudo.
Vejamos agora as questões de O Livro dos Espíritos, do capítulo IX – Intervenção dos Espíritos no mundo corporal, nas quais iremos encontrar algumas coisas que vêm apoiar a nossa conclusão:
459. Os Espíritos influem em nossos pensamentos e em nossos atos?
“Muito mais do que imaginais, pois freqüentemente são eles que vos dirigem.”
460. Além dos pensamentos que nos são próprios, haverá outros que nos sejam sugeridos?
“Vossa alma é um Espírito que pensa. Não ignorais que muitos pensamentos vos ocorrem ao mesmo tempo sobre o mesmo assunto e, frequentemente, bastante contraditórios. Pois bem! Neles há sempre um pouco de vós e um pouco de nós, e é isso que vos deixa na incerteza, porque tendes em vós duas idéias que se combatem.”
461. Como distinguir os pensamentos que nos são próprios dos que nos são sugeridos?
Quando um pensamento vos é sugerido, é como uma voz que vos fala. Geralmente, os pensamentos próprios são os que ocorrem em primeiro lugar. Aliás, não vos é de grande interesse estabelecer essa distinção, e muitas vezes é útil não sabê-la: o homem age mais livremente. Se decidir pelo bem, ele o fará com maior boa vontade; se tomar o mau caminho, maior será a sua responsabilidade.”
489. Há Espíritos que se liguem particularmente a um indivíduo para protegê-lo?
Sim, o irmão espiritual. É o que chamais o bom Espírito ou o bom gênio.”
490. Que se deve entender por anjo de guarda?
O Espírito protetor, pertencente a uma ordem elevada.”
491. Qual a missão do Espírito protetor?
“A de um pai com relação aos filhos: conduzir seu protegido pelo bom caminho, ajudá-lo com seus conselhos, consolá-lo nas aflições e sustentar sua coragem nas provas da vida.”
492. O Espírito protetor está ligado ao indivíduo desde o seu nascimento?
Desde o nascimento até a morte. Muitas vezes ele o segue após a morte, na vida espiritual, e mesmo através de muitas existências corporais, já que tais existências não passam de fases bem curtas da vida do Espírito.” (KARDEC, 2006b, p. 291-329 - passim) (grifo nosso).
Todas as abordagens aqui relacionadas, no tocante à influenciação dos Espíritos, se referem a todos nós, sem qualquer tipo de exceção; e se todo aquele que sofre algum tipo de influência dos Espíritos é um médium, então a alternativa, que se nos apresenta, é concluir que todos nós somos médiuns, pois não existe quem não sofra as suas conseqüências. Podemos corroborar essa afirmativa com um trecho que consta da instrução dos Espíritos na questão 495, assinada conjuntamente pelos Espíritos São Luís e Santo Agostinho. Leiamo-la:
[...] Cada anjo de guarda tem o seu protegido, pelo qual vela, como o pai vela pelo filho. Alegra-se, quando o vê no bom caminho; sofre, quando seus conselhos são ignorados.
“Não temais fatigar-nos com as vossas perguntas. Ao contrário, procurai sempre estar em relação conosco, pois assim sereis mais fortes e mais felizes. São essas comunicações de cada um com o seu Espírito familiar que fazem sejam médiuns todos os homens, médiuns ignorados hoje, mas que se manifestarão mais tarde e se espalharão qual oceano sem limites, para rechaçar a incredulidade e a ignorância. [...] (KARDEC, 2006b, p. 305-306) (grifo nosso).
Clara é a posição desses dois espíritos, que participaram ativamente da codificação Espírita, com base na qual, imaginamos, Kardec tenha formado a sua opinião, para dizer que “todos somos médiuns”. Porém, se a compararmos com o que disse Erasto aí a coisa fica complicada; vejamos: “É, de resto, essa possibilidade de rejeição, própria da matéria, que se opõe ao desenvolvimento da mediunidade na maioria dos que não são médiuns” (KARDEC, 2006a, p. 212). Para resolver o impasse, pois por aqui se tem a idéia de que nem todos são médiuns, deveremos tomar a sua explicação para tê-la no sentido restrito, não valendo, portanto, para aqueles que são médiuns no sentido amplo. Isso o fazemos apoiando-nos em Kardec. Leiamos um trecho do seu comentário intitulado A Mediunidade e a Inspiração, no qual analisa uma mensagem de Halévy (Espírito), recebida em Paris, pelo grupo Desliens, na data de 16 de fevereiro de 1869:
Sob suas formas variadas ao infinito, a mediunidade abrange a Humanidade inteira, como uma rede da qual nada pode escapar. Todos estando diariamente em contato, quer o saiba ou não, quer queira ou com isso se revolte, com inteligências livres, não há um homem que possa dizer: Eu não sou, eu não fui ou não serei médium. Sob a forma intuitiva, modo de comunicação ao qual o vulgo dá o nome de voz da consciência, cada um está em relação com várias influências espirituais, que aconselham num sentido ou num outro, e, freqüentemente simultaneamente, ora o bem puro, absoluto; ora os acomodamentos com o interesse; ora o mal em toda sua nudez. - O homem evoca essas vozes; elas respondem ao seu chamado, e ele escolhe; mas escolhe, entre essas diferentes inspirações e seu próprio sentimento. - Os inspiradores são os amigos invisíveis; como os amigos da Terra, são sérios ou de passagem, interessados ou verdadeiramente guiados pela afeição. (KARDEC, 2001b, p. 94-95). (grifo nosso).
Ressaltamos o trecho “não há um homem que possa dizer: Eu não sou, eu não fui ou não serei médium”; o que vem reforçar o que se tem dito a respeito do tema.
Concluímos que todos nós somos médiuns, sim, pois não há uma só pessoa que não receba influência dos espíritos; na pior das hipóteses, em duas situações: em uma delas, a do seu anjo da guarda; na outra, é a que acontece durante os estados de emancipação da alma, quando se comunica com os Espíritos que lhe são simpáticos, conforme ficaram aqui demonstrados ambos os casos. Obviamente, que nosso modo de pensar pode não ser comungado por alguns companheiros espíritas, o que, acreditamos, certamente, acontecerá; porém, devemos continuar respeitando a liberdade de cada um ter a sua própria opinião.
Tendo em vista que estamos usando O Livro dos Médiuns traduzido por Herculano Pires, seria oportuno colocarmos a sua opinião constante numa nota de rodapé:
A mediunidade é uma faculdade humana como qualquer outra. Ninguém pode alegar que não a possui, pois todos têm pressentimentos, intuições, percepções extra-sensoriais, sonhos premonitórios e assim por diante. Como as demais faculdades, Deus a distribui segundo as necessidades evolutivas de cada criatura. [...] (KARDEC, 2006a, p. 183) (grifo nosso).
Antes de encerrar nosso estudo seria de bom tom que pudéssemos responder a uma eventual pergunta: deveremos tentar desenvolver a nossa mediunidade? A resposta é que não seria conveniente, pois se deve deixar seguir o curso natural das coisas. Kardec, falando especificamente a respeito da vidência, respondeu a uma pergunta semelhante; leiamos:
a) Essa faculdade pode desenvolver-se pelo exercício?
- Pode, como todas as outras faculdades. Mas é daquelas cujo desenvolvimento natural é melhor do que o provocado, quando corremos o risco de sobreexcitar a imaginação. A visão geral e permanente dos Espíritos é excepcional e não pertence às condições normais do homem.(KARDEC, 2006a, p. 93)
Ao colocar a faculdade de ver os espíritos como pertencente ao número “daquelas cujo desenvolvimento natural é melhor”, fácil concluir que considerava, também em relação a outras, ser prudente esperar que surjam naturalmente, embora não as tendo nominado. A razão disso ele atribuiu à possibilidade de sobreexcitar a imaginação.
Trazemos também a opinião do espírito Bezerra de Menezes, conforme podemos ler no livro Recordações da Mediunidade, de autoria de Yvonne A. Pereira:
Os ensinamentos contidos nos códigos espíritas, a advertência dos elevados Espíritos que os organizaram e a prática do espiritismo demonstram que nenhum indivíduo deverá provocar, forçando-o, o desenvolvimento das suas faculdades mediúnicas, porque tal princípio será contraproducente, ocasionando novos fenômenos psíquicos e não propriamente espíritas, tais como a auto-sugestão ou a sugestão exercida por pessoas presentes no recinto das experimentações, a hipnose, o animismo, ou personismo, tal como o sábio dr. Alexandre Aksakof classifica o fenômeno, distinguindo-o daqueles denominados “efeitos físicos”. A mediunidade deverá ser espontânea por excelência, a fim de frutescer com segurança e brilhantismo, e será em vão que o pretendente se esforçará por atraí-la antes da ocasião propícia. Tal insofridez redundará, inapelavelmente, repetimos, em fenômenos de auto-sugestão ou o chamado animismo, isto é, a mente do próprio médium criando aquilo que se faz passar por uma comunicação de Espíritos desencarnados. Existem mediunidades que do berço se revelam no seu portador, e estas são as mais seguras, porque as mais positivas, frutos de longas etapas reencarnatórias, durante as quais os seus possuidores exerceram atividades marcantes, assim desenvolvendo forças do Perispírito, sede da mediunidade, vibrando intensamente num e noutro setor da existência e assim adquirindo vibratilidades acomodatícias do fenômeno. Outras existem ainda em formação (forças vibratórias frágeis, incompletas, os chamados “agentes negativos”), que jamais chegarão a se adestrar satisfatoriamente numa só existência, e que se mesclarão de enxertos mentais do próprio médium em qualquer operosidade tentada, dando-se também a possibilidade até mesmo da pseudo-perturbação mental, ocorrendo então a necessidade dos estágios em casas de saúde e hospitais psiquiátricos se se tratar de indivíduos desconhecedores das ciências psíquicas. Por outro lado, esse tratamento será balsamizante e até necessário, na maioria dos casos, visto que tais impasses comumente sobrecarregam as células nervosas do paciente, consumindo ainda grande percentagem de fluidos vitais, etc., etc. [...] (a) Adolfo Bezerra de Menezes. (PEREIRA, 1989, p. 19-20) (grifo nosso).
Sentimo-nos no dever de apresentar esse alerta, para evitar que pessoas desejosas de possuir a mediunidade na forma ampla, lendo o que aqui colocamos, se sintam incentivadas a buscar o seu desenvolvimento mediúnico e, com isso, acabem trazendo a si mesmas prejuízos psíquicos, cuja responsabilidade poderia cair sobre nossa cabeça, caso não fizéssemos esse alerta.


Paulo da Silva Neto Sobrinho
julho/2008.


Referências bibliográficas:
KARDEC, A. Iniciação Espírita. São Paulo: Edicel, 1986.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2006b.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. São Paulo: Lake, 2006a.
KARDEC, A. O que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2007.
KARDEC, A. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2006c.
KARDEC, A. Revista Espírita 1858. Araras, SP: IDE, 2001a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1859. Araras, SP: IDE, 1993a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1863. Araras, SP: IDE, 2000a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1865. Araras, SP: IDE, 2000b.
KARDEC, A. Revista Espírita 1866. Araras, SP: IDE, 1993b.
KARDEC, A. Revista Espírita 1869. Araras, SP: IDE, 2001b.
PEREIRA, Y. A. Recordações da Mediunidade. Rio de Janeiro: FEB, 1989.
XAVIER, F. C. Mecanismos da mediunidade. Rio de Janeiro: FEB, 1986.
XAVIER, F. C. Nos domínios da mediunidade. Rio de Janeiro: FEB, 1987.



terça-feira, 22 de junho de 2010

O ESPÍRITO E A CIÊNCIA


A tese do espírito, no nosso entendimento, é o que está faltando na parapsicologia para que novos desenvolvimentos e áreas de pesquisas sejam a ela incorporados

Ney Pietro Peres

Pela Associação Médico-Espírita do Brasil


Em pouco mais de um século foram realizados diversos trabalhos férteis no que se refere às investigações dos fenômenos ligados ao espírito. Nesse período, eles foram amplamente enriquecidos com a dedicação de homens que se projetaram no campo científico através do valor de suas contribuições. Nomes como Camille Flammarion, Gabriel Dellane, Charles Richet, Albert de Rochas, Gustave Geley, Léon Denis, entre outros, emolduraram o despertar da doutrina consoladora visualizada na França luminosa pelo mestre Hippolite Léon Denizard Rivail, mais conhecido como Allan Kardec.

Também pelo mundo existiram grandes colaboradores. Na Inglaterra, tivemos a dedicação dos vários integrantes da Sociedade de Pesquisa Psíquica, com figuras ilustres do porte de Fredrich Myers, William Crookes, Oliver Lodge, William Barrett e Staiton Moses. Destacamos ainda o russo Alexander Aksakof e os italianos Ernesto Bozzano e Cesar Lombroso.

Com o progresso da tecnologia e os recursos de importantes universidades, espalhadas tanto no Ocidente como no Oriente, chegamos a uma incontestável lista de personagens de respeito que têm desenvolvido trabalhos significativos, somando evidências à tese do espírito. Para não nos alongarmos muito, a relação é formada por nomes como Hans Bender, Leonid Vasiliev, Hans Driesch, Pascual Jordan, Emile Tizané, William Roll, Gerard Croiset, Joseph Banks Rhine, Hermut Smith, Stanley Krippner, Ian Stevenson, Hemendra Nath Banerjee, Elizabeth Rauscher, Douglas Dean e George Meek, entre outros. Também podemos incluir nessa lista o brasileiro Hernani Guimarães Andrade. No entanto, apesar de um gigantesco acervo de evidências, o espírito ainda não conquistou a aceitação de sua existência dentro dos exigentes requisitos científicos.

Considerações da ciência

Em quase todas as áreas do conhecimento, os homens que respondem pela ciência relutam, de algum modo, em ceder caminho para que o espírito entre em suas cogitações. Porém, embora consistentes, as estruturas pragmáticas e o cristalizado conservadorismo na resistência do dogmatismo científico estão para implodir. Por incrível que pareça, é a física, a mais rigorosa das ciências, que, em uma visão mais ampla, já passou a considerar o espírito como algo inseparável dos fenômenos da natureza.

No livro O Espírito, este desconhecido, Jean Charon, ganhador de um Prêmio Nobel de Física, aborda o assunto. "Os novos gnósticos de Princeton e Pasadena guardaram, da antiga filosofia, a idéia de que aquilo que chamamos de espírito é indissociável de todos os fenômenos que vemos no universo, sejam físicos ou psíquicos. Portanto, ao menos em princípio, devemos ser capazes de ter um conhecimento ‘científico’ do espírito, isto é, de fornecer uma descrição em termos científicos, com o risco de, se necessário, renovar a própria linguagem", afirma.

Dentro dessa atual visão da física, o codificador Allan Kardec já asseverava, em meados do século passado, no livro A Gênese, que a revelação espírita se caracterizava pela sua origem divina, sua iniciativa pertencente aos espíritos e sua elaboração resultante do trabalho do homem. "Portanto, é rigorosamente exato dizer que o Espiritismo é uma ciência da observação, não o produto da imaginação. As ciências não fizeram progressos sérios senão depois que seus estudos se basearam no método experimental, mas se acreditava que esse método não poderia ser aplicado senão à matéria, ao passo que o é igualmente às coisas metafísicas", acrescentou.

No desenvolvimento deste estudo, procuraremos elucidar o modelo do espírito segundo a doutrina espírita, relacionando-o com alguns dos problemas humanos com base em enormes contribuições bem elaboradas. Preocupa-nos demonstrar que o homem não é, única e exclusivamente, esse ser biológico constituído de aparelhos e sistemas articulados por mecanismos e reações fisioquímicas. Defenderemos a tese do espírito, que, no nosso entendimento, é o que está faltando na parapsicologia para que novos desenvolvimentos e áreas de pesquisas sejam incorporados a ela, provocando a revisão de seus conceitos sobre a natureza do homem.

De O Livro dos Espíritos, resumiremos a concepção da origem, natureza e forma do espírito comunicada a Allan Kardec, por via mediúnica, pelos próprios espíritos que trouxeram ao mundo a doutrina espírita. Originado do princípio inteligente do universo, embora de natureza não palpável, o espírito é algo que existe como individualização desse princípio. É incorpóreo. Mesmo sendo de um outro tipo de matéria quintessenciada, não pode ser percebido por nossos sentidos físicos. Ele pode existir independentemente do corpo que anima e, em sua forma, seria comparado a uma chama, um clarão, uma centelha luminosa cuja cor pode variar do escuro ao brilho do rubi. Pode penetrar e atravessar a matéria, deslocando-se ao espaço tão rapidamente quanto o pensamento. Mesmo não se dividindo, irradia-se para diferentes lados, como o sol envia seus raios para muitos lugares distantes, parecendo estar neles simultaneamente.

Nesse modelo, pelo fato do espírito ter se originado do princípio inteligente do universo e existir como uma emanação dele, fica implícita a existência dessa fonte geradora inteligente, causa primeira que o concebeu. Essa busca natural pela fonte de nossa origem também levou o físico Carlo Rubbia a considerá-la quando se referiu às suas descobertas sobre as subpartículas atômicas no projeto CERN (Organização Européia para a Pesquisa Nuclear). "As descobertas que estão sendo feitas na ciência põem em evidência o fato de que a natureza é o resultado de uma concepção única, enorme e magnífica. (...) O certo é que, quando descobrimos que todas as forças são controladas por um mesmo princípio, quando vemos que há uma ordem absolutamente infinita em tudo o que se passa na natureza, o passo é muito curto para imaginar que houve uma ‘inteligência’ que fez tudo isso", comentou o físico em 1983.

Quando o mestre Kardec pergunta sobre o que é Deus na primeira questão de O Livro dos Espíritos, recebeu como resposta que Ele "é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas". Depreendemos daí uma considerável aproximação com as idéias dos físicos modernos.

Entendemos que o espírito, em sua origem como princípio inteligente do universo concebido pelo Criador e fruto de sua obra, poderia guardar em seu arcabouço, sob forma embrionária, as potencialidades que seriam progressivamente desenvolvidas no transcorrer dos tempos. Dos laboratórios da natureza cósmica, da formação das galáxias ao aparecimento das constelações atômicas sobre a crosta terrestre, passando da evolução química para a biológica e atingindo o reino hominal, o espírito percorreu milênios e milênios, polarizando os princípios sutis da matéria em seus estados difusos, animando-a em um enriquecimento contínuo de valores e dela registrando as experiências que propriamente lhe estruturaram a individualidade.

Mesmo o espírito podendo existir independentemente do corpo que anima e que lhe serve de instrumento, postula-se que interage com ele em nível molecular, exercendo mútuas e importantes trocas de experiências, impulsionadas por diretrizes programadas em um sentido crescente, evolutivo e ascencional. A exemplo de uma semente que encerra, em sua pequenez física, o modelo de árvore condensado em domínios informacionais de natureza etérea, o espírito reúne, em seus campos intrínsecos de ação, mecanismos de forças desconhecidas, agrupadas de forma inteligente e capazes de presidir a formação dos incontáveis contingentes celulares, organizando-os e agrupando-os para o exercício das diversificadas funções, em um conjunto harmônico, complexo e de perfeita interação.

Caso o leitor amigo deseje se aprofundar nos estudos que evidenciam a natureza espiritual na dinâmica evolutiva dos reinos da natureza, sugiro que recorra às obras de Hernani Guimarães Andrade, como Morte, Renascimento e Evolução, Espírito, Perispírito e Alma e Psi Quântico – uma extensão dos conceitos quânticos e atômicos à idéia do espírito.

O espírito

Em O Livro dos Médiuns, Allan Kardec explica que a natureza íntima do espírito propriamente dito é inteiramente desconhecida para nós. "Ele se revela a nós por seus atos e estes só podem tocar nossos sentidos por um intermediário material".

Visualizando o espírito como uma forma luminosa não percebida por nossa visão orgânica, encontramos semelhantes referências nos conceitos do físico Isaac Newton, como bem elucida Jean Charon no primeiro capítulo de O Espírito, este desconhecido. "Observemos um instante os conceitos de Newton, cujos escritos, caso sejam analisados sem se buscar ‘ver somente o que queremos’, são a comprovação de que o pai da teoria da gravidade sempre defendeu conceitos de essência espiritualista, bem longe das idéias puramente mecanicistas e positivistas que quiseram lhe atribuir. Uma aproximação surpreendente é a que Newton faz entre espírito e luz. Escreve ele em sua ótica que ‘não seria possível que os corpos e a luz se transformem uns nos outros? E não seria possível que os corpos recebam a maior parte de seus princípios ativos das partículas de luz que entram em sua composição?’", afirma o Prêmio Nobel de Física.

Ainda em sua obra, Charon prossegue afirmando que Newton distinguia dois tipos de luz: uma fenomênica, que seria a que se entende pelo sentido comum do termo (a que vemos), e uma numênica, que seria uma luz virtual intervindo mais particularmente nos mecanismos do ser vivo e que portaria aquilo que chamamos de espírito. "Assim, durante toda a sua vida, Newton considerou o espírito como de natureza diretamente acessível à experiência e, portanto, do domínio das investigações da física", diz.

Charon enfatiza que Deus está sempre presente na obra de Newton, para quem Ele intervinha na natureza por intermédio do espírito. "Essa natureza age sempre sem trégua, até o último termo, e depois cessa, pois, desde o começo, era para ele coisa certa que ela poderia se aperfeiçoar em seu curso e que chegaria, enfim, a um repouso sólido e total, ao qual ela tendia, com todo o seu poder, para este efeito", teria escrito Newton segundo Charon, esclarecendo a convicção do pai da lei da gravidade em um sentido definido da evolução do universo.

No segundo capítulo de O Espírito, este desconhecido, Jean Charon fala sobre seu trabalho. "Em resumo, meu trabalho sobre as partículas elementares em física me mostrou que algumas dessas partículas encerram um espaço e um tempo do espírito, coexistindo com o espaço e o tempo no qual toda a física, desde Aristóteles, tem se esforçado para descrever a matéria e sua evolução", explica.

Essa conclusão vem de encontro ao que responderam os espíritos nas questões 91 e 141 de O Livro dos Espíritos, considerando-se o fato de que a matéria não oferece obstáculo para os espíritos, podendo ser penetrada por eles. Além disso, a alma se irradia e se manifesta externamente ao corpo, não se encontrando nele encerrada, o que vale relacionar em seu próprio espaço e tempo, que, por sua vez, pode ser entendido como a coexistência com o espaço e o tempo das partículas atômicas que constituem este nosso corpo físico.

É bastante salutar também apresentarmos as considerações a seguir, feitas pelo codificador em O Livro dos Médiuns, que consideramos bastante úteis ao nosso estudo: "O espírito, no entanto, está sempre revestido por um invólucro ou perispírito, cuja natureza se eteriza à medida que ele purifica e se eleva na hierarquia. (...) O perispírito, portanto, é parte integrante do espírito".

No final de seu livro Morte, Renascimento e Evolução, Hernani Guimarães Andrade faz uma colocação com a qual compartilho. Diz ele que "você é uma partícula da grande consciência cósmica, que iniciou seus primeiros passos na senda da vida no primitivo e tépido seio das águas do Arqueozóico, talvez sob a forma de uma núcleo-proteína, de um vírus ou de um simples co-acervado". Mais adiante, ele afirma que não há morte. "O nascer e o morrer são os pontos de inflexão da gigantesca senóide biológica que se desenvolve em alternâncias, às quais chamamos ora de vida, ora de morte. Viver e morrer são dois aspectos de um mesmo fenômeno: a vida", explica.

Essência divina

Sendo assim, entendemos que trouxemos em nós mesmos, de forma latente e dinâmica, todas as potencialidades a serem desenvolvidas e, em um futuro à nossa frente, alcançaremos a condição luminosa através de nosso próprio esforço. De acordo com o que disse Emmanuel no livro Roteiro, isso acontecerá na medida em que, "durante séculos e séculos nos demorarmos nas esferas da luta carnal ou nas regiões que lhes são fronteiriças, purificando nossa indumentária e a embelezando, a fim de preparar, segundo o ensinamento de Jesus, nossa veste nupcial para o banquete do serviço divino".

Fonte: Revista Cristã de Espiritismo ed. 30 – julho/2005

ENDEREÇO: http://www.terraespiritual.locaweb.com.br/espiritismo/artigo2327.html
IMAGEM: viverconsciente.com


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