quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A VIAGEM NO TEMPO


A viagem no tempo: uma restrição espírita, Alexandre F. Fonseca, Brasil

Pela primeira vez um ensinamento espírita interfere na interpretação de um estudo científico.

Quem não assistiu e se divertiu com a trilogia “De Volta Para o Futuro” [1] que encantou o mundo com a romântica estória de um rapaz que realiza uma série de viagens no tempo encontrando seus pais, no passado antes de se casarem, a si mesmo e aos seus filhos, no futuro.

Divertimentos a parte, a verdade é que uma variação no fluxo do tempo não só é teoricamente possível, segundo a Teoria Geral da Relatividade de Einstein, como foi comprovada experimentalmente. Apesar do assunto ser considerado, pelas pessoas em geral, uma especulação sem fins práticos, alguns cientistas tem levado esse tema a sério principalmente porque ele está diretamente ligado à questão sobre as relações entre causa e efeito, o que é extremamente relevante na pesquisa de uma teoria unificada da Física. Tanto isso é verdade que uma das mais conceituadas revistas de divulgação científica, a Scientific American, dedicou um número inteiro a questões sobre o tempo. Desejo destacar o artigo intitulado “Como Construir uma Máquina do Tempo” (original em inglês: “How to Build a Time Machine”) [2]. Nesse artigo, o físico teórico Paul Davies apresenta aos leitores os mecanismos de uma viagem no tempo. Em suas próprias palavras Davies afirma: “It wouldn’t be easy, but it might be possible”[2,3]. Cabe citar que três físicos norte americanos publicaram na também conceituada Physical Review Letters [4] uma proposta séria a respeito do assunto. Motivado pelo interesse científico, mesmo que teórico, sobre o assunto, pretendo, nesta matéria, comentar sobre uma restrição do Espiritismo à questão da viagem no tempo. Mesmo que do ponto de vista prático isso esteja muito longe de acontecer, a discussão apresentada aqui tem um caráter didático em ambos os pontos de vista espírita e científico.

Não há espaço suficiente para discutirmos os detalhes sobre os mecanismos teóricos da viagem no tempo. As referências citadas servem como guia ao leitor mais interessado em pesquisar o assunto. Primeiramente, vamos expor em linhas gerais as condições em que o tempo fluiria de forma diferente possibilitando uma viagem no tempo, mencionando as evidências experimentais que suportam as pesquisas. Em seguida exporemos uma restrição espírita à viagem no tempo.

Basicamente, existem duas maneiras de se alterar o fluxo do tempo, isto é, fazer com que ele passe mais devagar ou mais rápido, quando comparado ao fluxo de tempo de um dado observador, por exemplo, um homem parado numa estação de trem. Uma delas é mudar a velocidade de um determinado objeto ou pessoa. Segundo a Teoria da Relatividade, observadores que estejam em repouso (parados na estação de trem) perceberão que o tempo fluirá mais devagar para aqueles que estiverem se movimentando com relação a eles. A outra forma de alterar o fluxo do tempo é aproximando-se, ou afastando-se, de objetos com massa elavada. Segundo a Teoria Geral da Relatividade, o tempo flui mais lentamente na proximidade de tais objetos massivos. Não percebemos isso no nosso cotidiano porque as diferenças no fluxo do tempo apenas se tornam significativas quando as velocidades de movimento são próximas da velocidade da luz e porque estamos todos à mesma distância média do nosso planeta.

A variação no fluxo de tempo foi testada experimentalmente sincronizando-se dois relógios de altíssima precisão e colocado-os, em seguida, em aviões que voaram por muitas horas em sentidos contrários [5]. O resultado foi uma significativa diferença entre os relógios. Uma outra verificação experimental foi um pequeno desvio na luz emitida por átomos de hidrogênio que, segundo Hawking[5], é explicado através de trajetórias de elétrons no que ele chamou de anéis fechados, isto é, trajetórias no espaço-tempo que iniciam numa dada posição e instante de tempo e terminam na mesma posição e instante de tempo.

Antes de discutir a restrição espírita, vejamos o que o professor Paul Davies comentou em seu artigo sobre certos paradoxos de causa e efeito que a viagem no tempo proporciona. Considere a situação em que uma pessoa viaja ao passado e tira a vida de sua mãe. Isso cria um paradoxo pois se a mãe morre, ela não terá aquele filho(a). Se o filho(a) não nasce, ele(a) não poderá, após crescer, viajar ao passado para tirar a vida dela e fica, então, claro o paradoxo. Segundo o professor Davies, esse é um evento que não ocorreria por não ser consistente. Seria como se tentássemos encontrar uma solução para um anel circular de raio R que possuísse comprimento diferente de 2pR, em nossa geometria usual. Por outro lado, ele afirma que se uma pessoa viaja ao passado e salva a sua mãe, ainda jovem, da morte, esse evento é perfeitamente viável e consistente. Entre esses dois exemplos, existe um ponto importante que é o livre-arbítrio. Ou a viagem no tempo interfere no livre-arbítrio, pois escolher entre salvar e matar é puramente uma decisão nossa; ou, simplesmente, esta viagem não é possível para os seres vivos. Não temos esse problema com os objetos inanimados. A questão sobre o livre-arbítrio é complexa nesses casos e mereceria uma análise futura.

A restrição espírita que desejamos ressaltar, porém, é outra. Considere a possibilidade de viagem no tempo para uma época não distante seja no passado ou no futuro, de modo a podermos nos encontrar mais jovem ou mais velho, respectivamente. A situação pode ser caracterizada como havendo dois de nós num dado momento. Do ponto de vista material, do corpo físico, não há nenhum problema. No entanto, se lembrarmos que somos espíritos encarnados estaremos numa situação de conflito com um ensinamento dos espíritos. Segundo a questão número 137 do Livro dos Espíritos [6], o espírito não pode animar dois corpos diferentes simultaneamente. No nosso exemplo, teríamos dois corpos diferentes animados pelo mesmo espírito. Isso está em contradição com a referida resposta dos espíritos.

De fato, a viagem no tempo ao passado, mesmo distante, também gera o conflito acima. Imagine que a nossa viagem nos levou a muitos séculos atrás. Suponha que nesta época estávamos encarnados vivendo uma de nossas vidas passadas. O nosso espírito estaria ligado a este corpo e ao corpo que veio do presente. Novamente temos a contradição. Mesmo que não estivéssemos encarnados em tal época, nosso espírito estaria no plano espiritual e não poderíamos estar lá e encarnados no corpo que veio do presente ao mesmo tempo.

Já a viagem ao futuro nos parece possível, pelo menos no ponto de vista da restrição anterior. Suponha que nós entramos numa nave para viajarmos a uma estrela próxima, digamos, 10 anos-luz de distância, a uma velocidade próxima da luz. Após retornarmos ao nosso planeta, terá se passado muito mais tempo na Terra do que conosco dentro da nave (o artigo [2] explica os detalhes). Encontraremos, portanto, a Terra 20 anos no futuro. Nesse caso, nosso espírito não esteve presente na evolução espaço-temporal da Terra e em tal futuro, não encontraremos um outro “eu” mais velho ou reencarnado pois estivemos na nave realizando a viagem.

Do ponto de vista prático, a viagem no tempo ao passado é algo impossível para objetos e seres de tamanho macroscópico. Isso já não é verdade com relação aos objetos de tamanho microscópico, como o elétron numa trajetória tipo anel fechado acima mencionado. Nesse caso a restrição espírita não apresenta nenhum problema pois tais objetos são apenas materiais. De qualquer forma devemos ter em mente que há muito o que aprender sobre as leis do nosso Universo.

Finalizando, eu gostaria de ressaltar a idéia de que ao invés de ser confirmada pela ciência, pela primeira vez, uma afirmativa espírita interfere numa análise científica impondo restrições a um fenômeno considerado possível e estudado seriamente pelos cientistas. Segundo Hawking [7], talvez o fato de nunca termos recebido a visita de um ser do futuro seja uma prova de que a viagem no tempo é impossível. Entretanto, eu arrisco a dizer que a razão pela qual isso não tenha ocorrido não seja somente devido às dificuldades científicas e técnicas associadas à viagem no tempo, mas também porque a restrição espírita apresentada nesta matéria seja, de fato, um empecilho real ao fenômeno. É importante frisar que isso é apenas uma opinião e não uma verdade comprovada cientificamente. Mesmo assim, sinto uma admiração cada vez maior pela Doutrina Espírita que demonstra possuir um potencial enorme de informação e conhecimento que, verdadeiramente, nos ajuda a progredir.

Referências
[1] Página oficial do filme na internet: http://www.bttfmovie.com
[2] P. Davies, Scientific American, September, p.50, (2002).
[3] “Isto não seria fácil, porém não impossível.”
[4] M. S. Morris, K. S. Thorne e U. Yurtsever, Physical Review Letters 61, p. 1446 (1988). A revista Physical Review Letters é uma das revistas científicas mais importantes na área de Física.
[5] S. Hawking, O Universo Numa Casca de Noz, Editora Mandarim, 2a. Edição, (2002).
[6] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora Edições FEESP, 9a. edição, 1997.
[7] Citado por M. Kaku em Hiperespaço, Editora ROCCO (2000).


texto e imagem - internet

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

EVANGELHO DE JESUS, O CÓDIGO MORAL


Os Espíritos consideram o Evangelho de Jesus como o código moral mais significativo da face da Terra. Ele é a síntese de todos os ensinamentos que, respeitando o livre-arbítrio, mostra que as normas para evoluir estão ao alcance de todos os homens, independentemente do grau de inteligência, raça ou condição social. Este relicário orientativo permanece, através do tempo, sempre definitivo e integral, protegido de qualquer insensatez em sua estrutura. Embora no seu conceito social ainda pareça prematuro, é o organograma mais avançado do Planeta.

É um guia doutrinário de moral espiritual que disciplina e orienta o ser humano, levando-o ao amor e ao perdão, requisitos que sustentam todas as estruturas universais.

A propagação exclusiva do amor contida em seus ensinos afasta fanatismos e interpretações pessoais de líderes religiosos, que ainda insistem em impor seus dogmas e mistérios, que por si contradizem os ensinamentos do Mestre.

Jesus sabia de nossa natureza egocêntrica e personalística, e deixou-nos esteMapa do Tesouro sob a forma de princípios modeladores nos diversos setores e aspectos da vida, levando-nos a encontrar a jóia preciosa que é a vivência plena do amor de Deus em nós.

O Evangelho de Jesus é a porta estreita, onde o Espírito se desbasta da inferioridade, supera os desejos animalescos e flui de si a luz. É a fórmula perfeita de ascensão espiritual, mas que requer renúncia consciente do mundo da matéria, uma luta para superar os instintos e alcançar os sentimentos nobres, que vivificam a vida e integram o homem no contexto universal.

Este maravilhoso código leva o ser humano a não mais viver para destruir e sim para encontrar a paz e o equilíbrio na vivência do amor pleno.

O homem que segue o Evangelho perdoa, ajuda, conforma-se e confia, expressando as palavras do Cristo: “Aquele que der a sua vida por amor de mim, ganhá-la-á por toda a eternidade.”

Sonia Leal Maciel

Fonte: Revista reformador – jan/2003


Endereço: http://www.terraespiritual.locaweb.com.br/espiritismo/artigo1504.html

Imagem: Internet

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

RUPTURA DOS ARCABOUÇOS RELIGIOSOS


Com permissão de dalailam do blog http://tamoporai.blogspot.com

FRAGMENTAÇÃO DA IGREJA

A partir da rebelião luterana, os arcabouços religiosos medievais cederam ao impacto do espírito renovador. A Igreja fragmentou-se. Rompidos os arcabouços, o edifício gigantesco ameaçou ruir. Aquilo que Erasmo temia, verificou-se de maneira inapelável. Durante séculos, o mundo não gozaria mais da unidade religiosa, e consequentemente, da "pax romana" da Idade Média. A timidez de Erasmo, os seus excessos de prudência, não lhe haviam deixado perceber o sentido profundo das próprias palavras evangélicas, atribuídas ao Cristo: "Não julgueis que vim trazer paz à terra; não vim trazer-lhe a paz, mas a espada". (Mateus, X: 34.) Ou ainda: "Eu vim trazer fogo à Terra, e que mais quero, senão que ele se acenda?"( Lucas, XII: 49).
A mesma espada que dividiu os judeus na era apostólica, a partir da pregação do Cristo, o mesmo fogo que lavrou no seio do Judaísmo, devastando a sua unidade apática, haviam também de dividir os cristãos e calcinar o dogmatismo fideísta da nova estagnação religiosa. A "religião estática" cederia lugar aos impulsos revitalizadores da "religião dinâmica", desse "élan vital" que teria de romper as estruturas materiais, para que a "religião em espírito e verdade" pudesse triunfar dos formalismos dominantes. Lutero sentia profundamente essa verdade, embora ainda não pudesse compreendê-la em plenitude. Erasmo a compreendeu, mas não a sentiu com a intensidade suficiente para impulsioná-lo à ação. Esse desajuste, entretanto, era necessário ao desenvolvimento do processo histórico, que não poderia prescindir das fases que caracterizam o desenrolar da história.
A revolução luterana consolidou-se com o código de vinte e oito artigos da Confissão de Augsburg, elaborado por Melanchton, e expandiu-se rapidamente pela Alemanha e os países nórdicos, tornando-se religião estatal. Lutero pretendia substituir os símbolos medievais pela verdade evangélica, substituir o aparelhamento do culto pela presença do Cristo. Era um impulso decisivo de volta às origens cristãs. Mas as próprias circunstâncias apresentavam obstáculos diversos a esse retorno ideal. O luteranismo não conseguiu abolir completamente a simbólica religiosa do catolicismo-romano e terminou adaptando uma parte da mesma. Conservou os três sacramentos que considerava fundamentais: o batismo, a comunhão e a penitência, e manteve a organização sacerdotal. Mas o mais curioso da Reforma foi à substituição de uma idolatria por outra. Em lugar dos ídolos, das relíquias, do instrumental variado do culto, do dogmatismo dos concílios e da autoridade papal, o luteranismo consagrou a idolatria da letra, a infalibilidade dos textos sagrados.
Paulo, o apóstolo, já havia ensinado que a letra mata e somente o espírito vivifica. Mas também a liberdade subitamente conquistada pode matar. Livrando-se do peso morto dos ídolos materiais que atravancam a religião medieval, os reformadores da Renascença deviam apegar-se forçosamente a alguma coisa. Essa nova base, sobre a qual deviam firmar-se para prosseguir na luta, foi a "Palavra de Deus", consubstanciada nos textos da Escritura. A Reforma estabeleceu o império do literalismo, o domínio da letra. Jamais o Cristianismo europeu fizera tanto jus à denominação da "religião do livro", que os maometanos lhe haviam dado. Nos templos reformados, a Bíblia substituiu a imagem. É fácil compreendermos que um grande passo estava dado, pois libertar a letra era a medida indispensável para conseguir-se a libertação do espírito, nela encerrado.
O "verdadeiro evangelho", de que Erasmo falara a Frederico da Saxônia, surgiu sobre a Europa nas múltiplas traduções para as línguas nacionais, a partir da germânica. Os textos ocultos, até então privilégio dos clérigos eram retirados das criptas e oferecidos ao povo, que os recebia com sofreguidão. A possibilidade de contato direto com a Escritura, o direito de sentir o seu poder inspirador nos próprios textos, sem as interpretações clericais, eis a novidade que abalava o Cristianismo e abria perspectivas imprevisíveis para o seu desenvolvimento. Foi essa a missão espiritual da Reforma. Sem o florescimento da seara cristã, sem essa floração magnífica do Evangelho, por toda parte, não poderiam chegar ao tempo dos frutos e da colheita, que viria mais tarde, quando se cumprisse a Promessa do Consolador.
Na França e na Suíça, Zwinglio e Calvino se incumbiram de dar prosseguimento à Reforma, que se estendeu rapidamente aos Países Baixos e à Escócia. Calvino parece ter sentido ainda, mais fundamento que Lutero, a necessidade de libertar o Cristianismo da asfixia dos símbolos. Apegou-se, entretanto, ao dogma da predestinação, e seu fanatismo atingiu às raias da brutalidade, com terríveis episódios de violência. Não obstante, sua contribuição resultou no vigoroso surto do liberalismo protestante, iluminado pela influência do criticismo kantiano. Na Inglaterra, a libertação do domínio papal, efetuada por Henrique VIII e consolidada pela rainha Elisabete, não chegou a atingir a profundidade das reformas de Lutero e Calvino. A igreja Anglicana, dominada pelo soberano nacional, conservou enorme acervo da herança medieval.
De qualquer maneira, a reforma estendeu-se por toda parte, deitou raízes na América, e obrigou a Igreja a também se reformar, através do Concílio de Trento, em suas três sessões sucessivas. O movimento da Contra-Reforma apresentou duas faces contraditórias: uma negativa, com a instituição do Santo Ofício, o estabelecimento da Inquisição; outra positiva, com o trabalho educacional da Companhia de Jesus. A primeira face correspondia à indignação do fanatismo ferido; a Segunda, à compreensão da inteligência eclesiástica, alertada pela prudência de Erasmo, de que novos tempos haviam surgido e novas aspirações sacudiam vigorosamente os povos. A impetuosidade de Lutero produzira os resultados necessários. O fogo ateado pelo Cristo se reacendera nos corações, até então amortalhados pela rotina secular. Uma nova terra e um novo céu começavam a aparecer, segundo a previsão apocalíptica. E a partir do século dezoito, o clima estava preparado para o segundo grande passo do Cristianismo, que seria dado com a superação do literalismo; a libertação do espírito. Caberia a Kardec, a serviço do Consolador, libertar da letra que mata o espírito que vivifica.

RUPTURA DO ARCABOUÇO LITERAL

A posição do Espiritismo, em face dos textos sagrados do Cristianismo, parece ambígua. Ao mesmo tempo em que se apóia nos textos, a doutrina, a partir de Kardec, e por seus mais autorizados divulgadores, também os critica. Nada mais coerente com a natureza declaradamente racional do Espiritismo, com a sua orientação analítica, e portanto científica. A ambigüidade apontada pelos opositores não é mais do que o uso da liberdade de exame, sem o qual o Espiritismo teria de submeter-se ao dogmatismo literalista, incapaz de libertar, da prisão da letra, o espírito que vivifica. Admitir o absolutismo das Escrituras seria frustrar a evolução do Cristianismo, nos rumos da plena espiritualidade, que constitui ao mesmo tempo a sua essência e o seu destino, o seu objetivo.
O Cristianismo Primitivo aprendera a libertar das escrituras judaicas o seu conteúdo espiritual, como vemos nas epístolas apostólicas e nos próprios textos evangélicos. Estes textos, por sua vez, apresentam-se na forma livre de anotações, testemunhando a liberdade espiritual do ensino do Cristo, que não se prendia a nenhum esquema literal dotado de rigidez. Não obstante, o cristianismo medieval construiu um rígido arcabouço literal, no qual prendeu e abafou, sob os demais arcabouços da imensa construção da Igreja, a essência dos ensinos cristãos, o seu livre espírito. A Reforma, rompendo os arcabouços da superestrutura, não teve forças para romper o da infra-estrutura, por entender que neste se encontrava a base do Cristianismo. Romper o arcabouço literal seria como destruir os alicerces do edifício.
Era natural que assim acontecesse, pois os reformadores do Renascimento não poderiam ir até as últimas conseqüências. Primeiro, porque a sua ação estava naturalmente limitada pelas possibilidades da época; e depois, porque ela se destinava a preparar condições para o novo impulso a ser dado. Somente o reconhecimento das manifestações espíritas, o estudo desses fenômenos e a aceitação racional das comunicações esclarecedoras, dadas por via mediúnica, poderiam levar ao rompimento do arcabouço literal, última forma concreta em que o espírito cristão se refugiava. Podemos compreender o apego dos literalistas à "Palavra de Deus", quando nos lembramos dessa lei de inércia que nos amarra aos velhos hábitos. Melhor ainda o compreendemos, ao pensar na sensação de insegurança que devem ter sentido os reformistas, na proporção em que demoliam os arcabouços do velho e poderoso edifício, no qual por tantos séculos se abrigara a fé de seus antepassados e a deles mesmos.
O Cristo ensinara, com absoluta clareza, segundo as anotações evangélicas, que precisávamos perder a nossa vida, para encontrá-la. "Porque o que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas o que a perder por amor de mim, esse a salvará" (Lucas, IX,24.) Ou ainda: "O que acha a sua vida, a perde; mas o que a perde por minha causa, esse a acha."(Mateus, X, 39.) A lição individual se aplica no plano coletivo. Os cristãos medievais se apegaram aquilo que consideravam como a sua própria vida: os hábitos religiosos antigos, os formalismos que pareciam dar-lhes segurança. Os cristãos reformistas se apegaram aos textos. Mas para encontrar a vida, era necessário ainda um último desapego, a libertação final, que devolveria ao Cristianismo a sua essência desfigurada pelas amoldagens humanas. O Cristianismo tinha também de ouvir a lição do Cristo: perder a sua vida formal e literal, para encontrá-la em espírito e verdade.
Coube ao Consolador, como o próprio Cristo anunciara, a tarefa de produzir esse rompimento final. "Em verdade vos digo - anunciou o Espírito da Verdade - que são chegados os tempos em que todas as coisas devem ser restabelecidas no seu exato sentido, para dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos". Em O livro dos Espíritos na resposta dada à pergunta 627, encontramos a mesma afirmação, com maiores esclarecimentos. Não só os textos sagrados do Cristianismo, mas todos os grandes textos sagrados e sistemas filosóficos, afirma o Espírito, "encerram os germens de grandes verdades", que podem ser libertados, "graças à chave que o Espiritismo fornece". Na introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo, logo nas primeiras linhas, Kardec oferece um exemplo da maneira pela qual o espiritismo "quebra a noz para tirar a amêndoa", segundo uma sua expressão. O respeito aos textos não se refere à forma, mas ao conteúdo. O Espiritismo respeita a essência, os ensinos contidos na letra, o espírito que nelas se incorpora, e não a própria letra.
Analisando os textos evangélicos, Kardec afirma: "a matéria contida nos Evangelhos pode ser dividida em cinco partes: os atos ordinários da vida do Cristo; os milagres; as profecias; as palavras que serviram para o estabelecimento dos dogmas da Igreja; e o ensino moral. As quatro primeiras serviram para controvérsias, mas a última subsiste inatacável". Logo mais, esclarece: "Essa parte constitui o objeto exclusivo da presente obra". A noz foi quebrada e a amêndoa retirada. O arcabouço literal foi rompido, para que o espirito se libertasse da letra.
Os próprios adeptos do Espiritismo, em geral, não percebem a grandeza dessa atitude e lamentam que Kardec não fizesse um estudo minucioso dos textos, analisando vírgula por vírgula. Outros, achando que Kardec fez pouco, preferem embrenhar-se no cipoal de Os Quatro Evangelhos, de Roustaing, aceitando as mais esdrúxulas interpretações de passagens evangélicas. Tudo por quê? Simplesmente porque continuam "apegados a sua vida", subjugados pela fascinação da letra, em vez de se entregarem ao espírito dos ensinos, que Kardec libertou, num trabalho inspirado e orientado pelas mais elevadas forças espirituais que o nosso mundo já teve a oportunidade de conhecer.
As escrituras são encaradas pelo Espiritismo como elaborações proféticas, ou seja, como produtos mediúnicos das chamadas épocas de revelação. Nessas épocas, que assinalaram os momentos decisivos, ou pelo menos importantes, da evolução humana, as figuras proféticas de Hermes, de Moisés, de Buda, de Maomé, revelaram aos homens alguns aspectos ocultos do processo da vida, ensinando-lhes princípios de orientação espiritual. Todas as escrituras sagradas, por isso mesmo, "encerram os germens de grandes verdades". Nos livros do Cristianismo, que incluem os livros fundamentais do Judaísmo, esses germens aparecem de maneira mais acessível a nós, por se dirigirem especialmente ao nosso tempo, através do processo histórico da evolução cristã.
É nesse sentido que o Espiritismo respeita as escrituras, e nelas se apóia, para confirmar a sua própria legitimidade, mas a elas não se escraviza. Pelo contrário, o Espiritismo recebe as escrituras como um acervo cultural, do qual retira as energias criadoras, as forças vitais condensadas em suas formas, para reelaborá-las em novas expressões de espiritualidade. É assim que o Cristianismo se liberta e se renova, na expansão de suas mais profundas e poderosas energias, para libertar e renovar o mundo.

J. Herculano Pires

endereço - http://tamoporai.blogspot.com/2009/11/ruptura-dos-arcaboucos-religiosos.html

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domingo, 19 de setembro de 2010

RUY BARBOSA FOI ESPÍRITA?


Luciano dos Anjos e Hermínio C. Miranda

Já tivemos oportunidade de comentar o livro “Comunicações Mediúnicas entre os Vivos”, do cientista italiano Ernesto Bozzano, que relata e estuda algumas dezenas de casos em que o Espírito de pessoas encarnadas se manifesta através de outras pessoas encarnadas. O fenômeno exige, ao que parece, uma mediunidade especial, ainda pouco pesquisada, mas de grande interesse cientifico. Há manifestações espontâneas, ocorridas em plena sessão espírita, enquanto outras são provocadas da parte do médium, que solicita a presença do Espírito encarnado com o qual entra em relação, por meio da psicografia ou da tiptologia.

Segundo Bozzano, quem também possuiu essa faculdade desenvolvida em alto grau foi o famoso jornalista britânico William Stead que, na cobertura da Conferência de Haia, tornou-se amigo pessoal de Ruy Barbosa.

A propósito de Ruy, aliás, há um relato bastante curioso e não muito conhecido, que nos leva a admitir que o eminente brasileiro, se não teve suas simpatias pelo Espiritismo, pelo menos tomou conhecimento de uma parte bem importante da sua literatura e de alguns fenômenos que devem tê-lo feito pensar a sério sobre o assunto.

Ao que se sabe, sua biblioteca incluía livros declaradamente espíritas, como do próprio Bozzano, além de outros de autoria de Léon Denis, Camille Flammarion, Arthur Conan Doyle, William Crookes, Oliver Lodge, todos eles estudiosos do problema e convictos da legitimidade dos postulados espíritas.

Acha ainda o Dr. Sérgio Valle que o conhecido “Tratado de Metapsíquica”, de Charles Richet, teria sido a última obra lida por Ruy.

Por outro lado, na famosa “Oração aos Moços”, o grande tribuno brasileiro deixa entrever a sua certeza não apenas da sobrevivência do Espírito, como da comunicabilidade entre Espíritos e homens. Teria Ruy praticado esse intercâmbio?

Pelo menos um episódio ficou documentado e perece ter tocado profundamente o coração do baiano ilustre, e se deu justamente com o Espírito do seu amigo William Stead. O caso foi narrado, em novembro de 1952, por Ataliba Nogueira, numa conferência pronunciada em Campinas e reproduzida no “Jornal do Comércio” de 8 daquele mês e ano.

Achava-se Ruy numa estação de águas, em Minas Gerais, e já se recolhera ao leito, quando um grupo de senhoras e moças lembrou-se de propor uma experiência com o “copo” uma das formas rudimentares de comunicação mediúnica. Formou-se o círculo, com o alfabeto disposto à volta da mesa e o copo ao centro. A esses preparativos assistia, meio irônico, o historiador Batista Pereira, genro de Ruy. Ataliba Nogueira, devido à sua posição religiosa, reprova a “brincadeira”. De repente, porém, Batista Pereira, de pé, observa que o copo denotava “alguma inquietação”. Em pouco, entrou a indicar as letras, que alguém foi anotando, sem saber ainda ao certo o que sairia dali. Por fim, decifraram o enigma: tratava-se de uma mensagem, em inglês, dirigida a Ruy Barbosa. A coisa era tão insólita que, depois de alguma hesitação, o próprio Batista Pereira opinou que deveriam levar o caso ao conhecimento de Ruy. O Conselheiro atende-os à porta dos seus aposentos, em pijama, e lê a mensagem, visivelmente emocionado.

- É o estilo dele – exclama -, o estilo perfeito. E o assunto! O mesmo que conversamos em nossa despedida em Haia. A mensagem somente poderia ter uma origem – William Stead.

Naquele dia, os jornais noticiaram que Stead havia morrido no trágico naufrágio do navio “Titanic”. Viera, pois, desembaraçado do corpo físico, trazer ao seu amigo brasileiro o testemunho da sua sobrevivência.

Ataliba Nogueira conclui a narrativa declarando, algo perplexo, que Ruy “acreditava nestas histórias do Espiritismo”.

E como não haveria de crer se submetera seus postulados básicos ao exame competente de sua inteligência excepcional?

Fonte: Livro “Crônicas de Um e de Outro – De Kennedy ao Homem Artificial”


texto - http://www.terraespiritual.locaweb.com.br/espiritismo/artigo2054.html

imagem - miniweb.com.br

sábado, 11 de setembro de 2010

A BIOÉTICA E O PARADIGMA ESPÍRITA


O progresso científico nos faz crer que estamos rompendo as fronteiras do impossível e a ousadia dos cientistas parece atropelar a ficção e provocar uma rotura no mito da criação. A cada nova descoberta que nos surpreende ficamos com a impressão de que estamos indo longe demais e o sistema de frenagem parece que ficou fora do nosso alcance. Cada descoberta, no entanto, revela o paradoxo que expõe com mais ênfase as nossas contradições : o que passamos a saber demonstra com mais força o que ainda não sabemos.

Identificamos as sub-partículas da matéria, sua equivalência com a energia e dissecamos um feixe de luz em ondas e em “quantas” de energia. Desconhecemos, porém, qual é a essência da energia, de onde provem a matéria que nos impressiona e não temos ainda uma noção muito segura dos fundamentos do Universo.

Dissecamos a célula, recombinamos sua química, traduzimos seu código reprodutor e ousamos alterar o abecedário genético. Podemos fazer cópias de qualquer forma de vida e dotá-las de aparências ou aptidões previamente escolhidas. Desconhecemos porém qual é a essência que produz a vida e de onde provém esta força que dá vida às células. Não temos, também, uma noção muito segura dos fundamentos que nos apontam qual é a origem da vida.

Os aparelhos de ultra-som nos permitem “ver” a criança dentro do útero em três dimensões. Podemos identificar seus defeitos estruturais confirmando precocemente a existência de malformações fetais.A biópsia das células da cavidade amniótica dentro do útero nos dão um registro de identidade da criança bem antes dela nascer. Ficam assim, os pais e o médico com a possibilidade de decidir sobre o ônus de continuar ou não a gestação de uma criança que se apresentará com paralisias ou retardo pela vida toda. Precisamos saber, porém, se interromper esta vida não significa perturbar o desenrolar de uma outra vida que transcende as expressões da matéria, para a qual, a deformação física faz parte das suas necessidades. Não há como fazermos esta pergunta para esta criança antes que ela venha ao mundo, mas sabemos que as que estão entre nós, mesmo ferindo suas pernas quando tentam caminhar, contorcendo suas mãos quando tentam escrever ou mastigando as palavras quando tentam falar, estas, mesmo assim, querem viver. E, se possível, de mãos dadas com as suas mães.

Os meios de cultura, os microscópios e os delicados instrumentos de manipulação das células nos permitiram lidar com o óvulo e o espermatozóide com a mesma facilidade com que Mendel combinou as flores e as ervilhas do seu jardim. As cores das ervilhas e das flores podem variar com a mesma facilidade com que podemos escolher o sexo, a cor da pele e a cor dos olhos para as nossas crianças. Estes filhos, porém, não trazem consigo, a certeza da felicidade, do respeito à vida ou a obediência aos pais quando estes souberam apenas fornecer o material genético que a reprodução assistida facilitou. Precisamos esclarecer se antecedendo a forma física não existe um ser transcendente cujas qualidades e aptidões nos são inteiramente desconhecidas.

Os equipamentos médicos de respiração assistida prolongam a vida de milhares de pacientes que a UTI teima em salvar. Os transplantes de órgãos dão ao paciente a oportunidade de um renascer na jornada da vida. Os imunossupressores controlam a rejeição nos transplantados e reduzem as respostas indesejadas em inúmeras doenças que a imunologia está esclarecendo a causa. Aplicações que atingem diretamente o sistema nervoso estão controlando dores terríveis que incomodam os pacientes com câncer. Estes progressos todos, porém, não conseguirão nunca solucionar o dilema da morte e do sofrimento que as vezes a antecede. Por outro lado, estes recursos que aliviam e prolongam a vida, podem, com a mesma competência, serem postos a disposição para decidir a data da morte ou a interrupção do sofrimento. O recurso da tecnologia veste a toga de juiz no médico que não sabe ver um sentido purificador de Almas quando a dor se torna crônica ou incontrolável. Precisamos saber se aliviar o sofrimento físico não precipita um compromisso maior ou se compromete um resgate que estaremos adiando.

O homem está acostumado a usar sua inteligência para fragmentar seus problemas e com isto poder dominá-los. Hoje, a extensão do nosso conhecimento nos permite perceber que esta separação “espedaça o complexo do mundo em fragmentos desconjuntados”,fraciona um problema específico mas cria um dilema gigantesco pela repercussão no todo. Este modelo de fragmentação e a competência tecnológica que ele proporcionou, não são suficientes para resolver as contradições do nosso mundo interior. Temos de rever nossas posições éticas com argumentos que extrapolem os limites e o alcance da Ciência. Principalmente, por que nos falta responder aquelas perguntas essenciais que esclareçam quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Nos dias de hoje estes dilemas nos parecem serem inadiáveis.

Os dilemas da ética de hoje nos empurraram precipitadamente para o aborto que descarta a criança malformada; a eutanásia que apressa a morte pressupondo alívio do sofrimento; a gestação de crianças sem vínculo afetivo com os pais; a manipulação genética que poderá escolher a aparência física; a vida psico-social do organismo completo, em contraposição à vida biológica de meia dúzia de células embrionárias fecundadas em laboratório. Parece que não nos damos conta de estarmos esticando ou cortando o fio da “teia da vida”.

Em 1857 Allan Kardec codificou uma Doutrina de bases científicas, filosóficas e religiosas. Entre seus princípios se afirma que a fé tem de se submeter ao critério de racionalidade. Seus enunciados científicos não se prendem às amarras de uma ciência que só consiga enxergar o mundo material que impressiona nossos limitados sentidos. Suas verdades estão sujeitas ao progresso humano que a própria Ciência tende a promover.

O seu conteúdo foi fornecido por Espíritos que acompanham e promovem o desenvolvimento da Humanidade. Eles afirmaram que somos todos Almas imortais que ocupamos provisoriamente um corpo físico que nos permite viver experiências que, de simples e ignorantes, nos tornarão sábios e puros de coração. Este processo de evolução se faz numa série incontáveis de reencarnações que se processam na Terra e em outros planos da criação divina.

Esta Doutrina nos revela que o aborto destrói a vida biológica e impede a reencarnação do espírito que habita este corpo desde a fecundação, comprometendo sua evolução espiritual.

A eutanásia adia o resgate e a reparação de débitos contraídos pelo espírito, cujo corpo sofre para possibilitar sua redenção. Isto não significa evitar meios de aliviar a dor ou o sofrimento, mas, de impedir que se utilize a morte como recurso terapêutico.

Cada um de nós recebe ao reencarnar, o corpo mais adequado às suas necessidades espirituais. A manipulação genética visando os benefícios e as dificuldades que este corpo venha a se manifestar, são estabelecidas por entidades espirituais que zelam por nosso progresso. A evolução do conhecimento humano vai possibilitar que o médico-cientista participe e favoreça nossas possibilidades físicas, mas, jamais nos livrará dos compromissos cármicos que nossos débitos pretéritos impõem como conta a pagar em nosso próprio benefício.

Nossa vinculação familiar já esteve ligada ao sobrenome ou aos títulos de nobreza. Hoje, está determinada pelos laços matrimoniais ou pela paternidade reconhecida no DNA. As técnicas de reprodução estão desmontando todos estes vínculos físicos,carnais,mas não conseguirão nos desfazer dos compromissos que deixamos de cumprir diante de irmãos de outras vidas, que mais cedo ou mais tarde, cruzarão nosso caminho, atraídos pela vibração que as algemas da culpa ou os laços de amor nos impulsionarem.

Ensinam os Espíritos que a reencarnação tem início no momento da fecundação através de processos complexos que exigem a “regressão” do corpo espiritual do reencarnante, a ordenação do patrimônio genético que ele vai receber e a conjunção de forças de atração exercidas pelos futuros pais. Esses Instrutores espirituais nos anteciparam que a fecundação e o desenvolvimento do embrião pode ocorrer sem a presença de um espírito assumindo este corpo. Este fato pode nos permitir imaginar que a fecundação em laboratório ocorre desprovida de um espírito em suas células e a gravidez só será bem sucedida quando a conjunção de diversos fatores ligados a participação de um espírito e a conjunção de vibrações dos pais promoverem a sintonia desta união.

Quando Allan Kardec perguntou aos Espíritos qual o nosso maior direito, eles responderam que é o direito de viver. A vida é a maior expressão da criação de Deus. Ainda não temos alcance suficiente para compreender a extensão da criação divina que expressa vida em tudo que existe. Os Espíritos, no entanto, ensinaram que o princípio inteligente deverá percorrer toda jornada de evolução, do átomo ao arcanjo.

Prof. Dr. Nubor Orlando Facure

*Nubor Orlando Facure, CRM-SP 11789, é diretor do Instituto do Cérebro de Campinas, e ex-professor titular de neurocirurgia da UNICAMP.


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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

KARDEC E NAPOLEÃO


ESPÍRITO IRMÃO X - Psic. F. C. Xavier
Livro “Cartas e Crônicas”


Logo após o 18 Brumário (9 de novembro de 1799) quando Napoleão se fizera o Primeiro-Cônsul da República Francesa, reuniu-se, na noite de 31 de dezembro de 1799, no coração da latinidade, nas Esferas Superiores, grande assembléia de Espíritos sábios e benevolentes, para marcarem a entrada significativa do novo século.

Antigas personalidades de Roma imperial, pontífices e guerreiros das Gálias, figuras notáveis da Espanha, ali se congregavam à espera do expressivo acontecimento.

Legiões dos Césares, com os seus estandartes, falanges de batalhadores do mundo gaulês e grupos de pioneiros da evolução hispânica, associados a múltiplos representantes das Américas, guardavam linhas simbólicas de posição de destaque.

Mas não sòmente os latinos se faziam representados no grande conclave. Gregos ilustres, lembrando as confabulações da Acrópole gloriosa, israelitas famosos, recordando o Templo de Jerusalém, deputações eslavas e germânicas, grandes vultos da Inglaterra, sábios chineses, filósofos hindus, teólogos budistas, sacrificadores das divindades olímpicas, renomados sacerdotes da Igreja Romana e continuadores de Maomet ali se mostravam, como em vasta convocação de forças da ciência e da cultura da Humanidade.

No concerto das brilhantes delegações que aí formavam, com toda a sua fulguração representativa, surgiam Espíritos de velhos batalhadores do progresso que voltariam à liça carnal ou que a seguiriam, de perto, para o combate à ignorância e à miséria, na laboriosa preparação da nova era da fraternidade e da luz.

No deslumbrante espetáculo da Espiritualidade Superior, com a refulgência de suas almas, achavam-se Sócrates, Platão, Aristóteles, Apolônio de Tiana, Orígenes, Hipócrates, Agostinho, Fénelon, Giodano Bruno, Tomás de Aquino, S. Luís de França, Vicente de Paulo, Joana D’Arc, Teresa d’Avila, Catarina de Siena, Bossuet, Spinoza, Erasmo, Mílton, Cristóvão Colombo, Gutemberg, Galileu, Pascal, Swedenborg e Dante Alighieri, para mencionar apenas alguns heróis e paladinos da renovação terrestre; e, em plano menos brilhante, encontravam-se, no recinto maravilhoso, trabalhadores de ordem inferior, incluindo muitos dos ilustres guilhotinados da Revolução, quais Luiz XVI, Maria Antonieta, Robespierre, Danton, Madame Roland, André Chenier, Bailly, Camille Desmoulins e grandes vultos como Voltaire e Rousseau.

Depois da palavra rápida de alguns orientadores eminentes, invisíveis clarins soaram na direção do plano carnal e, em breves instantes, do seio da noite, que velava o corpo ciclópico do mundo europeu, emergiu, sob a custódia de esclarecidos mensageiros, reduzido cortejo de sombras, que pareciam estranhas e vacilantes, confrontadas com as feéricas irradiações do palácio festivo.

Era um grupo de almas, ainda encarnadas, que, constrangidas pela Organização Celeste, remontavam à vida espiritual, para a reafirmação de compromissos.

À frente, vinha Napoleão, que centralizou o interesse de todos os circunstantes. Era bem o grande corso, com os seus trajes habituais e com o seu chapéu característico.

Recebido por diversas figuras da Roma antiga, que se apressavam em oferecer-lhe apoio e auxílio, o vencedor de Rivoli ocupou radiosa poltrona que, de antemão, lhe fora preparada.

Entre aqueles que o seguiam, na singular excursão, encontravam-se respeitáveis autoridades reencarnadas no Planeta, como Beethoven, Ampère, Fúlton, Faraday, Goethe, João Dálton, Pestalozzi, Pio VII, além de muitos outros campeões da prosperidade e da independência do mundo.

Acanhados no veículo espiritual que os prendia à carne terrestre, quase todos os recém-vindos banhavam-se em lágrimas de alegria e emoção.

O Primeiro-Cônsul da França, porém, trazia os olhos enxutos, não obstante a extrema palidez que lhe cobria a face. Recebendo o louvor de várias legiões, limitava-se a responder com acenos discretos, quando os clarins ressoaram, de modo diverso, como se se pusessem a voar para os cimos, no rumo do imenso infinito...

Imediatamente uma estrada de luz, à maneira de ponte levadiça, projetou-se do Céu, ligando-se ao castelo prodigioso, dando passagem a inúmeras estrelas resplendentes.

Em alcançando o solo delicado, contudo, esses astros se transformavam em seres humanos, nimbados de claridade celestial.

Dentre todos, no entanto, um deles evultava em superioridade e beleza. Tiara rutilante brilhava-lhe na cabeça, como que a aureolar-lhe de bênçãos o olhar magnânimo, cheio de atração e doçura. Na destra, guardava um cetro dourado, a recamar-se de sublimes cintilações...

Musicistas invisíveis, através dos zéfiros que passavam apressados, prorromperam num cântico de hosanas, sem palavras articuladas.

A multidão mostrou profunda reverência, ajoelhando-se muitos dos sábios e guerreiros, artistas e pensadores, enquanto todos os pendões dos vexilários arriavam, silenciosos, em sinal de respeito.

Foi então que o grande corso se pôs em lágrimas e, levantando-se, avançou com dificuldade, na direção do mensageiro que trazia o báculo de ouro, postando-se, genuflexo, diante dele.

O celeste emissário, sorrindo com naturalidade, ergueu-o, de pronto, e procurava abraçá-lo, quando o Céu pareceu abrir-se diante de todos, e uma voz enérgica e doce, forte como a ventania e veludosa como a ignorada melodia da fonte, exclamou para Napoleão, que parecia eletrizado de pavor e júbilo, ao mesmo tempo:

- Irmão e amigo ouve a Verdade, que te fala em meu espirito! Eis-te à frente do apóstolo da fé, que, sob a égide do Cristo, descerrará para a Terra atormentada um novo ciclo de conhecimento...

César ontem, e hoje orientador, rende o culto de tua veneração, ante o pontífice da luz! Renova, perante o Evangelho, o compromisso de auxiliar-lhe a obra renascente!...

Aqui se congregam conosco lidadores de todas as épocas. Patriotas de Roma e das Gálias, generais e soldados que te acompanharam nos conflitos da Farsália, de Tapso e de Munda, remanescentes das batalhas de Gergóvia e de Alésia aqui te surpreendem com simpatia e expectação... Antigamente, no trono absoluto, pretendias-te descendente dos deuses para dominar a Terra e aniquilar os inimigos... Agora, porém, o Supremo Senhor concedeu-te por berço uma ilha perdida no mar, para que te não esqueças de pequenez humana e determinou voltasses ao coração do povo que outrora humilhaste e escarneceste, a fim de que lhe garantas a missão gigantesca, junto da Humanidade, no século que vamos iniciar.

Colocado pela Sabedoria Celeste na condição de timoneiro da ordem, no mar de sangue da Revolução, não olvides o mandato para o qual foste escolhido.

Não acredites que as vitórias das quais foste investido para o Consulado devam ser atribuídas exclusivamente ao teu gênio militar e político. A Vontade do Senhor expressa-se nas circunstâncias da vida. Unge-te de coragem para governar sem ambição e reger sem ódio. Recorre à oração e à humildade para que te não arrojes aos precipícios da tirania e da violência!...

Indicado para consolidar a paz e a segurança, necessárias ao êxito do abnegado apóstolo que descortinará a era nova, serás visitado pelas monstruosas tentações do poder.

Não te fascines pela vaidade que buscará coroar-te a fronte... Lembra-te de que o sofrimento do povo francês, perseguido pelos flagelos da guerra civil, é o preço da liberdade humana que deves defender, até o sacrifício. Não te macules com a escravidão dos povos fracos e oprimidos e nem enlameies os teus compromissos com o exclusivismo e com a vingança!...

Recorda que, obedecendo a injunções do pretérito, renasceste para garantir o ministério espiritual do discípulo de Jesus que regressa à experiência terrestre, e vale-te da oportunidade para santificar os excelsos princípios da bondade e do perdão, do serviço e da fraternidade do Cordeiro de Deus, que nos ouve em seu glorificado sólio de sabedoria e de amor!

Se honrares as tuas promessas, terminarás a missão com o reconhecimento da posteridade e escalarás horizontes mais altos da vida, mas, se as tuas responsabilidades forem menosprezadas, sombrias aflições amontoar-se-ão sobre as tuas horas, que passarão a ser gemidos escuros em extenso deserto...

Dentro do novo século, começaremos a preparação do terceiro milênio do Cristianismo na Terra.

Novas concepções de liberdade surgirão para os homens, a Ciência erguer-se-á a indefiníveis culminâncias, as nações cultas abandonarão para sempre o cativeiro e o tráfico de criaturas livres e a religião desatará os grilhões do pensamento que, até hoje, encarceram as melhores aspirações da alma no inferno sem perdão!...

Confiamos, pois, ao teu espírito valoroso a goverança política dos novos eventos e que o Senhor te abençoe!...

Cânticos de alegria e esperança anunciaram nos céus a chegada do século XIX e, enquanto o Espírito da Verdade, seguido por várias coortes resplandecentes, voltava para o Alto, a inolvidável assembleia se dissolvia...

O apóstolo que seria Allan Kardec, sustentando Napoleão nos braços, conchegou-o de encontro ao peito e acompanhou-o, bondosamente, até religá-lo ao corpo de carne, no próprio leito.

Em 3 de outubro de 1804, o mensageiro da renovação renascia num abençoado lar de Lião, mas o Primeiro-Cônsul da República Francesa, assim que se viu desembaraçado da influência benéfica e protetora do Espírito de Allan Kardec e de seus cooperadores, que retomavam, pouco a pouco, a integração com a carne, confiantes e otimistas, engalanou-se com a púrpura do mando, e, embriagado de poder, proclamou-se Imperador, em 18 de maio de 1804, ordenando a Pio VII viesse coroá-lo em Paris.

Napoleão, contudo, convertendo celeste concessões em aventuras sanguinolentas, foi apressadamente situado, por determinação do Alto, na solidão curativa de Santa Helena, onde esperou a morte, enquanto Allan Kardec, apagando a própria grandeza, na humildade de um mestre-escola, muita vez atormentado e desiludido, como simples homem do povo, deu integral cumprimento à divina missão que trazia à Terra, inaugurando a era espírita-cristã, que, gradativamente, será considerada em todo os quadrantes do orbe como a sublime renascença da luz para o mundo inteiro.


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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A PEDAGOGIA DE JESUS


O pensamento pedagógico, orientador dos processos educacionais superiores, resulta da reflexão sobre os problemas da educação. Jesus não era um educador no sentido comum da palavra. Não possuía, como homem, nenhum experiência educativa. Sua profissão era a do pai, segundo a tradição familiar: carpinteiro. Deixando de lado os problemas referentes à sua origem e natureza divinas e encarando humanamente os fatos poderíamos falar numa Pedagogia de Jesus?

A História nos mostra o aparecimento de gênios que superaram por si mesmos as deficiências de sua formação cultural e deram lições aos mestres qualificados. Esse é um capítulo que constitui verdadeiro mistério da Ontogênese, a ciência que trata da formação dos seres. Mas no Espiritismo o problema se esclarece facilmente com a lei da reencarnação. Esta lei nos explica que os espíritos se encarnam em diferentes graus de evolução, o que por sua vez explica as vocações que superam o meio cultural em que nascem certas criaturas e consequentemente resolve o problema da genialidade.

O que revela a existência de um pensamento pedagógico na orientação educacional dada por um mestre não são os seus títulos, são as coordenadas e a estrutura do seu ensino. Toda pedagogia se funda numa filosofia. No caso de Jesus a filosofia básica é a dos Evangelhos. Essa filosofia, que é a própria essência do Cristianismo, fornece a Jesus as diretrizes e dela resulta o reconhecimento, já largamente efetuado no plano pedagógico, de uma verdadeira Pedagogia de Jesus.

Francisco Arroyo, em sua monumental "História Geral da Pedagogia", sustenta o seguinte: "Com o Cristianismo aparece um novo tipo histórico de educação. –– Jesus é o modelo perfeito do mestre cristão. Clemente de Alexandria chama-o de Pedagogo da Humanidade". O mesmo autor nos fornece esta breve mas expressiva lista de obras a respeito: "Cristo como mestre e educador, de S. Raue, Berlim, 1902; "Didática de Cristo", Metzler, publicado em Kempton, 1908; "Jesus, educador de seus apóstolos", G. Delbrel, Paris, 1916".

Os historiadores da Educação e da Pedagogia, entre os quais Monroe, Hubert, Luzuriaga, Marrou, Riboulet, Messer, Bonatelli, todos reconhecem a existência de uma Pedagogia de Jesus que deu origem às várias formas da Pedagogia Cristã, nascida, como nota Arroyo, entre as formas pedagógicas da Humanitas latina e da Paidéia grega. Não se trata, pois, de uma novidade ou de um problema controverso, mas de assunto pacífico no campo pedagógico.

Fundamentos pedagógicos

Os fundamentos pedagógicos do ensino de Jesus estão na sua concepção do mundo, abrangendo o homem e a vida. Essa cosmovisão se opõe à concepção pagã e à concepção judaica. Jesus, assim, não é apenas um reformador religioso, mas um filósofo na plena acepção da palavra. Ele modifica a visão antiga do mundo e essa modificação atinge a todas as filosofias do tempo, não obstante os pontos de concordância existentes com várias delas. Bastaria isso para nos mostrar, à luz da Ciência da Educação, a legitimidade da tese que inclui Jesus entre os grandes educadores e pedagogos, colocando-o mesmo à frente de todos. Não se trata de uma posição religiosa, mas de uma constatação científica.

A comparação entre a idéia de Deus do Velho Testamento e a idéia de Deus do Novo Testamento mostra-nos a diferença entre o mundo judeu e o mundo cristão. O Deus de Jesus é o pai de todas as criaturas, sem distinção de raças ou posições sociais. Essa paternidade universal determina a fraternidade universal. O Deus-Pai do Evangelho não é vingativo nem irado, não comanda exércitos para destruir povos e nações, mas ama a todos os seus filhos, quer a salvação de todos e a todos concede o seu perdão generoso. Como diria Paulo mais tarde, o tempo da lei e da força fora substituído pelo tempo da graça e do amor.

Os deuses olímpicos, cheios de paixões humanas, e os deuses brutais dos fenícios e dos babilônios, os deuses monstruosos dos egípcios, dos indianos e dos chineses são substituídos pelo Deus-amor e paternal do Evangelho. O próprio Jeová irascível dos judeus, ciumento e vingativo, perde o seu poder sobre o mundo. Os pobres, os doentes, os sofredores, os escravos deixam de ser os condenados dos deuses e passam à categoria de bem-aventurados. A virtude não está mais na bravura e no heroísmo sangrento de gregos e romanos, mas na paciência e no perdão. Dar é melhor do que conquistar, humilhar-se é melhor do que vangloriar-se, responder ao mal com o bem é a regra da verdadeira pureza espiritual . Os mortos não estão mortos, nem mergulhados nas entranhas da terra à espera do juízo final, mas estão mais vivos que os vivos.

Da velha lei judaica não é modificado um só ponto referente ao bom procedimento do homem da Terra, mas tudo o mais é substituído pelo contrário. O culto a Deus é virado pelo avesso: nada mais de sacrifícios materiais, de rituais simbólicos, de privilégios sacerdotais. O único sacrifício é o das más paixões, do orgulho, da arrogância, da cupidez. A vaidade e a ambição devem dar lugar à humildade e à renúncia. A ignomínia da cruz transforma-se em santificação. As pitonisas e os oráculos são substituídos pelas manifestações mediúnicas das reuniões evangélicas, como vemos em Paulo, I Coríntios.

O objetivo da vida humana não é mais a conquista do céu pelo violência, mas a implantação do Reino de Deus na Terra. As riquezas e o poder não são coisas desejáveis e invejáveis, mas fascinações perigosas que podem levar a criatura humana à perdição. As crianças não são desprezíveis, mas as preferidas de Deus, e para nos tornarmos dignos d'Ele temos de nos fazer crianças. Matar os pequeninos, os inocentes, os indefesos não é prova de valentia e de coragem, mas crime aos olhos de Deus.

Não se consegue a salvação pela obediência à lei e pelos rituais do culto (as obras da lei), mas pelo aperfeiçoamento do espírito, pela purificação do coração, pela educação integral da criatura. Por isso é preciso nascer de novo –– não em forma simbólica, mas naquele sentido que Nicodemos não podia compreender: nascer da água e do espírito (a água era o símbolo da matéria, do poder fecundante e gerador), nascer para se redimir, não da desobediência de Adão e Eva, mas dos seus próprios erros, como aconteceu ao cego de Jericó, como sucedera a Elias reencarnado em João Batista.

A pedagogia da esperança

Desses princípios fundamentais resultava logicamente a Pedagogia da Esperança. A educação não era mais o ajustamento do ser aos moldes ditados pelos rabinos do Templo, a imposição de fora para dentro da moral farisaica, mas o despertar das criaturas para Deus através dos estímulos da palavra e do exemplo. A salvação pela graça não era um privilégio de alguns, mas o direito de todos. Jesus ensinava e exemplificava e seus discípulos faziam o mesmo. Chamava as crianças a si para abençoá-las e despertar-lhes, com palavras de amor, os sentimentos mais puros. Nem os apóstolos entenderam aquela atitude estranha: um rabi cheio da sabedoria da Torá perder tempo com as crianças ao invés de ensinar coisas graves aos homens. Mas Jesus lhes disse: "Deixai vir a mim os pequeninos, porque deles é o Reino dos Céus".

Sua condição de mestre é afirmada por ele mesmo: "Vós me chamais mestre e senhor, e dizeis bem, porque eu o sou". Sim, ele é o mestre do Mundo, o senhor dos homens, de todos os homens, sem qualquer distinção. Cada criatura humana é para ele um educando, um aluno, como escreveu o Dr. Sérgio Valle: "matriculado na Escola da Terra". Assim, a Terra não é mais o paraíso dos privilegiados e o inferno dos condenados. É a grande escola em que todos aprendemos, em que todos nos educamos. A Pedagogia da Esperança oferece a todos a oportunidade de salvação, porque a salvação está na educação.

Vejamos este expressivo trecho de Francisco Arroyo em sua "História Geral da Pedagogia":

"Jesus possui todas as qualidades do educador perfeito. Os recursos pedagógicos de que se serve conduzem o educando, com feliz e profunda alegria, à verdade essencial dos seus ensinos. Por isso pode sacudir e despertar a consciência adormecida do seu próprio povo, asfixiado sob o peso excessivo da lei mosaica e da política imperialista da época".

"Os ensinos de Jesus são sempre adaptados aos ouvintes. Ele pronuncia as suas palavras de forma compreensível para todos, sempre nas ocasiões mais oportunas. Recorre freqüentemente às imagens e parábolas, dando maior plasticidade às suas idéias".

"A Pedagogia do mestre é também gradual. Não cai jamais em precipitações que possam fazer malograr o aprendizado. Semeia e espera que as sementes germinem e frutifiquem: Tenho ainda muito a vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora".

"Como todo educador genial, Jesus emprega em alto grau a arte de interrogar, de expor, de excitar o interesse dos discípulos. Seus colóquios decorrem sempre num ambiente de incomparável simpatia. É digno, severo, paciente, segundo as circunstâncias e os interlocutores".

Os seus ensinos são claros e intuitivos. Cria figuras literárias e busca exemplos da vida cotidiana para esclarecer o seu pensamento. Aperfeiçoou a forma da parábola e revestiu-a de incomparável esplendor" (Riboulet).

"Seus ensinos têm um toque de autoridade (Eu sou o caminho , a verdade e a vida, todo o poder me foi concedido). Mas exerce com suavidade a sua autoridade. Responde com bondade aos contraditores de boa fé e com energia aos que querem combatê-lo".

A revolução pedagógica

Este quadro da didática de Jesus (aplicação da sua pedagogia) mostra-nos as raízes da revolução pedagógica do Cristianismo. Costuma-se dizer, e com razão, que Rousseau produziu uma revolução copérnica na educação. Mas a seiva de toda a Pedagogia de Rousseau foi bebida na Pedagogia de Jesus. O "Emílio" começa por esta frase: "Tudo está certo ao sair das mãos do Criador". Os homens, para Rousseau, nascem bons e puros, pois Deus é bondade e pureza. Mas ao entrarem nas relações sociais do mundo sofrem a queda na maldade e na impureza. É o dogma judeu da queda de Adão e Eva racionalizado numa interpretação cristã. Para Jesus a criança é pura e boa, mas o contato com os homens vai deformá-la e os homens precisam voltar a ser crianças para entrar no Céu.

A descoberta copérnica da psicologia infantil por Rousseau corresponde à diferença estabelecida por Jesus entre a criança e o homem. A respeito de Rousseau pelo desenvolvimento natural e gradual da criança, que não deve ser perturbado por exigências prematuras do ensino, eqüivale à condenação de Jesus para todos aqueles que violentarem "um desses pequeninos". A educação natural de Rousseau, seguindo a graduação necessária do desenvolvimento psicológico e orgânico, lembra o respeito de Jesus pelas condições evolutivas do homem nos seus vários estágios, guardando os ensinos mais profundos para mais tarde. É o que Arroyo chama "o método agógico da Pedagogia de Jesus".

Uma comparação mais rigorosa e pormenorizada provaria de sobejo que é Jesus o pai e o verdadeiro inspirador da Pedagogia Moderna. Houve naturalmente o interregno do medievalismo, quando as interpretações errôneas do Cristianismo e as infiltrações de idéias judaicas e pagãs na escola cristã a deformaram. Mas essa fase já havia sido prevista pelo Mestre e esse fenômeno confirma o seu respeito pelas leis naturais da evolução humana. A parábola do grão de trigo, ensino dialético do processo histórico, é suficiente para demonstrar isso. A parábola do fermento que leveda a farinha é outra confirmação.

E dessas duas parábolas, reforçadas pela promessa do Espírito da Verdade, que seria enviado ao mundo para restabelecer os seus ensinos, ressalta que a Pedagogia Espírita é a própria ressurreição, no tempo devido e previsto no Evangelho, da Pedagogia de Jesus. A Educação Espírita que renasce em espírito e verdade.

José Herculano Pires


FONTE: Pedagogia Espírita, Edição EDICEL.

IMAGEM: Internet

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

KARDEC E DARWIN


José Reis Chaves

Kardec e Darwin foram dois grandes cientistas que vieram ao mundo no alvorecer do Século 19. O primeiro, um médico francês e aluno de Pestalozzi, foi o Codificador do Espiritismo, o segundo era um naturalista e fisiologista inglês. Kardec pesquisou a evolução dos espíritos, Darwin, a dos corpos biológicos.

Nós somos espíritos imortais. E o Nazareno disse que nós devemos buscar a perfeição de Deus, o Pai. Nós somos hoje os espíritos dos homens de ontem, inclusive os dos homens das cavernas. E depois de inúmeras reencarnações, chegamos à evolução e perfeição em que nos encontramos atualmente. Se não houvesse evolução e as reencarnações que a possibilitam, seríamos forçados a pensar que Deus foi muito injusto com aqueles espíritos de outrora dos homens da caverna, que só teriam vivido mais como bichos do que como seres humanos propriamente ditos! A evolução é, pois, uma lei natural tão real como o é a da Gravidade, e é até sagrada.

A Igreja, como afirma o sábio francês padre François Brune, acredita na vida após a morte, ou a chamada vida eterna, mas na prática, tem agido como se ela não existisse, pois não a estuda, e é até contrária ao seu estudo. A mesma coisa se pode dizer dos nossos irmãos protestantes. Isso nos faz lembrar do que o Mestre afirmou, ao referir-se aos sacerdotes judeus de sua época: "Não entram no reino dos céus, e não deixam outros entrarem!". É necessário, pois, que os católicos e protestantes despertem também para o estudo do espírito, e não só do corpo, como vêm fazendo há séculos, pois o espírito é mais importante do que o corpo. "A carne para nada aproveita, o que importa é o espírito que dá vida" (João 6, 63).

Foi revolucionário o livro de Darwin: "Da Origem das Espécies" (1859), principalmente porque ele entrou em choque com as idéias da interpretação literal da Bíblia, quando a exegese e a hermenêutica ainda eram muito elementares e tímidas. A Igreja estava, pois, sem força moral para enfrentar aquele poderoso materialismo efervescente, após a Revolução Francesa, o que se agravava mais ainda pelo fato de ela estar, justamente naquela época, deixando a Inquisição. Foi quando surgiram também os não menos revolucionários livros científicos e espiritualistas de Kardec, entre eles o "O Livro dos Espíritos" (1857), os quais deram um verdadeiro "chega-pra-lá" nas idéias materialistas e anti-religiosas de Darwin e de seus contemporâneos Marx e Compte. Por isso dizemos com o escritor e pastor presbiteriano do Rio de Janeiro, Neemias Marien": "O maior reformador do Cristianismo não é Lutero, mas Allan Kardec." De fato, até Kardec, não se tinha feito ainda um estudo racional e científico da Bíblia.

Darwin foi um dos grandes cientistas da evolução da vida material, e Kardec o foi da evolução da vida do espírito na matéria e fora da matéria!


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quarta-feira, 1 de setembro de 2010

FILOSOFIA DA CIÊNCIA ESPÍRITA – IV - O ESPIRITISMO


Matheus Artioli Firmino


Kardec, o Galileu da Religião

No século XIX, como foi discutido no estudo anterior (Outubro), havia um movimento cultural bem definido. A Filosofia estabelecera-se como o ramo da reflexão humana, buscando as conseqüências dos fenômenos e, por análises sucessivas, remontar às causas. A Ciência tinha surgido inicialmente com Galileu ao propor um método de observações, repetições e, acima de tudo, interpretação matemática dos fenômenos. Mais tarde, muitos pensadores, "cientifizaram" diversas áreas do conhecimento, tornando-as de interpretação quantitativa. O Positivismo, uma corrente filosófica do século XIX, mostrara-se como uma "crença" de que todos os problemas humanos (sociais e morais) podem ser resolvidos apenas pela ciência e que as religiões, ainda grosseiramente não-racionais, deveria abandonar sua função consoladora para as ciências.

Os positivistas, porém, em sua maioria, eram bastante orgulhosos para mudar radicalmente seu padrão de idéias (paradigmas). Mas algo, no século XIX, abalou todos pilares conceituais da Ciência. Em 1848, enquanto a Europa estava em guerras nacionalistas internas, os Estados Unidos da América estavam em euforia. Nesse ano, foi descoberto ouro na Califórnia, acentuando o movimento migratório de pessoas de diversas áreas para o Oeste, além da imigração de estrangeiros. A família metodista Fox, John D. Fox (pai), Margareth (mãe), descolando-se do Canadá, mudara-se para a cidade de Hydisville, em busca de prosperidade. Ficaram em uma casa conhecidamente "mal-assombrada" pelos moradores locais. Pancadas e ruídos nos móveis, movimentos espontâneos de objetos, arremessos, tremores e trepidações eram freqüentes pela casa. Então, em 1848, as filhas do casal citado, as irmãs Margareth e Catherine, "desafiaram" a causa da perturbação, travando um diálogo codificado pelas pancadas. O inteligência identificando-se concordou em reproduzir suas pancadas em público. Mais tarde, toda a sociedade pensante nos Estados Unidos estavam investigando o fenômeno.

Alguns europeus interessados, mesmo sem presenciar o fenômeno, negaram a explicação oriunda da América de que as almas dos mortos eram a causa dos movimentos inteligentes espontâneos. Tentaram reproduzir o "espetáculo" da América com sucesso. Irradiando da França e da Alemanha, o estranho fato das "mesas girantes" ou "dança das mesas" tornou-se uma "febre" nos salões da Europa. Entreteve, por algum tempo, a curiosidade dos frívolos, até estes descobrirem outra moda. Contudo, as demonstrações desafiavam profundamente os positivistas. Como um corpo pesado poderia mover-se de tal forma, sem sequer alguém tocá-lo? Como soar batidas de dentro do móvel quando não há suspeita de fraude alguma? Como conceber pancadas combinando-se e produzindo respostas inteligentes, estranhas, desconhecidas e contraditória às idéias dos pesquisadores? Como aceitar que um corpo sólido atravessa outro? Como acreditar em aparições tangíveis de pessoas mortas formadas por "concentrações" de uma substância fluídica secretada de determinadas pessoas? E, o que mais confundia a negação dos positivistas, era a reprodução desses fenômenos diversos em diferentes lares e instituições, de diferentes países, de diferentes continentes, sob a sombra do Positivismo e da Ciência do século XIX racionalista.

Muitas explicações superficiais semi-racionais foram formuladas para negar a imortalidade da alma e a comunicação dos mortos, mas todas elas falharam e desapareceram devido a contradições intrínsecas e por não explicarem todos os fatos (ver O Livro dos Médiuns, item 36 e seguintes). Mesmo assim, até hoje, em pleno século XXI, materialistas, orgulhosos, pseudo-sábios "homens da ciência", amedrontados diante da inegável imortalidade da alma, reforçam que a comunicação com desencarnados, tão comum em todos os tempos, seria um fato maravilhoso e sobrenatural, por afastarem-se das leis naturais. Dessa forma, estamos ansiosos para que nos contem quais são elas, já que nós, pelo menos, não conhecemos todas as leis do Universo. Pelo contrário, houve um pensador no século XIX, no meio da explosão fenomênica exposta, disposto a estudá-la racionalmente, cientificamente (interpretações matemáticas), sem idéias pré-concebidas.

O professor pedagogo Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), natural da França, Lyon e de formação acadêmica em Yverdun, Suíça, com o célebre professor Pestalozzi, discípulo de Jean Jacques Rousseau, fazia parte da comunidade pensante de Paris, participando ativamente de diversos institutos científicos, notadamente da Academia Real d’Arras. Tendo conhecimento do fenômeno, longe de ser um entusiasta dessas manifestações e absorvido por outras preocupações, esteve a ponto de as abandonar, o que talvez tivesse feito se não fossem as solicitações dos Srs. Carlotti, René Taillandier, membro da Academia das Ciências, Tiedeman-Manthèse, Sardou, pai e filho, e Diddier, editor. Entretanto, o convite do Sr. Pâtier, seu amigo sério e objetivo, levou-o a conhecer, em 1855, as mesas responderem inteligentemente a perguntas formuladas na casa da Sra. Plainemaison, às terças-feiras, à noite. Anota o professor:

"Foi aí, pela primeira vez, que testemunhei o fenômeno das mesas girantes, que saltavam e corriam, e isso em condições tais que a dúvida não era possível.

"Aí vi também alguns ensaios muito imperfeitos de escrita mediúnica em uma ardósia com o auxílio de uma cesta. Minhas idéias estavam longe de se haver modificado, mas naquilo havia um fato que devia ter uma causa. Entrevi, sob essas aparentes futilidades e a espécie de divertimento que com esses fenômenos se fazia, alguma coisa de sério e como que a revelação de uma nova lei, que a mim mesmo prometi aprofundar.(...)"

Uma das primeiras observações e conclusões do emérito enciclopedista prof. Rivail foi a necessidade da presença de determinadas pessoas ("sensitivos") para facilitarem e intensificarem qualquer dos tipos de manifestações. Quanto à causa dos fenômenos:

"Apliquei a essa nova ciência, como até então o tinha feito, o método da experimentação; nunca formulei teorias preconcebidas; observava atentamente, comparava, deduzia as conseqüências; dos efeitos procurava remontar às causas pela dedução, pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo como válida uma explicação, senão quando ela podia resolver todas as dificuldades da questão.(...)

"Entrevi nesses fenômenos a chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do futuro, a solução do que havia procurado toda a minha vida; era, em uma palavra, uma completa revolução nas idéias e nas crenças; preciso, portanto, se fazia agir com circunspeção e não levianamente, ser positivista e não idealista, para me não deixar arrastar pelas ilusões."

E, desse modo, rejeitou a hipótese causal puramente material e espontânea, a hipótese dos gases invisíveis. "Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente". Pelas observações ficou claro a presença viva de inteligências invisíveis (algumas vezes bem visíveis) independentes (Espíritos). Os materiais e métodos eram inicialmente baseados nas pancadas das mesas. A seguir, adaptou-se um lápis em uma mesa em miniatura para facilitar a escrita. Trocaram-se as mesinhas por cestinhas, pranchetas e, mais tarde, notou-se que esses instrumentos eram apenas apêndices dos sensitivos e estes poderiam escrever mecanicamente com a própria mão, servindo de instrumento dos desencarnados.

Aplicando os métodos científicos tradicionais postulados por Galileu (vistos no estudo anterior), o Prof. Rivail "cientifizou" mais um ramo do conhecimento humano, até agora de domínio religioso. Os sensitivos, agora denominadas médiuns (intermediários), longe de serem pessoas predestinadas, endemoniadas, santificadas ou privilegiadas, são pessoas absolutamente normais. A interpretação quantitativa do problema é elegantemente simples: a mediunidade é uma faculdade humana orgânica, neurofisiológica, que possibilita a percepção de Espíritos (desencarnados). Todos temos essa faculdade conhecida de todos os tempos, mas ela varia quantitativamente na população humana por fatores genéticos, ambientais e culturais, de modo que somos todos mais ou menos médiuns, variando apenas em graus, e não em qualidade. Apenas pelo costume, chamam-se médiuns aqueles que expressam a faculdade por manifestações nas quais a comunicação dos Espíritos é mais claramente perceptível. A mediunidade, como objeto de estudos dessa nova Ciência, serviu de base para o Espiritismo, neologismo criado pelo Prof. Rivail para "A ciência que estuda a natureza, a origem e o destino dos Espíritos, bem como as suas relações com a matéria" (ver O que é o Espiritismo?). Reflete o pedagogo:

"Um dos primeiros resultados das minhas observações foi que os Espíritos, não sendo senão as almas dos homens, não tinham nem a soberana sabedoria, nem a soberana ciência; que o seu saber era limitado ao grau do seu adiantamento, e que a sua opinião não tinha senão o valor de uma opinião pessoal. Esta verdade, reconhecida desde o começo, evitou-me o grave escolho de crer na sua infalibilidade e preservou-me de formular teorias prematuras sobre a opinião de um só ou de alguns."

E essa é a diferença fundamental entre as religiões tradicionais e essa nova Ciência. Se recordarmos o processo histórico-cultural da formação das religiões, todas elas dependeram da comunicações com os mortos (estudo de Julho). Porém, usava-se o método da submissão à revelação dos Espíritos e os médiuns eram considerados enviados dos deuses para a salvação da humanidade ou, se a mensagem dos Espíritos desagradava o poder terreno, os médiuns eram massacrados por serem enviados dos demônios. O positivista Prof. Rivail, como se vê, tem outra opinião, adotando uma postura absolutamente natural: "Eu, pois, agi com os Espíritos como teria feito com os homens: eles foram, para mim, desde o menor até o mais elevado, meios de colher informações e não reveladores predestinados."

De fato, para a formulação dos ensaios, das leis e teorias da Ciência Espírita presente em O Livro dos Médiuns, houve uma equipe de cientistas composta de encarnados e desencarnados pesquisadores, chefiados pelo Prof. Rivail. Um desencarnado, denominando-se sr. Z., informa-lhe que o conhecia o conhecia em outra encanação, nas Gálias, época quando o professor chamava-se Allan Kardec. Muitos outros Espíritos ajudavam ativamente Kardec, dentre eles, São Luís.

As primeiras hipóteses para explicar como os desencarnados podem fazer as mesas dançarem foram exemplos expressivos dessa parceria científica. Kardec e colaboradores encarnados sugeriram que os desencarnados agissem mecanicamente sobre a matéria. Já que o corpo fluídico perispírito é semi-material e pode tornar-se tangível, é razoável pensar que eles próprios empurrassem as mesas com as mãos. Porém, qual seria, então, o papel dos médiuns? Os desencarnados apresentaram uma teoria completamente diferente, muito mais simples e explicativa (ver O Livro dos Médiuns, item 72 e seguintes), aceita por Kardec por ser mais racional. No entanto, houve vários casos em que comentários de desencarnados "de renome" foram rejeitados. O Espírito Lázaro, muito conhecido no Espiritismo por sua explicação sobre a sublimação dos instintos, sensações e sentimentos em Amor, escreveu comunicações contestáveis (ver Revista Espírita, 1862) a respeito do mesmo assunto.

E essa parceria desdobrou-se numa nova Ciência. Porém, era impossível conceber a novidade apenas pela ciência material mais grosseira. Uma vez que esses estudos criaram um método controlado de conversar com desencarnados, foi aberto um novo campo para reflexões profundamente filosóficas, com o potencial de responder perguntas fundamentais da criatura humana. Relata o codificador:

"Só o fato da comunicação com os Espíritos, o que quer que eles pudessem dizer, provava a existência de um mundo invisível ambiente; era já um ponto capital, um imenso campo franqueado às nossas explorações, a chave de uma multidão de fenômenos inexplicados. O segundo ponto, não menos importante, era conhecer o estado desse mundo e seus costumes, se assim nos podemos exprimir. Cedo, observei que cada Espírito, em razão de sua posição pessoal e de seus conhecimentos, desvendava-me uma fase desse mundo, exatamente como se chega a conhecer o estado de um país interrogando os habitantes de todas as classes e condições, podendo cada qual nos ensinar alguma coisa e nenhum deles podendo, individualmente, ensinar-nos tudo. Cumpre ao observador formar o conjunto, com o auxílio dos documentos recolhidos de diferentes lados, colecionados, coordenados e confrontados entre si."

Essas reflexões reunidas tornaram-se um corpo de doutrina filosófica baseada em princípios fundamentais da agora chamada Filosofia Espírita:

Existência de Deus: por deduções óbvias e axiomáticas, conclui-se a existência de uma causa primária de todas as coisas, com atributos infinitos em perfeição;
Imortalidade da alma: o novo método, como se disse, leva a esse corolário; filosoficamente, um Criador perfeito não governaria sobre carnes perecíveis;
Comunicabilidade dos Espíritos: é o próprio método de base; refletindo, Deus oferece essa oportunidade às criaturas com ou sem invólucro carnal;
Pluralidade das existências: além de haver evidências científicas, a reencarnação é conseqüência da Justiça infinita do Criador;
Pluralidade dos mundos habitados: também cientificamente indicado e é explicação única para a evolução do Espírito imortal e utilidade dos astros.
Inevitavelmente, como se poderia esperar, essas análises filosóficas conduziram o pensamento a posturas éticas da conduta humana. A dedução mais óbvia é a mudança de hábitos que tinham um embasamento racional dos materialistas. Diante da imortalidade e do entendimento melhor do Criador, formou-se uma atitude de religar a criatura ao Criador, justamente pela mudança ética e íntima do comportamento. A "Religião Espírita" como se caracteriza nesse momento, é o resultado, portanto, da transformação moral, porém interior, em busca da consciência universal de criatura imortal. Na prática, isso significa o reconhecimento da possibilidade de abandonar os rituais exteriores há muito ensinados, a concretização de uma fé racional "que enfrenta face a face a razão em todos os momentos da humanidade", e, no desenvolvimento intelecto-moral da criatura, a síntese de todas os deveres humanos na prática da Caridade. Não é curioso, desse modo, que a esmagadora maioria de todos os Espíritos comunicantes de todos os tempos, os do século XIX, do século XX, de hoje e de sempre, identificam-se como embaixadores de Cristo entre os homens. Perante esse horizonte agora candidamente percebido, nunca ficou tão claro a moral e os ensinos de Jesus e seu Evangelho como roteiro ideal na estrada do progresso espiritual.

O Espiritismo é, assim, resultado da ruptura da pedra sepulcral espalhando a Verdade pura. Articula-se como uma Religião racional eminentemente libertadora e consoladora com a proposta de restabelecer os ensinamentos do Cristo em bases fortes de uma nova ciência rigorosa e de uma doutrina filosófica amplamente esclarecedora das dúvidas e angústias humanas. Essa integração abrange qualquer cultura humana por desvendar a nossa origem, destino e natureza, bem como nossa relação com a matéria.


Referências bibliográficas:

Kardec, Allan (1999) A Gênese, 19a Edição. LAKE. Cap. I, III e XI.
Kardec, Allan (1999) O Livro dos Médiuns, 21a Edição. LAKE.
Kardec, Allan (1862) Revista Espírita.
Sausse, Henri. Biografia de Allan Kardec
Novembro / 2001



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