quinta-feira, 10 de maio de 2012

ENTENDENDO O CRIACIONISMO BÍBLICO VERSUS O EVOLUCIONISMO

O primeiro livro da Bíblia, a Gênese mosaica, traz em seu primeiro capítulo a história da criação. No capítulo 1, vers. 1 encontramos: “No princípio criou Deus os céus e a terra”. Já no capítulo 2, vers. 7 podemos observar a criação do homem: “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida; e o homem tornou-se alma vivente”. Ainda no mesmo capítulo 2, mas nos vers. 21 e 22 encontramos o aparecimento da mulher: “Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre o homem, e este adormeceu; tomou-lhe, então, uma das costelas, e fechou a carne em seu lugar; e da costela que o Senhor Deus lhe tomara, formou a mulher e a trouxe ao homem”.

Todos já devem ter ouvido, algum dia, esta história bíblica da criação dos céus, da terra, dos animais, do homem, da mulher, etc. À isto dá-se o nome de Criacionismo, ou seja, para toda criação houve um Criador, e Este seria Deus.

Até o século 19, o ocidente tinha o relato bíblico como a única explicação para o surgimento do planeta e de tudo que há nele, apesar de que na época, já haviam ocorrido algumas manifestações contrárias a esta forma de pensar, mas poucos tinham coragem de ir contra a influência da Igreja Romana.

Em 1859, o inglês Charles Darwin publicou o livro “A origem das espécies”. Antes dele, como foi dito anteriormente, outros cientistas já haviam sugerido que os seres vivos mudam ao longo do tempo. Mas Darwin, que fez observações de fósseis, plantas e animais durante uma viagem ao redor do mundo, foi o primeiro a propor uma explicação lógica para a evolução. Nascia aí uma visão científica do aparecimento do homem e de todos os animais: o Evolucionismo.

Segundo Darwin, os seres vivos evoluíram ao longo dos anos dando origem ao homem, aos animais e às plantas que observamos no meio ambiente. Disso decorre que as espécies mais bem adaptadas às mudanças do ambiente sobreviveriam e transmitiriam para os descendentes esta melhor adaptação. Enquanto que as espécies que não obtiveram esta adaptação foram desaparecendo. É por isso que até hoje encontramos fósseis de animais que viveram a milhares ou a milhões de anos atrás.

Pode-se, a partir daí, perceber o embate que apareceu entre Criacionismo e Evolucionismo. De um lado, religiosos classificando os cientistas de hereges. De outro, toda uma comunidade científica se aprofundando sobre a questão da formação do Universo, do planeta Terra e dos seres vivos.

Para alguns teólogos, o planeta teria em torno de 6500 anos. Para os cientistas, a média seria de 5 bilhões de anos. Hoje não há dúvida sobre esta datação. As técnicas radiológicas, que usam a chamada meia-vida dos elementos radioativos, mostram-nos que é impossível uma idade tão curta para o planeta como querem afirmar os Criacionistas.

A igreja Católica, depois de relutar tanto com os cientistas, já aceita a evolução das espécies como verdade irrefutável. A mesma Igreja que outrora combateu o Evolucionismo de Darwin, hoje prega que a história bíblica da criação é uma alegoria que deve ser discernida pelas luzes da Ciência.

O Espiritismo desde sua fundação com o lançamento de “O livro dos Espíritos” já demonstrava uma posição evolucionista, sem para isso tirar Deus da temática da Criação.

A igreja Católica de hoje e o Espiritismo possuem um posicionamento bem semelhante quanto à formação do Universo. As duas correntes religiosas aceitam as descobertas científicas, mas não aceitam o aparecimento de tudo como obra do acaso. 

Nós espíritas sabemos que Deus é o princípio de tudo, mas nem por isso precisa derrogar Suas Leis e criar tudo como um passe de mágica. Se assim fosse, Deus não seria Deus, seria um mandraque que através de uma palavra criaria tudo que existe no Universo e no planeta Terra. Temos a convicção de que a Ciência tem feito seu papel ao desvendar como se originou a vida no planeta. A evolução é um fato, e contra fatos não existem argumentos.

O que nos impressiona hoje, apesar de todo avanço tecnológico, é que existem pessoas que não abrem mão de acreditar no Criacionismo bíblico conforme encontramos literalmente na Gênese mosaica. Está incluída neste grupo a maioria das denominações protestantes. Há inclusive um forte movimento nos EUA que tenta abolir o ensino da Evolução nas escolas americanas. No Aquário da Flórida, na cidade de Tampa, não há aquela arvorezinha do tempo mostrando a escala evolutiva dos animais ali expostos. A direção do Aquário informa que visitantes americanos que defendem o Criacionismo bíblico se sentem insultados com a escala evolutiva. É uma questão político-religiosa, explica a direção do Aquário.

Se fizermos uma análise destes criacionistas bíblicos, chegamos à conclusão que para os que encaram a Bíblia como um livro infalível, não há como aceitar a história da Criação como uma alegoria, levando em conta o contexto histórico-cultural do povo hebreu. Se assim eles fizerem, terão também de aceitar outras passagens como ficção ou entender que aquilo fazia parte do costume de um povo. Sendo assim, eles teriam que concordar que a proibição de Moisés em não consultar os mortos é na verdade uma mensagem de acautelamento com as comunicações mediúnicas, e não obra de feiticeiro, como muitos teimam em nos atacar. Quando alguém é mergulhado anos numa cultura religiosa, sendo bombardeado com informações de que a Bíblia é a palavra de Deus e tudo que está literalmente escrito é verdade pura e absoluta, dificilmente aceitará as conclusões das pesquisas científicas.

Hoje percebemos pelos avanços tecnológicos que não é possível conciliar a Bíblia levada ao pé da letra com a Ciência. Talvez seja por isso que dentro de famílias religiosas tradicionais tenham saído muitos incrédulos e céticos. Agora mais do que nunca é necessário que estas Religiões mais tradicionais repensem sobre o que está sendo pregado aos seus jovens para que não tenham que sofrer uma reforma na base da força. 

O Espiritismo, muito pelo contrário, está lado a lado com a Ciência seguindo a orientação de Kardec: “Ou o Espiritismo caminha com a Ciência, ou não sobreviverá”. Não podemos esquecer que as descobertas científicas também vêm de Deus, pois nada é revelado ao homem sem que antes seja aprovado pela Espiritualidade Superior. O problema é que, infelizmente, por causa do livre-arbítrio, nós seres humanos utilizamos para o mal aquilo que foi criado primariamente para o bem. Mas isso é uma outra história e que fica para uma outra vez...


Autor: Anderson Luiz da Silva
Membro da União Espírita Beneficente Jesus, Maria e José.


texto - www.panoramaespirita.com.br/novo/artigos
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sábado, 28 de abril de 2012

ANENCEFALIA

Joanna de Angelis
Médium: Divaldo P. Franco


Nada no Universo ocorre como fenômeno caótico, resultado de alguma desordem que nele predomine. O que parece casual, destrutivo, é sempre efeito de uma programação transcendente, que objetiva a ordem, a harmonia.
De igual maneira, nos destinos humanos sempre vige a Lei de Causa e Efeito, como responsável legítima por todas as ocorrências, por mais diversificadas apresentem-se.
O Espírito progride através das experiências que lhe facultam desenvolver o conhecimento intelectual enquanto lapida as impurezas morais primitivas, transformando-as em emoções relevantes e libertadoras.
Agindo sob o impacto das tendências que nele jazem, fruto que são de vivências anteriores, elabora, inconscientemente, o programa a que se deve submeter na sucessão do tempo futuro.
Harmonia emocional, equilíbrio mental, saúde orgânica ou o seu inverso, em forma de transtornos de vária denominação, fazem-se ocorrência natural dessa elaborada e transata proposta evolutiva.
Todos experimentam, inevitavelmente, as consequências dos seus pensamentos, que são responsáveis pelas suas manifestações verbais e realizações exteriores.
Sentindo, intimamente, a presença de Deus, a convivência social e as imposições educacionais, criam condicionamentos que, infelizmente, em incontáveis indivíduos dão lugar às dúvidas atrozes em torno da sua origem espiritual, da sua imortalidade.
Mesmo quando se vincula a alguma doutrina religiosa, com as exceções compreensíveis, o comportamento moral permanece materialista, utilitarista, atado às paixões defluentes do egotismo.
Não fosse assim, e decerto, muitos benefícios adviriam da convicção espiritual, que sempre define as condutas saudáveis, por constituírem motivos de elevação, defluentes do dever e da razão.
Na falta desse equilíbrio, adota-se atitude de rebeldia, quando não se encontra satisfeito com a sucessão dos acontecimentos tidos como frustrantes, perturbadores, infelizes...
Desequipado de conteúdos superiores que proporcionam a autoconfiança, o otimismo, a esperança, essa revolta, estimulada pelo primarismo que ainda jaz no ser, trabalhando em favor do egoísmo, sempre transfere a responsabilidade dos sofrimentos, dos insucessos momentâneos aos outros, às circunstâncias ditas aziagas, que consideram injustas e, dominados pelo desespero fogem através de mecanismos derrotistas e infelizes que mais o degrada, entre os quais o nefando suicídio.
Na imensa gama de instrumentos utilizados para o autocídio, o que é praticado por armas de fogo ou mediante quedas espetaculares de edifícios, de abismos, desarticula o cérebro físico e praticamente o aniquila...
Não ficariam aí, porém, os danos perpetrados, alcançando os delicados tecidos do corpo perispiritual, que se encarregará de compor os futuros aparelhos materiais para o prosseguimento da jornada de evolução.
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É inevitável o renascimento daquele que assim buscou a extinção da vida, portando degenerescências físicas e mentais, particularmente a anencefalia.
Muitos desses assim considerados, no entanto, não são totalmente destituídos do órgão cerebral.
Há, desse modo, anencéfalos e anencéfalos.
Expressivo número de anencéfalos preserva o cérebro primitivo ou reptiliano, o diencéfalo e as raízes do núcleo neural que se vincula ao sistema nervoso central…
Necessitam viver no corpo, mesmo que a fatalidade da morte após o renascimento, reconduza-os ao mundo espiritual.
Interromper-lhes o desenvolvimento no útero materno é crime hediondo em relação à vida. Têm vida sim, embora em padrões diferentes dos considerados normais pelo conhecimento genético atual...
Não se tratam de coisas conduzidas interiormente pela mulher, mas de filhos, que não puderam concluir a formação orgânica total, pois que são resultado da concepção, da união do espermatozoide com o óvulo.
Faltou na gestante o ácido fólico, que se tornou responsável pela ocorrência terrível.
Sucede, porém, que a genitora igualmente não é vítima de injustiça divina ou da espúria Lei do Acaso, pois que foi corresponsável pelo suicídio daquele Espírito que agora a busca para juntos conseguirem o inadiável processo de reparação do crime, de recuperação da paz e do equilíbrio antes destruído.
Quando as legislações desvairam e descriminam o aborto do anencéfalo, facilitando a sua aplicação, a sociedade caminha, a passos largos, para a legitimação de todas as formas cruéis de abortamento.
... E quando a humanidade mata o feto, prepara-se para outros hediondos crimes que a cultura, a ética e a civilização já deveriam haver eliminado no vasto processo de crescimento intelecto-moral.
Todos os recentes governos ditatoriais e arbitrários iniciaram as suas dominações extravagantes e terríveis, tornando o aborto legal e culminando, na sucessão do tempo, com os campos de extermínio de vidas sob o açodar dos mórbidos preconceitos de raça, de etnia, de religião, de política, de sociedade...
A morbidez atinge, desse modo, o clímax, quando a vida é desvalorizada e o ser humano torna-se descartável.
As loucuras eugênicas, em busca de seres humanos perfeitos, respondem por crueldades inimagináveis, desde as crianças que eram assassinadas quando nasciam com qualquer tipo de imperfeição, não servindo para as guerras, na cultura espartana, como as que ainda são atiradas aos rios, por portarem deficiências, para morrer por afogamento, em algumas tribos primitivas.
Qual, porém, a diferença entre a atitude da civilização grega e o primarismo selvagem desses clãs e a moderna conduta em relação ao anencéfalo?
O processo de evolução, no entanto, é inevitável, e os criminosos legais de hoje, recomeçarão, no futuro, em novas experiências reencarnacionistas, sofrendo a frieza do comportamento, aprendendo através do sofrimento a respeitar a vida…

* * * * * *

Compadece-te e ama o filhinho que se encontra no teu ventre, suplicando-te sem palavras a oportunidade de redimir-se.
Considera que se ele houvesse nascido bem formado e normal, apresentando depois algum problema de idiotia, de hebefrenia, de degenerescência, perdendo as funções intelectivas, motoras ou de outra natureza, como acontece amiúde, se também o matarias?
Se exercitares o aborto do anencéfalo hoje, amanhã pedirás também a eliminação legal do filhinho limitado, poupando-te o sofrimento como se alega no caso da anencefalia.
Aprende a viver dignamente agora, para que o teu seja um amanhã de bênçãos e de felicidade.

Joanna de Ângelis
(Página psicografada pelo médium Divaldo Pereira Franco, na reunião mediúnica da noite de 11 de abril de 2011, no Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador, Bahia.)


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quinta-feira, 19 de abril de 2012

DOENÇA DE ALZHEIMER E SEUS ASPECTOS ESPIRITUAIS


Definição e Anotações sobre a Psicopatologia da Doença de Alzheimer


O “Mal de Alzheimer”, ou Doença de ALZHEIMER, é um quadro demencial, irreversível, com solapamento progressivo, principalmente, da MEMÓRIA do paciente e de outras funções cognitivas (intelectuais).
Em geral, a doença começa a partir dos 65 anos, mas há vários casos de início precoce, isto é, a partir dos 45 anos.
Para entendermos bem as características e evolução dessa Doença é preciso tentar explicar o que se denomina LEI DA REGRESSÃO MNÊMICA DE RIBOT... Segundo esta, quando uma pessoa apresenta uma alteração mnêmica (da memória) “orgânica”, primeiramente é comprometida a “memória de fixação” e “memória de curto prazo”, ou seja, a pessoa começa a se esquecer de acontecimentos ocorridos mais recentemente e, com o progredir da Doença, a memória para fatos mais antigos também será deteriorada. Outro aspecto da “Lei de RIBOT” é que as funções psíquicas mais complexas são afetadas, também, mais precocemente do que as funções mais simples. É por isso que, no início da Doença de ALZHEIMER o paciente costuma se “perder” em via pública ou mesmo esquecer-se de fatos os mais corriqueiros, pois a memória recente estando comprometida, o paciente fica “desorientado” no tempo e no espaço; além disso, o paciente costuma apresentar alterações “ético-sociais” -, o “pudor” (que é uma função complexa) fica comprometido; conseqüentemente, não é raro indivíduos bem educados apresentarem sintomas como despir-se na frente de uma multidão de pessoas, não conseguindo ajuizar eticamente a sua conduta.
A propósito, certa vez, tratamos um paciente com Doença de ALZHEIMER cujo primeiro sintoma foi urinar em via pública, exibindo a genitália para os transeuntes, no entanto, era um Sr. com um passado de moral ilibada e muito responsável e elegante...
Enfim, a Doença de ALZHEIMER vai afetando, progressivamente, as funções corticais do paciente, pois o que acontece é que há uma ATROFIA DO CÉREBRO do paciente e, por isso mesmo, as funções cognitivas (intelectuais) e até motoras (de movimento) são deterioradas pela doença, irreversivelmente, porque as células cerebrais não se regeneram, uma vez atrofiadas não são substituídas por outras, íntegras; por isto, diz-se que o tecido cerebral é “tecido nobre”, isto é, as células lesionadas não são substituídas. Exatamente como varias pessoas vivenciam: “na parte física vemos que a pessoa vai definhando, perdendo o movimento e a noção das coisas.”


Visão espírita do “Mal de Alzheimer’


Na época do lançamento de O LIVRO DOS ESPÍRITOS (OLE), de ALLAN KARDEC (1857), não se conhecia a fisiopatologia da Doença de ALZHEIMER, por isso, a Codificação não se refere à Doença especificamente, porém, podemos extrair algum conhecimento sobre o que acontece com o Espírito da pessoa com essa Doença se analisarmos bem a resposta à questão
156 de OLE e, com tal análise, não podemos nos furtar a um melhor entendimento da natureza e propriedades do PERISPÍRITO e suas correlações com a MEMÓRIA e o TEMPO,,,
Assim, leiamos a questão 156 de OLE e a primeira parte da resposta:
“A separação definitiva entre a alma e o corpo pode verificar-se antes da cessação completa da vida orgânica?
“- NA AGONIA, ÀS VEZES, A ALMA JÁ DEIXOU O CORPO, QUE NADA MAIS TEM DO QUE A VIDA ORGÂNICA (...)”.

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MORTE CORPORAL E ESPÍRITO
O Espírito desliga-se definitivamente do corpo porque este está morto, mas
não é o desligamento do Espírito que causa a morte do corpo
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Parece-nos, que nas doenças crônicas em geral, que afetam o cérebro (como é o caso da Doença de ALZHEIMER), estando este deteriorado, ele não mais reagiria ao comando do Espírito - a vida na doença de ALZHEIMER se resumiria, praticamente, à vida orgânica, VEGETATIVA, “a alma já deixou o corpo”, embora não definitivamente, pois isto só ocorre na desencarnação...
A Sra. poderia, talvez, argumentar que um corpo não poderia viver sem alma, o que não seria verdade... O que mantém a vida corporal é o “FLUIDO” VITAL e não o Espírito, a vida só se extingue pela exaustão dos órgãos e não pela ausência do Espírito (cf. resp. à questão 68 de OLE). É preciso que se repita: o Espírito desliga-se definitivamente do corpo porque este está morto, mas não é o desligamento do Espírito que causa a morte do corpo...
Obviamente, ainda há uma ligação, muito tênue, entre o Espírito e o corpo de uma pessoa com Doença de ALZHEIMER, mas o rompimento de tal ligação só não é definitivo porque a pessoa ainda não desencarnou, pois o Espírito nada mais tem a fazer estando o cérebro sem NENHUM controle seu... Sabemos que a alma desprende-se do corpo, pouco a pouco, gradativamente, nas doenças orgânicas, crônicas (cf. se depreende da resposta à questão 155-A de OLE) e, num grau avançado da Doença, acreditamos que a alma está quase totalmente liberta do corpo.
Como um paciente com Doença de ALZHEIMER sente-se interiormente? Parece-nos que isto irá depender não só da evolução espiritual da pessoa, como também, do estágio evolutivo da doença, da demência. Quando as funções cognitivas (intelectuais) estão seriamente comprometidas, a pessoa nada sente, isto é, não há nenhuma repercussão ESPIRITUAL do que se passa no corpo... Aliás, KARDEC afirmava mais ou menos isto, em outras palavras, quando disse que de nada adianta ser um bom violinista se o violino estiver danificado. Como tocar boa música, nessa situação?
Prezados Srs. leitores e leitoras, o grande sofrimento na doença de ALZHEIMER é dos familiares e da Sociedade, não é do paciente. É muito duro, às vezes desesperador mesmo, ver um ente querido, um ser humano, desconhecer seus próprios parentes, não saber pronunciar seus nomes (na afasia motora) e, às vezes, nem reconhecer as coisas do ambiente (agnosia) e nem ter coordenação para os mais simples movimentos úteis, como vestir uma roupa (apraxia), certamente, como dizem alguns: “é um sofrimento ver uma pessoa tão dinâmica ir definhando aos nossos olhos.”... Aí está: a doença de ALZHEIMER é uma PROVA, extremamente difícil para os familiares e exige muita resignação e muito Amor e, antes de tudo, a certeza na IMORTALIDADE DA ALMA e de sua INDIVIDUALIDADE após a morte e confiança na Providência Divina e aí está a “vantagem” de ser espírita, se é que assim podemos nos exprimir, porque a Doutrina Espírita é Consoladora justamente porque nos dá essa CERTEZA (através de FATOS positivos) nas respostas a questões existenciais que todos já fizeram algum dia: por que aqui estamos? Para onde vamos? Por que sofremos?...
Enfim, cuidar muito bem dos pacientes, embora acreditemos que não é fácil, mas as dificuldades são postas em nossa vida para crescermos espiritualmente e, quem sabe, se este gênero de prova não foi solicitado pelos familiares. antes de reencarnar?!
A nosso ver os familiares devem ficar tranqüilos quanto ao suposto sofrimento dos pacientes, pois, praticamente ele não existe, e aí é que devemos agradecer à Providência Divina, pois, na maioria das vezes o próprio paciente não percebe o seu comprometimento cognitivo, nem se dá conta que sua memória está gravemente comprometida. Se eles forem um Espírito com certa elevação, devem estar sentindo-se muito melhor que os familiares, disto temos absoluta certeza, pois estando o Espírito dela com uma tal emancipação, as coisas terrenas praticamente não a afetariam.

Onde ficarão “impressas” as vivências presentes e passadas?


Como dissemos, o sintoma principal na Doença de ALZHEIMER é a deterioração da MEMÓRIA e tem havido muita distorção doutrinária, a nosso ver, em relação à questão do PERISPÍRITO, que, para alguns, seria o “arquivo” das nossas experiências terrenas.


O PERISPÍRITO, A MEMÓRIA E O TEMPO


Existem outras obras, além das básicas , da DOUTRINA ESPÍRITA? Creio que não, pois não me consta que a Espiritualidade Superior tenha se manifestado doutrinariamente, depois de KARDEC, com a “concordância universal dos seus ensinos”; eis, talvez, uma das causas dos aspectos polémicos citados por alguns. Há um adágio, cuja autoria eu desconheço, do qual gosto muito: quando os “espíritas” igrejeiros insistirem, estereotipadamente, em que FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO, que, aliás, é uma verdade; poderemos complementar com o adágio: - E FORA DA CODIFICAÇÃO NÃO HÁ DOUTRINA ESPÍRITA...


Perispírito - Matéria e Espírito - Densidade e ponderabilidade da matéria

Como vários estudiosos dizem, o “perispírito” possui características “especiais” de DENSIDADE, PONDERABILIDADE e PLASTICIDADE. Está perfeito! Perguntaríamos, então, ao leitor: conhecemos a densidade e a ponderabilidade do “perispírito”?!...Embora seja “matéria”, desconhecemos a natureza íntima do perispírito. Por que? Porque só conhecemos, aliás não completamente, a matéria “terrena”. As qualidades de EXTENSÃO, IMPENETRABILIDADE e que IMPRESSIONA OS SENTIDOS cessam, quando desejamos conceituar a matéria constitutiva do perispírito (cf. resposta à questão 22 de O Livro dos Espíritos de ALLAN KARDEC).
Portanto, só podemos definir a “matéria”, muito genericamente, como “o liame que escraviza o espírito; é o instrumento que ele usa, e sobre o qual, ao mesmo tempo, exerce a sua ação” (cf. resposta à questão 22-A, op. cit.).
A matéria com que lidamos na Terra possui densidade, ponderabilidade, contudo, a matéria considerada como derivada do “fluido universal” é IMPONDERÁVEL para nós, encarnados e imperfeitos. E isso é exposto claramente em resposta à questão 29 (op. cit.), diz ela: “A ponderabilidade é atributo essencial da matéria? E a resposta: “- Da matéria como a entendeis, sim; mas não da matéria considerada como fluido universal. A matéria etérea e sutil que forma esse fluido é imponderável para vós, mas nem por isso deixa de ser o princípio da vossa matéria ponderável.”. A seguir, KARDEC comenta:
“A ponderabilidade é uma propriedade RELATIVA (o destaque é nosso). Fora das esferas de atração dos mundos, não há peso, da mesma maneira que não há alto nem baixo.”
É interessante ressaltar que a ponderabilidade dos corpos depende, necessariamente, dos fatores cósmicos atuantes do mundo em que se encontram; da lei de gravidade, por exemplo, em nosso planeta.
Vários cientistas estudaram a questão da MATÉRIA, tais como: CHARLES RICHET, MORSELLI, CESARE LOMBROSO, W. J. CRAWFORD, WIILLIAM CROOKES, etc., inclusive estudaram os fenômenos de “ectoplasmia”. Contudo, tais estudos foram realizados, fundamentalmente, em MÉDIUNS, isto é, com “fluidos animalizados” do médium em “conjunção” com os da Espiritualidade desencarnada. Assim, W. CROOKES no seu notável estudo da médium FLORENCE COOK na qual se manifestava principalmente o espírito de KATIE KING, além dos estudos com a médium EUSÁPIA PALADINO realizados por RICHET, LOMBROSO, CRAWFORD e outros... Todas essas experiências, realizadas em geral por cientistas, a princípio, céticos em relação ao mundo espiritual, serviram para a comprovação da realidade do mundo espiritual e pouco mais se conseguiu. A propósito, na obra “O Psiquismo experimental”, ALFREDO ERNY relata que escreveu ao Sr. CROOKES, em 1892, e perguntou-lhe se KATIE KING ter-lhe-ia feito revelações sobre o outro mundo, recebendo do ilustre químico a resposta:
“Tive muitas conversações com KATIE KING, e naturalmente lhe fiz várias perguntas a respeito do outro mundo. As respostas não satisfizeram. Geralmente ela dizia que estava proibida de dar essas informações.”
Portanto, vários leitores leram algumas obras atuais estabelecendo as “correlações do Espírito com a matéria”, pontificando a natureza eletromagnética dessa matéria, tenham muito cuidado; pois no Espiritismo, infelizmente, há muitos espíritos pseudo - sábios, embora a Física moderna têm lançado muita luz sobre tais obscuros problemas. Creio que deverá demorar muito para que conheçamos, aqui na Terra, a densidade e ponderabilidade do perispírito; talvez isto ocorra com a regeneração da Terra... Talvez... Talvez... Por enquanto, há boas hipóteses-de-trabalho, nada mais, o que já é um avanço considerável...

Perispírito e participação na elaboração do pensamento e no desenvolvimento da inteligência


Não concordo com que o perispírito - embora seja matéria quintessenciada - esteja “alheio à elaboração da inteligência e do pensamento”. Na erraticidade, na Terra e em outros mundos o Espírito terá sempre o seu envoltório (perispírito), exceto os Espíritos muito Superiores e os Puros, se não estiverem encarnados; aliás, esta é uma eventualidade rara mas não impossível, embora não estejam mais sujeitos à encarnação, eles podem encarnar-se em “missão”, nada impede!... Frisamos isto, aqui, como um obstáculo aos sofismas dos roustainguistas.
Como disse a Espiritualidade Superior: “(...) o Espírito muda de envoltório, como muda de roupa.” (cf. resposta à questão 94 ‘in fine’ de O Livro dos Espíritos). Só podemos conceber o Espírito sem a matéria “pelo pensamento” (cf. resposta à questão 26, op. cit.).
Embora a Inteligência e o Pensamento sejam atributos inalienáveis do Espírito, haverá sempre co-participação do perispírito em relação ao Pensamento e à Inteligência. Por que o perispírito não está “alheio à inteligência e ao pensamento”? Justamente porque o perispírito é o liame entre o mundo espiritual e o material. Onde houver matéria, aí estará o perispírito, mais grosseiro como o nosso ou menos grosseiro como na erraticidade e nos mundos mais evoluídos.
Sem a participação do perispírito não há progresso material nem espiritual. Como citamos, anteriormente (questão 26 de OLE), a separação entre o perispírito e o espírito é uma abstração do pensamento dos encarnados e inferiores, como nós.


Memória humana (psíquica ou verdadeira) e Memória animal (Memória orgânica ou Memória - hábito) - A questão do tempo - A “durée” bergsoniana


As explicações da função do perispírito como “arquivista temporário” ou como “biblioteca do espírito”, são interessantes didaticamente, todavia, não há rigor nessas explicações... A memória humana não é um mero repositório de engramas (imagens fixadas e conservadas) “arquivados”.
Coube ao filósofo HENRI LOUIS BERGSON (1859-1941) a distinção entre MEMÓRIA ORGÂNICA (ou MEMÓRIA-HÁBITO) e MEMÓRIA PSÍQUICA (ou MEMÓRIA VERDADEIRA). Esta seria apanágio, “específico”, do ser humano.
Com o prof. NOBRE DE MELO podemos definir MEMÓRIA, genericamente, como “a propriedade ou capacidade psíquica de “fixar, conservar” (em latência) e “reproduzir”, “evocar” ou “representar” (voltar a apresentar na consciência), sob a forma de “imagens representativas ou mnêmicas” aquelas impressões sensoriais recebidas, transmitidas e conscientizadas sob a forma de sensações.” (A . L. NOBRE DE MELO. PSIQUIATRIA - Vol. I. Civiliz. Bras. / MEC, Rio de Janeiro, 1979, p. 398). Prosseguindo, diz o nosso mestre da Psiquiatria brasileira, já desencarnado:
“Mas, assim, genericamente concebida, a memória deixa de ser, é óbvio, atributo específico do ser humano”. E exemplifica: “Um cão, digamos, que, alguma vez, tenha sido corrido a pedradas, fugirá espavorido se alguém fizer menção de arremessar-lhe seja o que for, e isso, por efeito, unicamente da dolorosa lembrança anterior fixada”.(op. cit., p. 398 - 399).
Então, com aquela definição genérica, poderíamos dizer que a simples capacidade de armazenar (“arquivar”) e reproduzir impressões deixadas pelos estímulos e excitações do meio externo pode ser encontrada até nos organismos unicelulares, num disco CD, numa fita cassette e nos robôs eletrônicos da moderna Cibernética. Mas seria simplesmente isso a memória humana? Não, a memória orgânica existe no Homem como em qualquer animal, mas a memória humana tem algo de específico...Vejamos a explicação do prof. NOBRE:
“Algo diversos, sem dúvida, são os fatos que definem a chamada “memória psíquica” ou “verdadeira”, esta sim, apanágio do ser humano. Aqui, não somente se verifica a possibilidade de reprodução mecânica ou automática (ecforia) de imagens perceptivas fixadas e conservadas “(engramas)”, mas também a revivescência “(evocação) voluntária” ou “involuntária”, isto é, mercê de associações fortuitas, de estados psicológicos passados, dos pensamentos, sentimentos, emoções, desejos e fantasias, que constituem o patrimônio de nossa experiência vivida. Quer isso dizer que o homem recorda, não apenas os acontecimentos do mundo externo ou circundante, que lhe é dado aos sentidos, mas também os de sua realidade interna, e suas significações respectivas, reconhecendo-os e localizando-os em determinado momento da existência. A memória psíquica ou verdadeira implica, em suma, um FATOR INTENCIONAL SIGNIFICATIVO o destaque é nosso, que, a libera do FATALISMO destaque nosso da memória orgânica.” (op. cit., p. 399).

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MEMÓRIA HUMANA
A memória orgânica existe no Homem como em qualquer animal,

mas a memória humana tem algo de específico

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Enfim, caríssimos leitores, a “memória humana, verdadeira”, não é um simples “arquivo”, estático, de nossas vivências pretéritas. Nem a memória de um computador é assim!... O élan vital caracterizado por BERGSON implica numa continuidade do tempo e numa duração (“durée”). Ou, como dizem os filósofos existencialistas, implica numa “intencionalidade, significativa”... O movimento humano é para o futuro, evolutivo; nunca retroagimos. Nossas vivências passadas são sempre modificadas pelo nosso psiquismo presente e pelas nossas perspectivas futuras... Quando me lembro de uma vivência ocorrida na minha infância, estando com 61 anos, tal vivência não é hoje, rigorosamente, igual àquela que tive na infância. O que mudou? O meu passado? Não, eu mudei e, portanto, mudou a minha vivência.
Além disso, a lembrança ATUAL de um acontecimento será vivenciado diferentemente pelas pessoas, o que levou, inclusive, o escritor italiano LUIGI PIRANDELLO a falar na “Verdade de cada um”... Aliás, a vivência atual pode ser modificada por uma série de “associações fortuitas” como bem assinalava o prof. NOBRE. Através dessas associações há “mudanças qualitativas” na duração (“durée”) e o passado é recuperado , de acordo com o “bergsonismo” (cf. sua obra “Matéria e Memória. Ensaio sobre a Relação entre o Corpo e o Espírito”). Assim, pode ser traçado um paralelo entre o bergsonismo e a música do compositor CLAUDE ACHILLE DEBUSSY e a obra do escritor MARCEL PROUST.
Obviamente, não cabe neste artigo uma análise pormenorizada da questão do TEMPO VIVIDO, do tempo como DURAÇÃO. A propósito disse SANTO AGOSTINHO, encarnado, nas suas Confissões em relação ao que seja o tempo:
“Si nemo me quaerat, scio; se quarenti explicare velim, nescio” (Se ninguém mo pergunta, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.).cf. op. cit. Livro XI – item 14.
Ou seja, a questão do tempo implica um caráter eminentemente “intuitivo”. Ora, um filósofo, “encarnado”, afirma não poder explicar o que é o tempo, imagine-se definir o tempo vivido no mundo espiritual!...
A DURAÇÃO (“durée”) do ponto de vista “espiritual” é bem diferente da nossa e isso foi explicitado na resposta à questão 240 de O Livro dos Espíritos e KARDEC comentou a seguir:
“Os Espíritos vivem fora do tempo, tal como o compreendemos; a DURAÇÃO o destaque é nosso, para eles, praticamente não existe, e os séculos, tão longos para nós, são aos seus olhos apenas instantes que desaparecem na eternidade, da mesma maneira que as desigualdades do solo se apagam e desaparecem para aquele que se eleva no espaço”.
O “TEMPO VIVIDO” pode alterar-se em algumas doenças mentais (Esquizofrenias, depressão, etc.) e até em pessoas normais. Por exemplo, o cantor popular brasileiro ROBERTO CARLOS diz nos seus versos na canção “Amor sem limites”: “(...) Aprendi que pouco tempo é muito, se estou longe de seus braços.” . E nos pacientes com a denominada Síndrome de COTARD observa-se um “delírio de negação dos órgãos” (delírio niilista) e um “delírio de eternidade”, em conseqüência, o paciente sofre muito por julgar que nada existe e que aquela situação durará “eternamente”...
É exatamente pelo fato da “DURAÇÃO” ser diferente no mundo “espiritual”, que muitos espíritos desencarnados, ainda apegados à vida carnal, julgam-se no inferno, acreditando assim na “eternidade das penas”. Assim, KARDEC dá inúmeros exemplos dessa situação na 2ª. parte do seu livro “O Céu e o Inferno – A Justiça divina segundo o Espiritismo”. Ilustrando-se isto, sugiro ao leitor que leia o caso BENOIST (op. cit., 2ª parte, cap. VI, “Criminosos arrependidos”, especialmente as questões 3, 9 e 11); e que leia também o caso “Duplo suicídio, por amor e por dever” (op. cit., 2ª parte, Cap. V, “Suicidas”, especialmente a resposta à questão 4, atentando-se para o clamor da que foi a jovem PALMYRE: “sempre assim!”).


EPÍLOGO


Acreditamos que nossas vivências sejam “impressas” em nosso cérebro e aquelas mais importantes espiritualmente (intelectuais e morais) são levadas ao Espírito, através do perispírito. Mas, tais vivências não ficam ali “arquivadas”, o Espírito as modifica de acordo com o seu “livre – arbítrio”.
Admitir-se o perispírito como “arquivista temporário” ou como “biblioteca do espírito” é admitir-se a “memória orgânica”, pura e simplesmente, e, portanto, cair num “fatalismo materialista mecanicista”, ao qual muitos expositores que se dizem “espíritas” e defensores do “Evangelho de JESUS” são conduzidos, alguns até bem-intencionados...
Caro leitor, estou terminando este artigo... Precisarei utilizar o comando “Salvar como” do meu computador para que ele fique arquivado. Toda vez que clicarmos no título “O PERISPÍRITO, A MEMÓRIA E O TEMPO”, aparecerá na tela todo o meu artigo, porque ele ficará na “memória” do meu computador...
Embora as minhas vivências significativas também fiquem “arquivadas” no meu Espírito, o comando “Salvar como” é sempre “Salvar automaticamente” e eu terei acesso a elas clicando não o título, mas sim a “tecla” VONTADE, aqui ou na erraticidade; contudo, nem todo o “texto” estará disponível para ser revivenciado na minha consciência, como numa “ecmnesia” (revivescência do passado individual), pois a “Providência Divina” interdita pensamentos, emoções, sentimentos, etc. que sejam inúteis para o nosso progresso espiritual.
Gostaríamos de dizer que as vivências do Espírito desses pacientes são “qualitativamente” diferentes das dos seus familiares, pois o Espírito deles estão parcialmente EMANCIPADOS do corpo, ao passo que os familiares e nós, encarnados, vivemos as nossas experiências na “prisão” da carne... O “Mal de ALZHEIMER” aniquila a vivência do tempo para o corpo, porque este não “obedece” ao comando do Espírito.


Autor: Iso Jorge Teixeira


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sábado, 14 de abril de 2012

AS PENAS FUTURAS SEGUNDO O ESPIRITISMO


Octávio Caúmo Serrano

No capítulo VII da primeira parte do livro “O Céu e o Inferno”, encontramos interessantes questões sobre a vida futura.

As explicações do Espiritismo sobre a crença na vida futura, não se fundamentam em teorias nem em sistemas preconcebidos, mas nas constantes observações oferecidas pelas almas que deixaram a matéria e gravitam na erraticidade nos diferentes planos evolutivos.

Há quase século e meio, essas informações são cuidadosamente anotadas, comparadas e selecionados e formam um compêndio que esclarece devidamente o estado das almas no mundo espiritual.

Quando levamos em conta a universalidade das informações, observamos que as pessoas que viveram em diferentes raças, credos, condições sociais ou intelectuais, religiões, e mesmo ateus, confirmam que a sua situação atual é decorrência do seu próprio passado.

Ao reencarnar, o espírito vem com uma programação geral, tendo como base os velhos erros e acertos, sem que isso determine um destino fatalista. Submete-se às provas e expiações que mais possam ajudá-lo a livrar-se do passado delituoso e fazê-lo avançar na escala espiritual. Há vezes que, além dos fatos da encarnação imediatamente anterior, há outros pendentes de outras passagens pelos planetas que já podem ser enfrentados. Porém, se forem penosos, só poderão ser atendidos por um espírito amadurecido e com capacidade para vencer problemas mais graves. Se ele ainda não tem condição, as provas e as expiações serão ainda suaves, em atenção à pouca capacidade do espírito, no atual momento, e as mais difíceis ficam para outra oportunidade.

A vida do espírito na erraticidade e a sua intenção ou não, conhecimento ou não, aceitação ou não de encarnar depende da situação em que se encontra. A maioria dos que desencarnam na Terra continuam imperfeitos e sofrem na espiritualidade todas as conseqüências dos defeitos que carregam. É este grau de pureza ou impureza que o faz feliz ou infeliz no plano espiritual.

Para ser ditoso o espírito necessita da perfeição. Como isso é raro neste mundo, é fácil concluir-se que a erraticidade que circunda o planeta é ainda um vale de lágrimas, semelhante ao mundo material. É essa comunidade que nos rodeia e influencia os nossos pensamentos, exigindo de nós muita oração e vigilância.

A compreensão e a crença nessa verdade farão os homens melhorar para sofrer menos. Cada um tratará de construir com sabedoria seu próprio futuro para ficar livre das dores.

Estas notícias deixam claro que não há castigo de Deus porque Deus é a Lei. Não pune nem dá prêmios. Toda imperfeição, e as faltas dela nascidas, embute o próprio castigo em condições naturais e inevitáveis. Assim como toda doença é uma punição contra os excessos, como da ociosidade nasce o tédio, não é necessária uma condenação especial para cada falta ou para cada pessoa em particular. Quando segue a lei o homem pode livrar-se dos problemas pela sua vontade. Logo, pode também anular os males praticados e conseguir a felicidade.

A advertência dos espíritos nessa nossa escalada é objetiva e segura. Dizem que “o bem e o mal que fazemos decorrem das qualidades que possuímos. Não fazer o bem quando podemos, é, portanto, o resultado de uma imperfeição.” Observem que não basta não fazer o mal. É preciso fazer o bem.

Os espíritos advertem, também, que não é suficiente que o homem se arrependa do mal que fez, embora seja o primeiro e importante passo; são necessárias a expiação e a reparação.

Quando falta ao espírito a crença na vida futura, fica difícil ele lutar por algo que não acredita e, nesse caso, pratica o mal sem preocupar-se com futuras conseqüências. Por isso, é comum aos espíritos atrasados acreditarem que continuam vivos, materialmente, mesmo após a desencarnação. Continuam com as mesmas necessidades que tinham quando eram humanos. Sentem fome, frio e enfermidades, como qualquer encarnado.

Tudo o que acontece a qualquer um de nós está inscrito na nossa consciência. Dela não podemos fugir por mais longe que estejamos do lugar onde cometemos as faltas. A solução para ter a consciência tranqüila é reparar os erros e desfazer-se do presente que nos atormenta. Quanto mais demoramos na reparação mais sofremos. Não devemos adiar. Nas suas lições, já nos ensinou Jesus: “Reconcilia-te com teu adversário enquanto estás a caminho.”

No próprio capítulo em questão de “O Céu e o Inferno”, há uma indagação que todos nós certamente já fizemos algum dia: Por que tanto sofrimento? “Deus não daria maior prova de amor às suas criaturas criando-as infalíveis, perfeitas, nada mais tendo a adquirir, quer em conhecimento quer em moralidade?” Mas a resposta é óbvia. Deus poderia tê-lo feito, mas não o fez para que o progresso constituísse uma lei geral. Deixou o bem e o mal entregue ao livre-arbítrio de cada um, a fim de que o homem sofresse as dores dos seus erros, mas também o prazer dos seus acertos. E dando “a cada um, segundo as suas obras, no Céu como na Terra.” Esta é a Lei da Justiça Divina. Se assim não fosse, a vida não teria tempero.

O sofrimento, em resumo, é inerente à imperfeição. Livre-se o homem da imperfeição pela sua própria vontade e anulará os males dela decorrentes; conquistará nesse momento a sonhada felicidade.


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quinta-feira, 29 de março de 2012

AS POSSIBILIDADES DO ESPIRITISMO PELA INTERNET


Por Raul Franzolin Neto (SP/via Internet)

O termo "evolução" significa progresso, transformação lenta e progressiva. Evoluir significa passar por uma série de transformações. O Espiritismo nos dá um entendimento muito amplo dessa palavra, sendo ela uma das mais importantes para o esclarecimento da vida. Com o conhecimento do Homem como um todo, ou seja, o próprio Espírito individualizado e imortal, criado em estado de ignorância e simplicidade, mas em busca constante da felicidade, será pela evolução que compreenderemos melhor a humanidade. A matéria, que serve como meio de evolução do Homem, deve também evoluir à medida que ele avança, a fim de que possa haver sempre compatibilidade entre a evolução do Espírito e de seu meio material.

O caminho da evolução, mais rápida ou mais lenta, depende fortemente da comunicação entre os Homens. Este, isolado, restringe sua evolução. Há necessidade de interação entre os seres, quer sejam encarnados ou desencarnados, para que o progresso avance mais rapidamente. Daí a importância dos meios de comunicação já que, através deles, poderemos crescer mais rapidamente, especialmente quando os utilizamos para o bem comum.

Conforme informações espirituais, o terceiro milênio, será um ponto de inflexão ascendente da Terra na escala evolutiva dos mundos habitáveis. O Brasil representa um local de preparação da vida mais fraterna mundial, ou seja, uma espécie de Centro emergente de irradiação da Nova Era, conforme relatos em "Brasil, Coração do Mundo e Pátria do Evangelho".

Há pouco, usávamos cavalo e coroças para nossa comunicação; depois vieram os enormes aparelhos telefônicos com difíceis e rudimentares ligações. Surgiram, a seguir, o telégrafo, o rádio, a televisão, os satélites e o computador. Isso trouxe, evidentemente, um progresso relativamente rápido, ficando evidente a importância da informação para a evolução dos povos.

O computador, temos certeza, já é uma máquina a serviço de uma evolução superior do planeta Terra. Com a informática criaram-se redes de informações fantásticas. O mundo agora é menor. Há pouquíssimo tempo atrás, nos contentávamos com linhas telefônicas transmitindo 2.400 unidades de informação (bits) por segundo. Antes, enviávamos mensagens ao redor do mundo por meios convencionais e só algum tempo depois estávamos com as respostas nas mãos. A evolução, nesse sentido de permuta de informações, foi nos levando à eliminação da máquina de escrever, do papel, do selo, do caminhão, do trem, do navio, do avião, que quase sempre nos forçava a alguns dias de espera pelo contato, pela resposta. Hoje, as linhas telefônicas passaram a gerar transmissões de 4.800, 9.600 (maioria dos FAX), 14.400 e 28.800 (bits) por segundo. Tudo sem falar nos projetos em fibra ótica, pelos quais essas transmissões aumentarão enormemente ainda neste século, de forma que tudo que hoje é o máximo em muito pouco tempo habitará as tendas arqueológicas da informática. Para se ter uma idéia, recentemente, cientistas americanos e japoneses ultrapassaram a barreira de um trilhão de bits por segundo dentro de uma fibra ótica, o que representa, por exemplo, a transmissão do conteúdo de 300 anos de publicações de um jornal em apenas um segundo; e essa tecnologia já tem uma previsão para uso comercial daqui a apenas cinco anos, podendo até ocorrer antes disso. Isso é um avanço tremendo.

Nesse ponto, podemos (e devemos) questionar: o que acontecerá a partir do terceiro milênio nessa área? Tendo em vista a importância do Espiritismo, para o Brasil e para o mundo, vemos na informática um grande meio de transformação e adaptação religiosa, filosófica e cientifica do planeta.

Tivemos a feliz oportunidade de ser o iniciador do GEAE, "Grupo de Estudos Avançados Espíritas", o qual foi fundado em 15 de outubro de 1992, quando estávamos residindo temporariamente nos Estados Unidos. O GEAE parece tratar-se do primeiro grupo eletrônico (rede de computadores), onde os seus integrantes estão interligados através da rede internacional de computadores, a Internet. O GEAE emite um Boletim semanal, contendo assuntos diversificados (mediunidade, evolução espiritual, aborto, sexualidade, materialização, TCI, etc.) com base na Codificação Espírita. Os boletins são editados semanalmente, com mensagens publicadas, trechos de livros, revistas e debates entre os integrantes. Os Boletins também são enviados para outros grupos eletrônicos, tais como, rede Brasnet, newsgroup soc. culture brazil, BBSs no Brasil, Rede Brasileira de Teleinformática, a lista de Espiritismo da UNICAMP e outros.

Ficamos preocupados com o grupo quando do meu retorno ao Brasil, em Julho de 1993. Mas ele já estava forte e a Espiritualidade, que sempre acompanha o grupo, certamente providenciou ajuda para a continuidade dos trabalhos. Através do conhecimento pessoal de José Cid, um grande colaborador e incentivador da Doutrina e nosso amigo particular, a coordenação passou para sua responsabilidade, que manteve as edições semanais ininterruptas até sua volta recente ao Brasil.

Atualmente, o GEAE possui abrangência muito significativa, contando com quase 400 membros, localizados em diversos países do mundo, entre eles, Alemanha, Austrália, Áustria, Brasil, Bélgica, Estados Unidos, Franca, Holanda, Inglaterra, Nova Zelândia, Portugal, Suécia e Suíça. Novos colaboradores surgiram e, por iniciativa do companheiro Sérgio Freitas, em Portugal, foi criada em Abril de 1995, a Homepage Espirita GEAE (Pagina WWW). O usuário em qualquer parte do mundo pode acessá-la gratuitamente, obtendo várias informações sobre o GEAE, todos os seus Boletins já editados, bancos de dados sobre Instituições e Grupos Espíritas em diversos países e já alguns livros básicos de Allan Kardec e periódicos espíritas.

Temos recebido mensagens solicitando informações para criação de outras homepages, estando nossa homepage recebendo, em média, cerca de 30 consultas por dia, além de duas a três novas adesões diárias ao GEAE.

Qualquer pessoa pode fazer parte do GEAE. Basta que ela tenha endereço eletrônico na Internet ou em outras redes que estejam a ela ligada e enviar uma mensagem para endereço o eletrônico abaixo, contendo as seguintes informações: nome e endereço completos, endereço eletrônico e profissão.

Assim, com base na experiência que já vivenciamos nesse pequeno trabalho do grupo como um todo e com essa visão da informatização da comunicação global, acreditamos que nada impedirá o avanço que o Espiritismo poderá promover, nessa nova fase da humanidade, ligando todos os povos sob a bandeira da fraternidade universal. Mas isso só poderá se dar se todos nós, os espíritas, investirmos nossa atenção e esforço neste sentido. Quem não esteja ligado na Internet, ligue-se com quem esteja e permutemos informações. Falamos muito do Brasil como o maior país espírita do mundo, sem nos darmos conta do muito que devemos fazer pelo Espiritismo no mundo. Para esse alcance, nenhum caminho tem se mostra-do mais viável e barato que o da Internet. Mais do que nunca, o avanço mundial do Espiritismo depende de cada um de nós!



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quarta-feira, 14 de março de 2012

A EXCELÊNCIA METODOLÓGICA DO ESPIRITISMO


Silvio Seno Chibeni

1. Introdução


O Espiritismo não pode considerar crítico sério senão aquele que tudo tenha visto, estudado e aprofundado com a paciência e a perseverança de um observador consciencioso; que do assunto saiba tanto quanto o adepto mais esclarecido; que haja, por conseguinte, haurido seus conhecimentos algures, que não nos romances da ciência; aquele a quem não se possa opor fato algum que lhe seja desconhecido, nenhum argumento de que já não tenha cogitado e cuja refutação faça, não por mera negação, mas por meio de outros argumentos mais peremptórios; aquele, finalmente, que possa indicar, para os fatos averiguados, causa mais lógica do que a que lhe aponta o Espiritismo. Tal crítico ainda está por aparecer.

Allan Kardec, Le Livre des Médiuns, § 14, n. 8. [nota 1]

Ao procurarmos aplicar esses critérios para a caracterização de um crítico legítimo do Espiritismo a cada um daquele que o têm pretendido ser durante os mais de cento e vinte anos que se passaram desde que Allan Kardec os enumerou, verificamos, facilmente e sem possibilidade de erro, que mesmo hoje tal crítico "ainda está para aparecer", em patente demonstração da excelência metodológica do Espiritismo, da solidez de seus fundamentos, de sua superioridade relativamente aos demais sistemas, doutrinas, teorias que com ele têm em comum o mesmo objeto de estudo, ou seja, a existência e a natureza do elemento espiritual.

Essa tese foi tão lucidamente defendida pelo próprio Kardec em várias de usas obras que acreditamos redundantes quaisquer argumentações posteriores. Nosso propósito aqui será, portanto, tão unicamente o de relembrar alguns dos aspectos já considerados pelo Codificador da Doutrina Espírita, comentando-os dentro do contexto de certas dificuldades encontradas por alguns espíritas quando da análise comparativa do Espiritismo com "sistemas" alternativos.

Não é inexpressivo o número de indivíduos e instituições ditos espíritas empenhados na busca de "novidades" que possam, segundo pensam, "atualizar" a Doutrina, dar-lhe "fundamentação científica", "harmonizá-la às conquistas da Ciência". Nesse sentido, procuram ressaltar e dar cobertura - inclusive através de periódicos espíritas, ciclos de palestras, etc - a pesquisadores das chamadas "ciências psi", notadamente aqueles detentores de títulos acadêmicos. Tentaremos, dentro das limitações de espaço de um artigo, mostrar que tais atitudes decorrem de uma injustificável inversão de valores, prejudicial tanto ao Movimento Espírita como ao próprio desenvolvimento da Doutrina e do conhecimento humano em geral.


2. O Espiritismo é científico

O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.

Allan Kardec, Qu'est-ce que le Spiritisme, Preâmbulo.

Evidentemente, o estatuto científico de uma teoria não pode ser decidido através da mera deliberação de se definir como uma "ciência". Esse atributo é inerente à natureza intrínseca da teoria, e não à denominação que se lhe dê.

A tarefa de determinar quais as características de uma teoria são necessárias e suficientes ao seu enquadramento na categoria de ciência cabe à sub-área da Filosofia intitulada Filosofia da Ciência. Essa disciplina, assim como outros ramos do saber, vem evoluindo constantemente. Em seu caso específico, progressos essenciais ocorreram no século XX, e , mais acentuadamente, a partir da década de 60. Os trabalhos de vários filósofos, entre os quais Karl Popper, Willard Quine, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend e Imre Lakatos, evidenciaram graves problemas na concepção de ciência que prevaleceu durante séculos, e ainda hoje é muito freqüente encontrar-se entre os não filósofos.

A compreensão dessa visão "antiga" de ciência, de suas várias dificuldades, dos argumentos avançados por esses filósofos e das novas concepções que propuseram requer estudos especializados de muitos anos, não podendo pois ser avançada dentro de um artigo, por maior que seja sua extensão. Em trabalho anterior tivemos ocasião de tentar fornecer uma tosca idéia dessas questões. Procuraremos aqui relembrar algo do que ali foi exposto, a fim de dar substância à nossa presente argumentação. [nota 2]

Muito simplificadamente, poderíamos dizer que pelo menos desde o surgimento da ciência moderna, por volta do século XVII, acreditava-se que a Ciência consistia na catalogação neutra de um grande número de "fatos", dos quais então resultariam, de maneira "espontânea", certa e infalível, as leis gerais que o regem; a reunião de tais leis constituiria então uma teoria científica.

Conforme mencionamos, essa visão "clássica" de ciência mostrou-se insustentável. Percebeu-se que a descrição, busca e classificação dos fatos necessariamente envolve pressuposições teóricas de um tipo ou de outro; que nenhuma lei teórica pode resultar lógica e infalivelmente de um conjunto de fatos, qualquer que ele seja; que uma teoria científica não é um simples amontoado de leis, sendo, antes, uma estrutura dinâmica complexa, na qual participam elementos de diversas naturezas, como resultados observacionais, hipóteses livremente concebidas, regras para o desenvolvimento futuro da teoria, decisões metodológicas, fragmentos de outras teorias etc.

Imre Lakatos sistematizou as novas idéias surgidas na Filosofia da Ciência, propondo que a atividade científica desenvolve-se em torno do que denominou "programa científico de pesquisa". [nota 3] Um tal programa de pesquisa consiste, em termos simplificados, de um "núcleo rígido" de hipóteses teóricas básicas, suplementado por um "cinturão protetor" de hipóteses auxiliares, que serve para ligar e ajustar o núcleo aos fenômenos de que a ciência trata. A cada programa ainda estão associadas duas "heurísticas", uma "negativa", que é a decisão metodológica de se manter inalteradas as hipóteses do núcleo, e outra "positiva", que é um conjunto de sugestões ou idéias de como mudar ou desenvolver o cinturão protetor de modo que o programa dê conta de novos fenômenos e explique os já conhecidos de maneira mais precisa. Um programa de pesquisa é dito "progressivo" caso leve sistematicamente à descoberta de novos fatos, que sejam por ele explicados; caso contrário, será dito "degenerante".

Tomando o exemplo de um dos mais bem sucedidos programas de pesquisa da Física, a Mecânica Newtoniana, vemos que possui um núcleo rígido formado pelas três leis newtonianas do movimento e pela lei da gravitação universal, que a heurística negativa do programa recomenda sejam mantidas inalteradas: eventuais discrepâncias com a experiência devem ser eliminadas através de ajustes nas hipóteses auxiliares do cinturão protetor. Esse processo ocorreu várias vezes durante o desenvolvimento do programa, como quando, no século XIX, se verificou que as previsões teóricas para a trajetória do planeta Urano conflitavam com os dados da observação astronômica; ao invés de imputar esse desvio a possível falsidade das leis do núcleo rígido, assumiu-se que deveria existir um corpo celeste desconhecido perturbando a trajetória do planeta; mais tarde, foi, de fato, observada a existência desse corpo, o planeta Netuno. Assim como nesse episódio, a conjunção das heurísticas negativa e positiva do programa newtoniano levou à inúmeros desenvolvimentos: novas teorias ópticas, novos aparelhos e técnicas de observação, criação de novos ramos da Matemática etc. A partir do início de nosso século, porém, o programa tornou-se degenerante, por motivos vários que não cabe expor aqui, vindo a ser substituído pelos programas das Teorias da Relatividade e da Mecânica Quântica.

Olhando agora para o Espiritismo, vemos que traz em si todas as características de um programa de pesquisa progressivo, sendo, portanto, genuinamente científico, segundo o critério lakatosiano.

Possui um núcleo rígido formado pelo princípio da existência de uma "inteligência suprema, causa primária de todas as coisas", dotada da suprema justiça e bondade; pela lei de causa e feito; pela imortalidade dos seres vivos; por sua evolução ilimitada; pela existência do livre arbítrio, a partir de determinado estágio evolutivo. Desse núcleo pode-se, com o auxílio da lógica ("raciocínio") e de assunções auxiliares, deduzir ("explicar") a infinidade de fenômenos de que trata o Espiritismo: os fenômenos mediúnicos e anímicos, a evolução dos seres, seus estados psicológicos, sua condição após a morte etc. Todos esses fato, analisados extensiva e objetivamente pelo Espiritismo, embasam e sancionam o corpo de seus princípios teóricos; este, a seu turno, concatena, torna inteligíveis, explica aqueles fatos.

Allan Kardec percebeu, em admirável antecipação às conquistas recentes da Filosofia da Ciência, a importância fundamental dessa "simbiose" entre fenômeno e teoria, e expendeu extensos comentários sobre ela em várias de suas obras. Os três capítulos iniciais da primeira parte de O Livro dos Médiuns, por exemplo, são uma obra prima de argumentação filosófica que, embora visando à elucidação de uma questão ligeiramente diferente, contém valiosos elementos relevantes ao assunto que estamos analisando. Comecemos por estas considerações do Parágrafo 19:

É crença geral que, para convencer, basta apresentar fatos. Esse, com efeito, parece o caminho mais lógico. Entretanto, mostra a experiência que nem sempre é o melhor, pois que a cada passo se encontram pessoas que os mais patentes fatos absolutamente não convenceram. A que se deve atribuir isso? É o que vamos tentar demonstrar.
No Parágrafo 29 Kardec volta ao ponto:

Podemos dizer que, para a maioria dos que não se preparam pelo raciocínio, os fenômenos materiais quase nenhum peso têm. Quanto mais extraordinários são esses fenômenos, quanto mais se afastam das leis conhecidas, maior oposição encontram e isto por uma razão muito simples: é que todos somos naturalmente a duvidar de uma coisa que não tem sanção racional. Cada um a considera de seu ponto de vista e a explica a seu modo [...].
Essa "sanção racional" é a que advém da explicação dos fatos através da teoria. No Parágrafo 34, após ressaltar a importância dos fatos na fundamentação da teoria, Kardec considera, por outro lado, que de dez pessoas novatas que assistam a uma sessão de experimentação espírita "nove sairão sem estar convencidas e algumas mais incrédulas do que antes, por não terem as experiências correspondido ao que esperavam". Prossegue então Kardec:

O inverso se dará com as que puderem compreender os fatos, mediante antecipado conhecimento teórico. Paras estas pessoas, a teoria constitui um meio de verificação, sem que coisa alguma as surpreenda, nem mesmo o insucesso, porque sabem em que condições os fenômenos se produzem e que não se lhes deve pedir o que não podem dar. Assim, pois, a inteligência prévia dos fatos não só as coloca em condições de se aperceberem de todas as anomalias, mas também de apreenderem um sem número de particularidades, de matizes, às vezes muito delicados, que escapam ao observador ignorante.
Considerações interessantes nesse mesmo sentido encontram-se também em O que é o Espiritismo. No diálogo com o Crítico (Cap. I, Primeiro Diálogo) Kardec pondera, em resposta à solicitação que este lhe faz de permissão para assistir a algumas experiências:

E julgais que isto vos baste para poder, ex professo, falar de Espiritismo? Como poderíeis compreender essas experiências e, ainda mais, julgá-las, quando não estudaste os princípios em que elas se baseiam? Como apreciaríeis o resultado, satisfatório ou não, de ensaios metalúrgicos, por exemplo, não conhecendo a fundo a metalurgia?
Mais adiante, no diálogo com o Céptico (Cap. I, Segundo Diálogo, seção "Elementos de convicção") Kardec coloca a questão em termos explícitos:

Há duas coisas no Espiritismo: a parte experimental das manifestações e a doutrina filosófica. Ora, eu sou todos os dias visitado por pessoas que ainda nada viram e crêem tão firmemente como eu, pelo só estudo que fizeram da parte filosófica; para elas o fenômeno das manifestações é acessório; o fundo é a doutrina, a ciência; eles a vêem tão grande, tão racional, que nela encontram tudo quanto possa satisfazer às suas aspirações interiores, à parte o fato das manifestações; do que concluem que, supondo não existissem as manifestações, a doutrina não deixaria de ser sempre a que melhor resolve uma multidão de problemas reputados insolúveis.
Quantos me disseram que essas idéias estavam em germe no seu cérebro, conquanto em estado de confusão. O Espiritismo veio coordená-las, dar-lhes corpo, e foi para eles como um raio de luz. É o que explica o número de adeptos que a simples leitura de O Livro dos Espíritos produziu. Acreditais que esse número seria o que é hoje, se nunca tivéssemos passado das mesas girantes e falantes ?
A primeira sentença que destacamos revela uma vez mais que Kardec localizava o caráter científico do Espiritismo na "doutrina", na sua "parte filosófica", que, no contexto de nossa análise, deve ser entendido como aquilo a que vimos denominando "teoria". Os fatos em si não constituem a ciência.

Nosso segundo destaque mostra que Kardec já entendia o papel da teoria como dando "corpo", ou seja, coesão, inteligibilidade, aos fenômenos, que é a tarefa que Lakatos atribui aos princípios teóricos do programa de pesquisa, notadamente os de seu núcleo rígido.

No decorrer das próximas seções a tese da cientificidade do Espiritismo pela qual vimos argumentando receberá indiretamente mais elementos de comprovação.


3. "O Espiritismo não é da alçada da Ciência"

A frase que serve de título a esta seção foi extraída do Item VII da magnífica peça "Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita", que Kardec fez figurar como introdução de O Livro dos Espíritos. Esse item trata especificamente da relações entre a Doutrina Espírita e a Ciência, devendo esta ser entendida aqui como o conjunto das ciências ordinárias, "oficiais", das academias, tal como a Física, a Química e a Biologia. [nota 4]

Apesar da clareza e da robustez argumentativa com que Allan Kardec abordou esse assunto, não somente nessa seção de O Livro dos Espíritos, mas também em outras de suas obras, especialmente em O que é o Espiritismo, O Livro dos Médiuns e A Gênese, Os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, curiosamente observam-se ainda hoje muitos equívocos em sua apresentação, mesmo por parte de espíritas. Destarte, mais uma vez repetimos que não acrescentando nada ao que já disse o preclaro Codificador, mas apenas relembrando seus argumentos. [nota 5]

Começaremos notando que a afirmação de Kardec em consideração vem, no texto, precedida pela palavra portanto, o que mostra que, seguindo a regra que invariavelmente adotou, Kardec ofereceu um argumento à assertiva, que, dada a sua importância, não poderia ser postulada dogmaticamente.

Esse argumento encontra-se no próprio parágrafo que contém a assertiva em discussão:

As ciências ordinárias assentam nas propriedades da matéria, que se pode experimentar e manipular livremente; os fenômenos espíritas repousam na ação de inteligências dotadas de vontade própria e que nos provam a cada instante não se acharem subordinadas aos nossos caprichos. As observações não podem, portanto, ser feitas de mesma forma; requerem condições especiais e outro ponto de partida. Querer submetê-la aos processos comuns de investigações é estabelecer analogias que não existem. A Ciência, propriamente dita, é, pois, como ciência, incompetente para pronunciar na questão do Espiritismo: não tem que se ocupar com isso e qualquer que seja o seu julgamento, favorável ou não, nenhum peso poderá ter.
É admirável a simplicidade do argumento: o Espiritismo e a Ciência tratam de domínios diferentes de fenômenos: o primeiro dos relativos ao elemento espiritual, a segunda daqueles concernentes ao elemento material. Têm, portanto, métodos específicos e objetivos distintos, não cabendo, pois, julgamentos recíprocos.

Notemos que não se pode confundir o fato de o Espiritismo ser uma ciência - o que procuramos mostrar na seção anterior - com a assunção falsa de que ele pertence ao domínio da Ciência (ou seja, da Física, da Química e da Biologia).

Um pouco adiante, Kardec enfatiza:

Repetimos mais uma vez que, se os fatos a que aludimos se houvessem reduzido ao movimento mecânico dos corpos, a indagação da causa física desse fenômeno caberia no domínio da Ciência; porém, desde que se trata de uma manifestação que se produz com exclusão das leis de Humanidade, ela escapa à competência da ciência material, visto não poder exprimir-se nem por algarismos, nem pela força mecânica.
Estudando domínios diferentes e complementares, "O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente", conforme destacadamente exarou Kardec no Parágrafo 16 do Capítulo I de A Gênese.

Antes de prosseguirmos, vejamos como Kardec reapresenta o argumento em estudo em O que é Espiritismo. Ali, o assunto é tratado extensivamente. Na décima quinta resposta ao Crítico (Cap. I, Primeiro Diálogo), Kardec lembra uma vez que

os fenômenos espíritas diferem essencialmente dos das ciências exatas: não se produzem à vontade; é preciso que os colhamos de passagem; é observando muito e por muito tempo que se descobre uma porção de provas que escapam à primeira vista, sobretudo, quando não se está familiarizado com as condições em que se pode encontrá-las, e ainda mais quando se vem com o espírito prevenido.
E, na resposta seguinte, enfatiza:

Não se pode fazer um curso de Espiritismo experimental como se faz um de Física ou de Química, visto que nunca se é senhor de produzir os fenômenos espíritas à vontade, e que as inteligências que lhe são o agente fazem, muitas vezes, frustrarem-se todas as nossas previsões.
No diálogo com o Céptico (Cap. I, Segundo Diálogo, seção "Oposição da Ciência") Kardec enfoca outro aspecto da questão, igualmente já tratado no referido Item VII da Introdução de O Livro dos Espíritos. Estabelecida a independência da Ciência e do Espiritismo, resta ver se estariam os cientistas mais autorizados que as demais pessoas a se pronunciar sobre o Espiritismo. Tal questão é ainda atual, já que vemos muitos espíritas na posição em que Kardec situa o Céptico do diálogo: afligem-se por buscar o apoio dos cientistas. "Admito perfeitamente", diz o Céptico, "que eles não são infalíveis; mas não é menos verdade que, em virtude do seu saber, sua opinião vale alguma coisa, e que, se ela estivesse do vosso lado, daria grande peso ao vosso sistema".

A réplica de Kardec vem, como sempre, vazada no bom senso e na lógica:

Concordai, também, que ninguém pode ser bom juiz naquilo que está fora da sua competência.

Se quiserdes edificar uma casa, confiaríeis esse trabalho a um músico?

Se estiverdes enfermo, far-vos-ei tratar por um arquiteto?

Quando estais a braços com um processo, ides consultar um dançarino?

Finalmente, quando se trata de uma questão de teologia, alguém irá pedir solução a um químico ou a um astrônomo?

Não, cada um em sua especialidade.

As ciências vulgares repousam sobre as propriedades da matéria, que se pode, à vontade, manipular.; os fenômenos que ela produz têm por agentes forças materiais.

Os do Espiritismo têm, como agentes, inteligências que possuem independência, livre-arbítrio e não estão sujeitas aos nossos caprichos; por isso eles escapam aos nossos processos de laboratório e aos nossos cálculos, e, desde então, ficam fora dos domínios da Ciência propriamente dita.

A Ciência enganou-se quando quis experimentar os Espíritos como o faz com uma pilha voltaica; foi mal sucedida, como devia ser, porque agiu pressupondo uma analogia que não existe; e depois, sem ir mais longe, concluiu pela negação, juízo temerário que o tempo se encarrega de ir emendando diariamente, como já fez com tantos outros [...].

As corporações científicas não devem, nem jamais deverão, pronunciar-se nesta questão; ela está tão fora dos limites do seu domínio como a de decretar se Deus existe ou não; é, pois, um erro tomá-las aqui por juiz.

Kardec mostrou que nem o estudo do Espiritismo cabe à Ciência, nem estão os cientistas em posição privilegiada para sobre ele opinar. Foi mesmo além: dada a freqüente distorção que o envolvimento com sua especialidade impões à sua maneira de apreciar as coisas, suas opiniões podem até mesmo estar mais sujeitas a equívocos. No referido item de O Livro dos Espíritos Kardec considera:

Aquele que se fez especialista prende todas as suas idéias à especialidade que adotou. Tirai-o daí e o vereis sempre desarrazoar, por querer submeter tudo ao mesmo cadinho: conseqüência da fraqueza humana.

Nada obsta, evidentemente, a que os cientistas se interessem, enquanto homens, pelo Espiritismo, e o estudem e avaliem nessa condição. Um pouco abaixo do trecho que acabamos de transcrever, Kardec pronuncia-se nesse sentido:

O Espiritismo é o resultado de uma convicção pessoal, que os cientistas, como indivíduos, podem adquirir, abstração feita de sua qualidade de cientistas [...].

Quando as crenças espíritas se houverem difundido, quando estiverem aceitas pelas massas humanas [...], com elas se dará com o que tem acontecido com todas as idéias novas que hão encontrado oposição: os cientistas se renderão à evidência. Lá chegarão, individualmente, pela força das coisas. Até então será intempestivo desviá-los de seus trabalhos especiais, para obrigá-los a se ocupar de um assunto estranho, que não lhes está nem nas atribuições, nem no programa.

Enquanto isso não se verifica, os que, sem assunto prévio e aprofundado da matéria, se pronunciam pela negativa e escarnecem de quem não lhes subscrevem o conceito, esquecem que o mesmo se deu com a maior parte das grandes descobertas que fazem honra à Humanidade.

Ainda um último aspecto está envolvido nas relações entre o Espiritismo e a Ciência: a necessidade que ele tem de não entrar em descompasso com o progresso científico.

O local clássico onde Kardec tratou desse ponto é o Parágrafo 55 do Capítulo I de A Gênese. Começa considerando que "apoiando-se em fatos [a revelação espírita] tem que ser, e não pode deixar de ser, essencialmente progressiva". Esse caráter essencial do Espiritismo resulta de sua natureza genuinamente científica: embora o núcleo de seus princípios básicos permaneça inalterado, complementações e ajustes nas assunções auxiliares do cinturão protetor o colocam sempre em concordância com as novas descobertas. É isso que se tem verificado ao longo da história do Espiritismo. O núcleo doutrinário fundamental contido em O Livro dos Espíritos foi, nas mãos equilibradas do próprio Kardec, desdobrado e ampliado nos estudos que resultaram nas demais obras da Codificação. Hoje em dia, a vasta literatura mediúnica legitimamente espírita ampliou, por exemplo, os informes sobre o mundo espiritual. E isso, repetimos, sem confronto com os princípios básicos.

No entanto, é preciso cautela no entendimento da progressividade do Espiritismo.

Primeiro, ela deve ocorrer de acordo com a heurística positiva do próprio programa espírita, sem recurso a elementos estranhos, venham de onde vierem, sob o risco de este perder sua consistência.

Depois, a harmonia com as conquistas da Ciência não deve ser buscada irrestritamente e a qualquer preço, visto estar ela, em suas proposições abstratas, constantemente sujeita a enganos e retificações. Kardec percebeu isso de maneira clara, mesmo tendo vivido antes das grandes revoluções científicas do início de nosso século. No item de O Livro dos Espíritos de que estamos tratando encontramos este trecho:

Desde que a Ciência sai da observação material dos fatos, para os apreciar e explicar, o campo está aberto às conjecturas [...]. Não vemos todos os dias as mais opostas opiniões serem alternadamente preconizadas e rejeitadas, ora repelidas como erros absurdos, para logo depois aparecerem proclamadas como verdades incontestáveis?
Aliás, é interessante notar que se Kardec não tivesse imprimido ao programa espírita a independência e autonomia que lhe imprimiu, ajustando-o, ao invés, de modo irrestrito agraves teorias científicas da época, ele teria, como conseqüência das aludidas revoluções, soçobrado irremediavelmente.

Aparentemente, os que em nossos dias advogam a tese do "ajuste à Ciência" ainda não se deram conta desse fato, nem perceberam que no referido parágrafo de A Gênese Kardec deixou clara uma ressalva vital, ao falar desse ajuste:

Entendendo com todos os ramos da economia social, aos quais dá apoio das suas próprias descobertas, [o Espiritismo] assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam, desde que hajam atingido o estado de verdades práticas e abandonado o domínio da utopia, sem o que ele suicidaria.

Notemos que o "suicídio" do Espiritismo adviria, segundo Kardec, não só de sua estagnação (aspecto esse sempre lembrado), mas também de sua assimilação de doutrinas que não hajam atingido o estado de "verdades práticas"(o que em geral passa despercebido, por ter ficado implícito no texto).

Agora é certo que não há nenhum princípio científico estável, nenhuma "verdade prática", que o Espiritismo não tenha ou assimilado, ou mesmo antecipado, sendo, portanto, improcedente os pruridos de reforma e atualização da Doutrina.


4. As deficiências das chamadas "ciências psi"

Todas as teorias que pretendem elucidar os fenômenos mediúnicos, alheias à Doutrina Espiritista, pecam pela sua insuficiência e falsidade.

Emmanuel

Essa assertiva de Emmanuel, que abre o Capítulo XIV do primeiro livro que nos legou por via mediúnica (Emmanuel, psicografado por Francisco Cândido Xavier.), há mais de cinqüenta anos, pode, a alguns, parecer demasiadamente forte. No entanto, assim como tudo o que nos tem dito o iluminado Espírito, decorre de uma análise isenta e racional dos fatos. As conquistas recentes da Filosofia da Ciência, ainda não alcançadas àquela época, evidenciam inequivocamente a correção desse juízo. É o que tentaremos resumidamente mostrar nesta seção.

A primeira linha de pesquisa não espírita dos fenômenos espíritas (anímicos e mediúnicos) que chegou a constituir uma "escola" foi a Metapsíquica, que se desenvolveu nas duas primeiras décadas desse século e culminou com a publicação em Paris em 1922 do clássico Traité de Métapsychique, de Charles Richet. Logo após, essa escola foi cedendo lugar à Parapsicologia, cujo pioneiro foi o norte-americano J. B. Rhine, que em 1937 publicou seu New Frontiers of the Mind. De lá para cá, sob a inspiração dessa disciplina, surgiram e continuam surgindo, em vertiginosa multiplicação, várias outras linhas de investigação dos chamados "fenômenos paranormais". Talvez não seja exagero afirmar que elas são quase tão numerosas quanto os pesquisadores, cada um com seu "sistema" próprio. Denominaremos aqui, por simplicidade, de ciências psi o conjunto de tais sistemas, muito embora, como veremos, não sejam ciências genuínas.

Entre os traços comuns dessas disciplinas, destacaríamos a pretensão à cientificidade, a suposição de que aderem ao "método científico", o emprego de métodos quantitativos e de aparelhos, uma certa aversão a "teorias" etc.

Ocorre que à época do nascimento da Parapsicologia, ou seja, nas décadas de 20 e 30, a Filosofia da Ciência vivia o apogeu do Positivismo Lógico. Essa doutrina filosófica representou, por assim dizer, a tentativa suprema de articulação da visão clássica de ciência, que mencionamos anteriormente. Em que pese o empenho dos maiores filósofos da época, porém, tal programa malogrou de forma espetacular e definitiva, diante dos argumentos contra ele levantados, principalmente pelos filósofos que citamos na seção 2 (Reformador, novembro de 1988, págs. 328-331).

Apesar disso, tal foi a intensidade desse movimento filosófico, que exerceu uma influência sem precedentes sobre os cientistas, a qual sobreviveu ao seu fracasso, perdurando até nossos dias, com conseqüências funestas para a Ciência.

Inevitavelmente, a Parapsicologia, que nascia àquela época com pretensões à cientificidade, procurou seguir de forma estrita os cânones preconizados pelo Positivismo Lógico para a caracterização de uma ciência. (Esse fenômeno ocorreu também com a Sociologia e com a Psicologia, que também andavam à procura de cientificidade. A propósito, é significativo o fato de Rhine e outros pioneiros da Parapsicologia terem sido psicólogos.)

A conseqüência não poderia ser outra: essa nova disciplina carregou consigo, desde a sua concepção, as deficiências graves da visão lógico-positivista de ciência, vindo a adotar métodos incompatíveis com os fins a que se propõe, perseguindo um ideal de cientificidade completamente ilusório. E atrás dela vieram as demais, a despeito da louvável boa intenção da maioria de seus profitentes.

Para ilustrar essa situação, consideremos agora alguns exemplos concretos dos equívocos em que incorrem essas pretensas ciências.

Seguindo a velha "receita", procuram acumular fatos sobre fatos, sem o auxílio de um corpo teórico ordenador. Vimos acima quão inócuo e anti-científico é esse procedimento, e quão bem Kardec compreendeu tal realidade.
Quando explicações são dadas, são-no fragmentariamente, cada fato sendo "explicado" por uma hipótese isolada. Desse modo, mesmo se artificialmente agruparmos essas hipóteses, não formaremos senão um todo inconsistente, o que viola a própria Lógica. A moderna Filosofia nem mesmo considera explicações genuínas "explicações" isoladas de fatos.
As explicações são, via de regra, ainda mais fantásticas do que os fatos a que se propõem explicar. Nas admiráveis refutações aos contraditores do Espiritismo contidas em várias de suas obras, notadamente em O que é o Espiritismo (Cap. I), O Livro dos Médiuns (Primeira Parte, Cap. IV), ,O Céu e o Inferno (Primeira Parte) e O Livro dos Espíritos (Introdução, Item XVI), Allan Kardec, com a agudeza de espírito que o caracterizava, já apontava esse tipo de problema. Na seção "Falsas explicações dos fenômenos", do primeiro desses livros, Kardec pergunta:
Como podem pretender dar conta dos fenômenos espíritas [através da hipótese da alucinação] sem serem antes capazes de explicar sua explicação?
E mais adiante acrescenta:

É realmente curioso observar os contraditores empenharem-se na busca de causas cem vezes mais extraordinárias e difíceis de compreender do que aquelas que lhes apresenta o Espiritismo.
Outro tipo de pseudo-explicação comumente encontrada são as explicações puramente nominais: carecem de qualquer substância, consistindo unicamente do emprego de fraseologia excêntrica na descrição dos fenômenos. Emmanuel profliga semelhante vício filosófico no parágrafo que segue imediatamente ao que abre esta seção:

Em vão, procura-se complicar a questão com termos rebuscados, apresentando-se as hipóteses mais descabidas e absurdas [...].
Quando "teorias" são fornecidas, não dão conta de todos os fatos. Aqui também Kardec já alertou (O Livro dos Médiuns, parágrafo 42):
O que caracteriza uma teoria verdadeira é poder dar razão de tudo. Se, porém, um só fato que seja a contradiz, é que ela é falsa, incompleta, ou por demais absoluta.
Muitos fatos relevantes simplesmente não são reconhecidos. Isso pode resultar: i de idéias preconcebidas, como no caso daquelas que negam a priori a possibilidade de sobrevivência do ser, e portanto não investigam uma vasta quantidade de fenômenos relativos a ela. (Esse problema atinge as raias do absurdo no horror que alguns investigadores têm pelos médiuns - exatamente o manancial mais abundante de fenômenos de que se dispõe!); ou ii. da falta de uma teoria que guie na busca e análise dos fatos. Vimos acima com Kardec quão longe está o Espiritismo de incorrer em semelhantes enganos.
Emprego de técnicas de investigação inadequadas. O caso típico e mais importante é o recurso ao "método quantitativo". Como se sabe, tal método constitui uma das maiores bandeiras da Parapsicologia e demais "ciências psi", que julgam assim estar seguindo os afortunados caminhos da Física e da Química. Ora, se indubitavelmente a análise das quantidades desempenha nessas ciências um papel importante (embora não exclusivo!), não se segue daí que deva ser igualmente frutífero no estudo de uma ordem de fenômenos completamente diferente. De fato, são, neste caso, de todo dispensáveis (para dizermos pouco). É até mesmo ridículo querer substituir a prova cabal fornecida por uma manifestação inteligente (como por exemplo uma carta que contém informações detalhadas de episódios e coisas desconhecidas) por medidas de desvios estatísticos em experimentos de identificação de cartas de baralho, ou similares. Não que estas últimas sejam irrelevantes; mas a evidência que podem dar é imensamente mais fraca e duvidosa do que a que resulta das manifestações inteligentes, e mesmo de efeitos físicos extraordinários produzidos através de um médium possante. (Parece estarmos aqui na situação de guerreiro que, dispondo de um moderno canhão, prefira servir-se de um tosco estilingue...)

Essa situação foi, como sempre, percebida e combatida por Allan Kardec, que não só enfatizou repetidamente a importância crucial e a superioridade dos fenômenos mediúnicos de efeitos inteligentes, como também explicitamente referiu-se à inadequação dos métodos quantitativos, conforme se observa nas citações que fizemos na seção 3, em especial neste trecho de O que é o Espiritismo (destacamos):

[Os fenômenos espíritas] têm, como agentes, inteligências que têm independência, livre-arbítrio e não estão sujeitas aos nossos caprichos; por isso eles escapam aos nossos processos de laboratório e aos nossos cálculos [...]. A Ciência enganou-se quando quis experimentar os Espíritos, como o faz com uma pilha voltaica; foi mal sucedida como devia ser, porque agiu pressupondo uma analogia que não existe.

Também no Item de O Livro dos Espíritos que vimos analisando Kardec alerta (destacamos):

[As manifestações espíritas] escapam à competência da ciência material, visto não poder expressar-se por algarismos, nem pela força mecânica.

Recurso desnecessário e perigoso a aparelhos sofisticados. Não obstante de inegável valor nas investigações da matéria, como mostram os notáveis avanços da Física e da Química, a prescindibilidade de aparelhos no estudo dos fenômenos espíritas ficou evidenciada pelas considerações expendidas no item anterior. Além disso, há mesmo riscos em sua utilização. Primeiro, tal utilização pode encobrir deficiências metodológicas profundas, produzindo uma ilusória impressão de rigor, de cientificidade. Depois, e mais importante, do ponto de vista epistemológico (ou seja, da teoria do conhecimento), as observações por meio de aparelhos ocupam um nível bem mais baixo na escala da confiabilidade do que aquelas que podem ser alcançadas de modo imediato. (Assim, uma das mais difundidas vertentes da Epistemologia chega mesmo a negar que entidades teóricas não diretamente observáveis possuam "referentes", ou seja, contrapartes reais.) A razão disso é simples: quando se utiliza um aparelho para fazer certa observação, o resultado da mesma pressuporá a validade das teorias envolvidas na construção e no funcionamento do aparelho, introduzindo-se, desse modo, mais elementos de incerteza.
Essas considerações epistemológicas explicam, por sinal, a grande estabilidade do núcleo de princípios fundamentais do Espiritismo, quando comparado aos das teorias científicas, pois repousam em fenômenos extremamente básicos do ponto de vista epistêmico, com o mesmo grau de certeza, quanto, por exemplo, as proposições de que temos agora uma folha de papel diante de nós, de que há nela algo escrito, de que nos achamos sentados etc. Medeia vasta distância conceitual entre proposições desse tipo e, por exemplo, aquelas sobre a estrutura dos átomos, dos buracos negros, sobre o mecanismo das mutações genéticas etc.

Referência a conceitos e teorias científicas obsoletos. A Física deste século introduziu, como já dissemos, alterações radicais em suas teorias, e conseguintemente em nossa visão do mundo. Conceitos que faziam parte da Física Clássica, como os de espaço e tempo absolutos, partículas, campos etc., foram ou totalmente abandonados, ou revistos profundamente, por não mais servirem às novas teorias, não dando conta dos fenômenos observados. Assim, é inacreditável que haja pesquisadores das "ciências psi" tentando elaborar "teorias" e "modelos" para o Espírito baseados em noções de partículas e campos, e ainda mais, com a pretensão de estarem seguindo a Ciência! Vemos aqui uma vez mais a lucidez de Kardec e dos Espíritos que o auxiliavam, ao não vincularem os princípios centrais do Espiritismo a nenhuma dessas noções. Assentaram-no, antes, em proposições básicas, "fenomenológicas", como dizem os filósofos, exatamente por serem estáveis.

Desprezo pelo passado: cada pesquisador em geral reinicia as investigações a partir do "nada", como se outros já não tivessem efetuado constatações dignas de confiança. Se a dúvida equilibrada representa prudência, quando se torna irrestrita e irrefletida, aliando-se à presunção e ao orgulho, inviabiliza o conhecimento. Se na Ciência se tivesse adotado semelhante atitude, não se teria saído de sua pré-história.

Ignorância da relevância dos fatores "morais" na produção de certos fenômenos. Kardec não tardou reconhecer, em seus estudos, a influências por vezes crucial de fatores ligados à harmonia de pensamento dos médiuns, experimentadores e assistentes, aos objetivos a que se propõem, à sua condição moral etc. O assunto é abordado, entre outros lugares, no Capítulo XXI de O Livro dos Médiuns, onde Kardec ressalta a "enorme influência do meio sobre a natureza das manifestações inteligentes" (parágrafo 233). Essa influência vem sendo também ilustrada e enfatizada na boa literatura mediúnica, que nos mostra em detalhe a complexidade do trabalho dos Espíritos na produção dos fenômenos. Assim, apenas para tomar um dos inúmeros exemplos, lembremos a descrição que André Luiz dá em Missionários da Luz (Cap. X) da profunda perturbação causada nos trabalhos de materialização a que presenciava pelo simples ingresso no recinto de um homem interiormente desequilibrado, e, depois, pelos pensamentos descontrolados dos participantes da reunião.
Diante da surpresa, o Instrutor Alexandre elucida (destacamos):
Nestes fenômenos, André, os fatores morais constituem elementos decisivo de organização. Não estamos diante de mecanismos de menor esforço e, sim, ante manifestações sagradas da vida, em que não se pode prescindir dos elementos superiores e da sintonia vibratória.

Também Emmanuel expende considerações desse mesmo teor no Capítulo XIII de seu já citado livro Emmanuel (destacamos):

Não são poucos os estudiosos que procuram investigar os domínios da ciência psíquica, na sede de encontrar o lado verdadeiro da vida; porém, se muitas vezes acham apenas o malogro das suas expectativas , o soçobro dos seus ideais, é que se entregam a estudos arriscados sem preparação prévia para resolver tão altas questões, errando voluntariamente com espírito de criticismo, muitas vezes injustificável, já que não é filho do raciocínio acurado, profundo. O êxito no estudo de problemas tão transcendentais demanda a utilização de fatores morais, raramente encontrados; daí a improdutividade de entusiasmos e desejos que podem ser ardentes e sinceros.


5. O Espiritismo é religioso.

[...] o Espiritismo é, assim, uma religião ? Sim, sem dúvida, senhores: No sentido filosófico o Espiritismo é uma religião, e disso nos honramos, pois que é a doutrina que funda os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos não em uma simples convenção, mas sobre a mais sólida das bases: as próprias leis da Natureza.

Por que então declaramos que o Espiritismo não era uma religião ? Pela razão de que há apenas uma palavra para exprimir duas idéias diferentes, e que, segundo a opinião geral, o termo religião é inseparável da noção de culto, e evoca unicamente uma idéia de forma, com o que o Espiritismo não guarda qualquer relação. Se se tivesse proclamado uma religião, o público nele não veria senão uma nova edição, ou uma variante, se quisermos, dos princípios absolutos em matéria de fé, uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, cerimônias e privilégios; não o distinguiria das idéias de misticismo e dos enganos contra os quais se está freqüentemente bem instruído.

Não apresentando nenhuma das características de uma religião, na acepção usual da palavra, o Espiritismo não poderia nem deveria ornar-se de um título sobre cujo significado inevitavelmente haveria mal-entendidos. Eis porque ele se diz simplesmente uma doutrina filosófica e moral.

Allan Kardec [nota 6]
Do mesmo modo como tem havido falta de compreensão acerca do caráter científico do Espiritismo e de suas relações com as ciências, seu caráter religioso e suas relações com as religiões também têm constituído ponto de freqüentes confusões.

Assim como se pode mostrar ser o Espiritismo científico, embora não se inclua entre as ciências ordinárias, por estudar um domínio diverso de fenômenos, pode-se, conforme o fez o próprio Kardec, mostrar que o Espiritismo é religioso, embora não se confunda com as religiões ordinárias.

Se no estabelecimento da primeira dessas teses tivemos que identificar corretamente que características de uma teoria a tornam científica, temos, para justificar a segunda, que estabelecer critérios adequados para a classificação de uma doutrina no âmbito religioso.

Essa tarefa deve começar pela análise etimológica da palavra religião. Ela vem do Latim religione, derivado de religare, que naturalmente significa "religar", estando, neste caso, subentendido que "religação" é da criatura ao Criador.

Surge aqui a primeira diferença entre o Espiritismo e as religiões ordinárias.

Estas usualmente entendem por Deus um ser supremo, criador de tudo o que existe, porém com características notoriamente antropomórficas.

Já o Espiritismo define-o como "a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas"(O Livro dos Espíritos, Questão n 1.), dando-lhe por atributos exclusivamente a eternidade, a imutabilidade, a imaterialidade, a unicidade, a onipotência e a soberana justiça e bondade (ibidem, Questão 13), o que evidentemente exclui qualquer caráter antropomórfico.

A segunda diferença fundamental está na maneira pela qual o Espiritismo entende que a religação entre a criatura e Deus pode e deve ser promovida.

Segundo as religiões ordinárias, ela se dá através do ajuste da criatura a certas regras morais (éticas) e/ou da satisfação de providências formais e externas de vária ordem, dependendo da religião: batismo, crisma, comunhão, confissão; participação em cultos, rituais, cerimônias; realização de determinados gestos; recitação de fórmulas e rezas; adoração de imagens e objetos diversos; promessas, penitências, jejuns; trazer em si as "marcas de Deus" etc.

Já o Espiritismo propõe que a religação da criatura ao Criador se faz exclusivamente pela adaptação de sua conduta a determinados preceitos morais, as medidas de ordem exterior sendo tidas não somente como supérfluas, como também de todo desaconselhadas e combatidas.

A terceira diferença reside em quais são as regras morais em questão.

O Espiritismo toma-as como unicamente aquelas propostas por Jesus, e que se resumem no preceito do amor ao próximo.

Já as religiões ordinárias podem, dependendo do caso, incluir ou não as normativas evangélicas, ou incluí-las parcialmente, ou acrescentar-lhes outras, ou alterar-lhes a interpretação original etc.

Por fim, crucial diferença surge no modo pelo qual essas regras éticas são justificadas.

As religiões ordinárias "justificam" as normas morais que propõem recorrendo à autoridade desse ou daquele indivíduo ou instituição; são dogmas, portanto artigos de fé a serem aceitos sem exame.

Já o Espiritismo fundamenta o corpo de seus preceitos éticos no conhecimento que cientificamente alcança das conseqüências das ações humanas ao longo da existência ilimitada dos seres, conjugado à cláusula teleológica de que todos almejam a felicidade. Não há aqui lugar para dogmas e imposições, mas exclusivamente investigação livre e racional dos fatos. Aliás esse já era o modo pelo qual o Apóstolo Paulo entendia a moral, pois em sua primeira carta aos Coríntios (10:23) asseverou: "Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, porém nem todas edificam."

Em artigo anterior ("Os fundamentos da ética espírita"; ver Referência Bibliográficas.) expusemos com certa extensão esse processo de fundamentação da moral espírita. Dada a relevância do tema, recorreremos aqui a algumas citações de Kardec, a fim de ilustrar o ponto e deixar clara sua posição.

Nos comentários às Questões 147 e 148 de O Livro dos Espíritos, que tratam do materialismo, Kardec refere-se à hipótese da aniquilação do ser com a morte corporal:

Triste conseqüência, se fora real, porque então o bem e o mal não teriam objetivo, o homem estaria justificado em só pensar em si e em colocar acima de tudo a satisfação de seus prazeres materiais; os laços sociais se romperiam, e as mais santas afeições se quebrariam irremediavelmente.
Passemos agora à Questão 222 do mesmo livro, onde encontramos:

Ora, pois: se credes num futuro qualquer, certo não admitis que ele seja idêntico para todos, porquanto, de outro modo, qual a utilidade do bem ? Por que haveria o homem de constranger-se ? Por que deixaria de satisfazer a todas as suas paixões, a todos os seus desejos, ainda que à custa de outrem, uma vez que isso não lhe alteraria a condição futura ?
No Item IV da Conclusão dessa obra Kardec é ainda mais explícito (destacamos):

O progresso da Humanidade tem seu princípio na aplicação da lei de justiça, de amor e de caridade. Tal lei se funda na certeza do futuro; tirai-lhe essa certeza e lhe tirareis a pedra fundamental. Dessa lei derivam todas as outras, porque ela encerra todas as condições da felicidade do homem.
No Item VIII Kardec reitera:

Razão, portanto, tivemos para dizer que o Espiritismo, com os fatos, matou o materialismo. Fosse este o único resultado por ele produzido e já muita gratidão lhe deveria a ordem social. Ele, porém, faz mais: mostra os inevitáveis efeitos do mal e, conseguintemente, a necessidade do bem.
O Capítulo I de A Gênese está repleto de considerações sobre essa fundamentação experimental-racional da ética espírita. Recomendamos vivamente a leitura, pelo menos, dos Parágrafos 31, 32, 35, 37, 42, 56 e 62. Do Parágrafo 37 extraímos esta assertiva (destacamos):

Tirai ao homem o espírito livre e independente, sobrevivente à matéria, e fareis dele uma simples máquina organizada, sem finalidade, nem responsabilidade [...].
No Parágrafo 42 encontramos:

Demais, se se considerar o poder moralizador do Espiritismo, pela finalidade que assina a todas as ações da vida, por tornar tangíveis as conseqüências do bem e do mal [...].
No Parágrafo 56 Kardec volta ao assunto, desta vez analisando as relações entre a moral evangélica e a espírita, que, conforme observamos, coincidem quanto às normas morais (destacamos):

O que o ensino dos Espíritos acrescenta à moral do Cristo é o conhecimento dos princípios que regem as relações entre os mortos e os vivos, princípios que completam as noções vagas que forneceu da alma, de sue passado e de sue futuro, e que dão por sanção à doutrina cristã as próprias leis da Natureza. Com o auxílio das novas luzes que o Espiritismo e os Espíritos espargem, o homem compreende a solidariedade que une todos os seres; a caridade e a fraternidade se tornam uma necessidade social; ele faz por convicção o que fazia unicamente por dever, e o faz melhor.
Encerrando essas notáveis citações de Kardec, que aliás poderiam estender-se ainda muito, adentrando, por exemplo, O Céu e o Inferno, obra inteiramente dedicada ao estudo teórico e experimental das conseqüências das ações humanas, voltamos ao comentário às Questões 147 e 148 de O Livro dos Espíritos, que fecha com chave de ouro estas nossas reflexões:

[...] a missão do Espiritismo consiste precisamente em nos esclarecer acerca desse futuro, em fazer com que, até certo ponto, o toquemos com o dedo e o penetremos com o olhar, não mais pelo raciocínio somente, porém, pelos fatos. Graças às comunicações espíritas, não se trata mais de uma simples suposição, de uma probabilidade sobre a qual cada um conjeture à vontade, que os poetas embelezem com suas ficções, ou cumulem de enganadoras imagens alegóricas. É a realidade que nos aparece, pois que são os próprios seres de além-túmulo que nos vêm descrever a situação em que se acham, relatar o que fazem, facultando-nos assistir, por assim dizer, a todas as peripécias da nova vida que lá vivem e mostrando-nos, por esse meio, a sorte inevitável que nos está reservada, de acordo com os nossos méritos e deméritos. Haverá nisso alguma coisa de anti-religioso? Muito ao contrário, porquanto os incrédulos encontram aí a fé e os tíbios a renovação do fervor e da confiança. O Espiritismo é, pois, o mais potente auxiliar da religião. Se ele aí está, é porque Deus o permite e o permite para que as nossas vacilantes esperanças se revigorem e para que sejamos reconduzidos à senda do bem pela perspectiva do futuro.

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Notas [volta ao índice]
1. Em nossas citações das obras de Allan Kardec utilizamos os originais franceses, aproveitando amplamente as traduções editadas pela Federação Espírita Brasileira; ver Referências Bibliográficas, no final deste artigo. [volta]

2. "Espiritismo e Ciência. Esboço de uma análise do Espiritismo à luz da moderna Filosofia da Ciência"; ver Referências Bibliográficas. O leitor interessado em filosofia da ciência poderá consultar o livro de Alan Chalmers What is this thing called science, que é razoavelmente acessível e contém abundantes referências às fontes primárias. [volta]

3. Ver, por exemplo, seu famoso artigo "Falsification and the methodology of scientific reserch programmes", citado nas Referências Bibliográficas. [volta]

4. A inclusão da Psicologia e da Sociologia é problemática, já que não parecem, em sua atual fase de desenvolvimento, cumprir os requisitos mínimos de uma verdadeira ciência. Nós espíritas temos razões adicionais para essa dúvida, dado que tais disciplinas, pretendendo estudar o ser humano, ignoram precisamente o que lhe é mais essencial, ou seja, o Espírito. [volta]

5. Esse tema foi também lucidamente tratado em artigo recente de Juvanir Borges de Souza, "Pesquisas e Métodos", publicado no número de abril de 1986 de Reformador, cuja leitura recomendamos vivamente. [volta]

6. "Le Spiritisme est-il une religion ?", Revue Spirite, 1868, p. 357. Transcrito em L'Obsession, pp. 279-92 (ver Referências Bibliográficas). Uma tradução desse artigo, por Ismael Gomes Braga, apareceu em Reformador, de março de 1976. Os destaques na citação acima são nossos. [volta]


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Referências Bibliográficas
ANDRÉ LUIZ. Missionários da Luz. (Psicografia de Francisco Cândido Xavier.) 6a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
BORGES DE SOUZA, J. "Pesquisas e Métodos", Reformador, abril de 1986, pp. 99-101.
CHALMERS, A. F. What is this thing called science? St. Lucia, University of Queensland Press, 1976.
CHIBENI, S. S. "Espiritismo e Ciência". Esboço de uma análise do Espiritismo à luz da moderna Filosofia da Ciência". Reformador, maio de 1984, pp. 144-7 e 157-9.
-----. "Os fundamentos da ética espírita". Reformador, junho de 1985, pp. 166-9.
EMMANUEL. Emmanuel. Dissertações mediúnicas sobre importantes questões que preocupam a Humanidade. (Psicografia de Francisco Cândido Xavier.) 5a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (O Livro dos Espíritos. Trad. de Guillon Ribeiro. 43a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.)
-----. Qu'est-ce que le Spiritisme. Paris, Dervy-Livres, 1975. (O que é o Espiritismo. s. trad. 25a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.)
-----. Le Livre des Médiums. Paris, Dervy-Livres, 1972. (O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro, 46a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.)
-----. La Genèse, les Miracle et les Prédictions selon le Spiritisme. Paris, La Diffusion Scientifique, s.d. (A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro, 23a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s. d.)
-----. L'Obssession. Extraits textuels des Revues Spirites de 1858 a 1868. Farciennes, Bélgica, Éditions de l'Union Spirite, 1950.
LAKATOS, I. "Falsification and the methodology of scientific reserch programmes". In: LAKATOS, I. & Musgrave, A. eds. Criticism and the Growth of Knowledge. Cambridge, Cambridge University Press, 1970. pp. 91-195.
(Publicado em Reformador, novembro de 1988, pp. 328-33 e dezembro de 1988, pp. 373-78. Digitado por Ademir L. Xavier Jr.)



texto - www.panoramaespirita.com.br/novo/artigos
imagem - juli.recantodasletras.com.br

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