domingo, 27 de fevereiro de 2011

A ALIMENTAÇÃO DOS ESPÌRITOS


Há um consenso nas informações dos amigos espirituais no que tange a este assunto. Embora a essência espiritual não tenha forma, pois é o princípio inteligente, os espíritos de mediana evolução ou seja aqueles relacionados ao nosso planeta, possuem um corpo espiritual anatomicamente definido e com fisiologia própria.

Nos "planos" espirituais temos notícia por inúmeros médiuns confiáveis, como Chico Xavier, Divaldo Franco etc, da organização de comunidades sociais que os espíritos constituem, às vezes assemelhadas às terrestres.

Ainda nos atendo ao critério kardecista de valorizarmos um conceito apenas quando houver multiplicidade de fontes sérias, confirmando-o, nos referiremos ao corpo espiritual e sua alimentação.

A energia cósmica que permeia o universo, ("fluido cósmico") é a matéria prima que sob o comando mental dos espíritos é utilizada para a constituição dos objetos por eles manuseados. Vide em "O livro dos médiuns" capítulo "do Laboratório do Mundo Invisível ".

O corpo dos espíritos, já mencionado até pelo apóstolo Paulo e conhecido nas diferentes religiões ou doutrinas, como perispírito, corpo astral psicossoma e mais de 100 (Cem) sinônimos, é constituído de um tipo de matéria derivada da energia cósmica universal ("Fluido cósmico universal ").

O corpo espiritual apresenta-se moldável conforme as emanações mentais do espírito. Cada espírito apresenta seu perispírito ou corpo espiritual com aspecto correspondente a elevação intelecto-moral. Seu estado psíquico vai determinar a sutilização do seu corpo.

Conforme se tem notícia através de inúmeros autores espirituais, o corpo espiritual apresenta-se estruturado por aparelhos ou sistemas que se constituem de órgãos; estes órgãos são formados por tecidos que, por sua vez, são constituídos por células. Há inclusive patologias celulares tratadas em hospitais da espiritualidade. O chamado mundo espiritual é (no nosso nível) um mundo material de outra dimensão.

As células do corpo espiritual, em nível mais detalhado,são formadas por moléculas que se constituem de átomos. Os átomos do perispírito são formados por elementos químicos nossos conhecidos, além de outros desconhecidos do homem encarnado.

Nas obras de Gustave Geley com de Jorge Andréa há referências mais específicas.

Para não alongarmos estas considerações preliminares, diríamos que o corpo dos espíritos é composto de unidades estruturais que apresentam vibração constante. Sabemos pelos mais elementares princípios da física, que todo corpo em movimento (vibração) no universo gasta energia, logo precisa repô-la o que equivale a se alimentar. As leis a física não são leis humanas mas leis divinas ( ou naturais ) às quais estão sujeitos todos os elementos do cosmo. Há portanto um desgaste energético natural do corpo espiritual pelas suas atividades o que o leva a necessidade de ser alimentado por fontes de energia.

Dependendo do nível evolutivo do espírito, e conseqüente densidade do perispírito, varia a qualidade do alimento ou energia que o mesmo necessita para manter suas atividades. Espíritos superiores simplesmente absorvem do cosmo os elementos energéticos ("fluídicos") que necessitam. Ao se colocarem em oração ( no sentido mais profundo ),sintonizam com níveis energéticos ainda mais elevados (freqüências mais altas ) aurindo para si o influxo magnético revitalizador, alimentando suas "baterias "espirituais.

Com relação aos espíritos mais relacionados com a nossa realidade, ou seja que ainda apresentam dificuldades em superar as tendências egoísticas, portanto traduzindo na configuração de seu corpo espiritual uma maior densidade, as necessidades são proporcionalmente mais densas.

Em colônias espirituais, os espíritos precisam da ingestão de alimentos energeticamente mais densos, fazendo-o de forma muito semelhante a nós encarnados. Recomendamos a propósito o estudo mais detalhado da obra "Nosso Lar "de André Luiz, que foi precursora de dezenas de outras onde se faz referência a alimentação , até as mais recentes "Violetas na Janela " etc.

As unidades energéticas do espírito, ou núcleos em potenciação, com o passar do tempo vão tendo cada vez maior dificuldade de se recarregar quanto mais primitiva for a evolução da entidade espiritual. ocorre um desgaste progressivo destas unidades energéticas, que passam a vibrar mais lentamente.

À medida que as vibrações se tornam mais lentas pelo desgaste, e há dificuldade de reposição das energias, vai se processando uma neutralização energética com redução progressiva das atividades do espírito. Quando este processo se instala vai determinar um torpor ou sonolência da entidade impelindo-a a reencarnação automática e compulsória.



Dr. Ricardo Di Bernardi




texto e imagem - http://www.rcespiritismo.com.br

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

TRAGÉDIAS PASSIONAIS


Altamir da Cunha altamir.



Segundo ensinamento dos espíritos, o orgulho é encontrado por trás de toda ação violenta.

Falar das tragédias passionais é falar de um tema que tem despertado muita polêmica na atualidade.

É comum ouvirmos a pergunta: Por que duas pessoas que se amavam tanto, de repente, passam manifestar atitudes de agressividade mútua, algumas vezes, culminando com a morte de uma delas ou de ambas?

Não raro, os órgãos de divulgação em massa divulgam as notícias sensacionalistas e, entre elas, esse tipo de tragédia.

O suicídio antecedido por homicídio tem despertado preocupação, dada a freqüência com que vem acontecendo entre casais com relacionamentos conflituosos.

Para analisarmos uma questão tão grave, com um certo aprofundamento, não poderíamos desconsiderar a influência dos fatores afetivos, econômicos, culturais, psicológicos, sociológicos e espirituais.

Com base nos ensinamentos dos mentores espirituais, obtidos através da literatura espírita, por trás de toda ação violenta encontra-se sempre o orgulho com seus tentáculos poderosos, escravizando e destruindo, relutando em aceitar o perdão e o diálogo como instrumentos indispensáveis para resolver conflitos e estabelecer a paz.

A alma orgulhosa é infeliz e árida de generosidade; invigilante, aceita a violência como solução de problemas que somente a fé em Deus, associada à compreensão e à paciência, consegue resolver. Sem estes recursos, que lhe proporcionariam refrigério para o coração e lucidez para a mente, ela dá guarida a pensamentos de revolta, gerando correntes de sentimentos negativos agressivos. Com a mente em desalinho, atrai para si mesmo outras mentes afins, desencadeando complexos processos obsessivos. A princípio como simples sugestões, que ela confunde com seus próprios pensamentos; com a continuação, as proteções vibratórias enfraquecidas pela ação conjunta do sentimento negativo e a ação persistente de verdugos espirituais, favorece a que se estabeleça o domínio total.

Neste estágio o seu livre arbítrio já se encontra comprometido; como marionete, guiado por mãos poderosas ela executa as ações criminosas, da quais, inconscientemente, se torna maior vítima.

É, de certa forma, uma atitude paradoxal, pois os autores desse tipo de tragédia justificam-se dizendo agir em nome do amor. Movidos, então, pelo ciúme, pelo egoísmo, e incontrolável desejo de posse (refletido no medo de perder a pessoa amada), outros existem que atentam contra a própria vida, logo após à ação criminosa.

Estudiosos da área de psicologia afirmam: "O ciúme negativo nasce do apego aos objetos. Geralmente as pessoas ciumentas se sentem mal se alguém usa algum objeto seu. O ciumento trata o ser amado como se fosse um objeto da sua propriedade".

O cíúme e auto-estima estão sempre relacionados. Uma baixa na auto-estima gera insegurança, complexo de inferioridade (o complexado interpreta que os outros são sempre melhores, mais bonitos, mais competentes).

À luz da Doutrina Espírita (com base na reencarnação e na lei de causa e efeito), o ciumento de hoje pode ser interpretado como o traído de ontem que não conseguindo superar o trauma vive atormentado pelo medo de ser traído novamente.

Esta situação, associada ao comportamento machista, tem se apresentado como fator desencadeante de muitas tragédias

Inúmeras vezes, através do atendimento pelo diálogo (prática comum na casa espírita), conversamos com pessoas que procuravam uma orientação para os conflitos conjugais. Em alguns, a verbalização era semelhante: “Não me conformo em perdê-la. Confesso que não suporto a idéia de vê-la com outro. Sem ela, prefiro morrer. Eu me mato; mas antes a matarei”.

Apesar de ser mais freqüente entre os homens a autoria desse tipo de tragédia, tem crescido bastante a violência praticada pelas mulheres.

É importante não esquecermos que a tragédia passional é fruto de um processo: não se desencadeia de uma hora para outra. Normalmente, a relação há tempo vem sob um clima de conflitos e/ou desrespeito.

São duas pessoas no relacionamento, porém se apresentam sempre dois culpados e dois inocentes cada um joga a culpa no outro e ambos se dizem inocentes.

Na verdade, uma das partes não está sabendo lidar com a idéia da perda.

Estabelecido o clima de desarmonia, com o passar do tempo a situação torna-se insuportável. O desgaste psicofisico é inevitável, e com ele a instalação de estados depressivos e obsessões, reconhecidos como importantes fatores desencadeantes das idéias suicidas.

O psiquiatra americano Karl Menninger. com base em Freud, afirma que o suicídio está associado à emersào de três elementos intrapsíquicos, inconscientes:
a) a vontade de matar
b) a vontade de morrer
c) a vontade de ser morto

Com base nesta teoria, certamente os casos específicos, de suicídio antecedido por homicídio, funcionam como ação conjunta dos dois primeiros (a vontade de matar e a vontade de morrer).

Entretanto, em qualquer aspecto analisado, ante tantas tragédias como estas, que caracterizam o mundo contemporâneo, a fé em Deus se apresenta como único instrumento capaz de despertar a esperança e estabelecer a paz.

A sintonia com Deus, obtida pela sintonia com os princípios da moral evangélica, ensinada por Jesus, é a luz diamantina para as nossas consciências obnubiladas pelo orgulho.

Não basta aceitarmos a sua existência ou nos filiarmos a um seguimento religioso, é necessário nos identificarmos com a lei de amor a Deus, amor a si mesmo e amor ao próximo.

Desse estado de elevação mental resultará uma relação harmoniosa, refletida no respeito, na compreensão e na renúncia.

Não mais existirão a vontade de matar, de morrer ou de ser morto; porque quem ama, defende a vida, e somente vivendo pode amar em plenitude.


Nota: o autor é bacharel em matemática, escritor e expositor espírita no Rio Grande do Norte.


Revista Internacional de Espiritismo - Maio de 2007




texto - http://wwwpanoramaespirita.com.br
imagem - carlosespirita.blogspot.com

sábado, 19 de fevereiro de 2011

CONFISSÃO DE VOLTAIRE


Revista Espírita, setembro de 1859

Um dos nossos correspondentes de Boulogne, a propósito da entrevista de Voltaire e Frédéric, que publicamos no último número da Revista, nos dirige a seguinte, comunicação que aqui inserimos com tanto maior bom grado porque ela apresenta um lado eminentemente instrutivo do ponto de vista espírita. Nosso correspondente fá-la preceder de algumas reflexões que nossos leitores ficarão contentes por não omiti-las.
"Se jamais um homem, mais que um outro, deve sofrer os castigos eternos, esse homem é Voltaire. A cólera, a vingança de Deus persegui-lo-ão para sempre. Eis o que nos dizem os teólogos da velha escola.
"Agora que dizem os mestres da teologia moderna? Pode ocorrer, dizem, que desconheçais o homem, não menos que o Deus do qual falais; guardai para vós vossas baixas paixões de ódio e de vingança e não enlameais com elas vosso Deus. Se Deus se inquieta por esse pobre pecador, se toca o inseto, isso será para arrancar seu ferrão, para reconduzir a ele uma cabeça exaltada, um coração extraviado. Dizemos, além disso, que Deus sabe ler nos corações, de outro modo que vós, encontra ali o bem onde não encontrais senão o mal. Se dotou esse homem de um grande gênio, foi para o bem da raça, não para a sua infelicidade.
Que importam, pois, essas primeiras extravagâncias, esses passos de livre condutor entre vós? Uma alma dessa tempera não poderia, em quase nada, fazer outras: a mediocridade ser-lhe-ia impossível no que quer que fosse. Agora que está orientado, qual um potro indomável e jogou as patas e os dentes na sua pastagem terrestre, que vem a Deus como corcel dócil, mas sempre grande, soberbo para o bem tanto quanto fora para o mau. No artigo que segue, veremos por quais meios operou-se essa transformação; veremos nosso garanhão do deserto, a crina ainda alta, as narinas ao vento, fazer sua corrida através dos espaços do Universo. Foi que ali, ele, o pensamento soerguido, encontrou essa liberdade que era sua essência, e se deu a plenos pulmões dessa respiração de onde tirava sua vida! Que lhe aconteceu? Ele se perdeu, ele se confundiu; o grande pregador do nada enfim encontrou o nada, mas não como ele o compreendia; humilhado, decaído por si mesmo, ferido em sua pequenez, ele que se acreditava tão grande foi aniquilado diante de seu Deus; ei-lo com a face ao chão; espera sua sentença; essa sentença é:
Reabilita-te, meu filho, ou vai-te, miserável! Encontrar-se-á o veredito na comunicação que se segue.
"Esta confissão de Voltaire terá maior valor na Revista Espírita porque ela o mostra sob seu duplo aspecto. Vimos alguns Espíritos naturalistas e materialistas que, de cabeça alterada, tanto quanto seu mestre, mas sem ter seu coração, persistiam em glorificar-se em seu cinismo. Que estes permaneçam no inferno tanto quanto lhes agrada desafiar o céu, a zombar de tudo o que faz a felicidade do homem, é lógico, é seu lugar próprio; mas encontramos lógica também em que aqueles que reconhecem seus erros lhes recolham o fruto. Também, ter-se-á a bondade de crer que não nos pomos como apologistas do velho Voltaire; aceitamo-lo somente em seu novo papel e nos regozijamos com a sua conversão, a qual glorifica a Deus, e não pode deixar de impressionar profundamente aqueles que, hoje ainda, se deixam arrastar por seus escritos. Ali está o veneno, aqui está o antídoto.
"Esta comunicação, traduzida do inglês, foi extraída da obra do juiz Edmonds, publicada nos Estados Unidos. Ela toma a forma de uma conversação entre Voltaire e Wolsey, o célebre cardeal inglês do tempo de Henrique VIII. Dois médiuns foram impressionados separadamente para transmitirem esse diálogo."

Voltaire. - Que imensa revolução no pensamento humano ocorreu desde que deixei a Terra!

Wolsey. - Com efeito, essa infidelidade que censuráveis então, aumentou desmesuradamente desde aquela época. Não é que ela tenha maiores pretensões hoje, mas é mais profunda e mais universal, e ao menos que seja detida, ela ameaça tragar a Humanidade no
materialismo, mais do que o fez durante séculos.

Voltaire. - Infidelidade em quê e contra quem? Está na lei de Deus e do homem? Pretendes me acusar de infidelidade porque não me submeti aos estreitos preconceitos de seitas que me rodeavam? É que minha alma estava a pedir uma amplidão de pensamento, um raio de luz, além das doutrinas humanas. Sim, minha alma nas trevas tinha sede de luz.

Wolsey. - Também eu não quis falar senão da infidelidade que se vos imputava, e, ah! não sabeis que muito essa imputação vos pesa ainda. Eu me permito não vos censurar, mas vos dirigir as queixas, porque vosso desprezo pelas doutrinas de hoje, em tanto que estas não eram senão materiais e inventadas pelos homens, não poderiam lesar Espíritos semelhantes ao vosso. Mas essa mesma causa que agia sobre o vosso Espírito, operava igualmente sobre outros, os quais eram muito fracos e muito pequenos para alcançarem os mesmos resultados que vós. Eis, portanto, como aquilo que, em vós, não era senão uma negação dos dogmas dos homens, se traduzia nos outros em reino de Deus. Foi dessa fonte que se espalhou, com uma rapidez assustadora, a dúvida sobre o futuro do homem. Eis também porque o homem, limitando as suas aspirações a este único mundo, caiu cada vez mais no egoísmo e no ódio ao próximo. É a causa, sim, a causa desse estado de coisas que importa procurar porque uma vez encontrada, o remédio será comparativamente fácil. Dizei-me: conheceis essa causa?

Voltaire.- Minhas opiniões, tais como foram dadas ao mundo, foram marcadas, é verdade, por um sentimento de amargura e de sátira; mas, notai bem, quando eu tinha o Espírito importunado, por assim dizer, por uma luta interior. Eu olhava a Humanidade como me sendo inferior em inteligência e em penetração; não a via senão como marionetes que poderiam ser conduzidas por todo homem dotado de uma vontade forte, e me indignava por ver essa Humanidade que se arrogava uma existência imortal, estar repleta de elementos ignóbeis.
Era necessário, portanto, crer que um ser dessa espécie partira da Divindade, e que poderia, por sua medíocre mão, assenhorar-se da imortalidade? Essa lacuna entre duas existências tão desproporcionadas me chocava, e eu não podia preenchê-la. Eu não via senão o animal no homem, não o Deus.
Reconheço que, em alguns casos, minhas opiniões tiveram tendências deploráveis; mas tenho a convicção de que, em outros aspectos, tiveram o seu lado bom. Elas chegaram a reerguer várias almas que estavam degradadas na escravidão; elas quebraram as cadeias do pensamento e deram asas às grandes aspirações. Mas, ah! eu também, que planava tão alto, perdi-me como os outros.
Se em mim a parte espiritual estivesse tão desenvolvida quanto a parte material, raciocinaria com mais discernimento; mas confundindo-as, perdi de vista essa imortalidade da alma que eu procurava, e que não pedia mais do que encontrar; também, dominado que estava com a minha luta com o mundo, com isso cheguei, quase apesar de mim, a negar a existência de um futuro. A oposição que eu fazia às tolas opiniões e à cega credulidade dos homens, impeliam-me a negá-lo ao mesmo tempo, e a contrapor todo o bem que a religião cristã poderia fazer. Entretanto, por infiel que fosse, sentia que era superior aos meus adversários; sim, bem além da importância de sua inteligência; a bela face da Natureza revelava-me o Universo, inspirava-me o sentimento de uma vaga veneração, misturado ao desejo de uma liberdade ilimitada, sentimento que jamais estes experimentaram, agachados que estavam nas trevas da escravidão.
Minhas obras têm, portanto, seu lado bom, porque sem elas o mal que viria para a Humanidade poderia ser pior, sem oposição nenhuma. Vários homens não quiseram mais a sua subjugação; muitos deles se libertaram, e se o que eu preguei lhes deu um único pensamento elevado, ou lhes fez dar um único passo no caminho da ciência, não foi abrir-lhes os olhos quanto à sua verdadeira condição? O que eu lamento é ter vivido tanto tempo na Terra sem saber o que poderia ser, e o que poderia fazer. O que eu não faria, se fosse abençoado com as luzes do Espiritismo, que despertam hoje no Espírito dos homens!
Incrédulo e incerto entrei no mundo dos Espíritos. Só minha presença bastava para banir todo vislumbre de luz que pudesse esclarecer minha alma obscurecida; fora a parte material de meu ser que se desenvolveu na Terra; quanto à parte espiritual, ela se perdera no meio de meus descaminhos procurando a luz; ela se achava presa como numa jaula de ferro.
Altivo e zombador, eu aí iniciava, não conhecendo, nem me importando em conhecer, esse futuro que tanto combatera quando no corpo. Mas fazemos aqui esta confissão: sempre encontrei, em minha alma, uma pequena voz que se fazia ouvir através das barreiras materiais, e que pedia a luz. Era uma luta incessante entre o desejo de saber e uma obstinação em não saber. Assim, pois, minha entrada ficou longe de ser agradável, não vinha descobrir a falsidade, a coisa nenhuma das opiniões que sustentara com toda a força de minhas faculdades? O homem se achava imortal, afinal de contas, eu não poderia deixar de ver e deveria existir um Deus, um Espírito imortal, que estava acima e que governava esse espaço ilimitado que me rodeava.
Como eu viajasse sem cessar, sem me conceder nenhum repouso, a fim de me convencer que isso poderia muito bem, ainda, ser um mundo material, ali onde eu estava, minha alma lutou contra a verdade que me esmagava! Não pude me realizar como Espírito que acabara de deixar sua morada mortal! Não tive aí ninguém com quem pudesse entabular relações, porque recusara a imortalidade a todos. Não existia repouso para mim: eu estava sempre errante e incerto; o Espírito em mim, tenebroso e amargo, talhado do maníaco, impossibilitado de seguir alguma coisa ou deter-se.
Foi, eu o digo, zombador e desconfiado que abordei o mundo espírita. Primeiro fui conduzido para longe das habitações dos Espíritos, e percorri o espaço imenso. Em seguida, me foi permitido lançar os olhos sobre as construções maravilhosas das moradas espíritas e, com efeito, elas me pareceram surpreendentes; fui impelido, aqui e ali, por uma força irresistível; tive que ver, e ver até que minha alma transbordasse pelos esplendores, e derrotada diante do poder que controlava tais maravilhas. Enfim, quis me esconder e me agachar no oco das rochas, mas não pude.
Foi nesse momento que meu coração começou a sentir a necessidade de se expandir; uma associação qualquer tornou-se urgente, porque eu queimava para dizer o quanto fora induzido ao erro, não por outros, mas pelos meus próprios sonhos. Não me restava mais a ilusão quanto à minha importância pessoal, porque eu não sentia senão muito o quanto era pouca coisa nesse grande mundo dos Espíritos. Estava, enfim, de tal modo caído de desgosto e de humilhação, que me foi permitido juntar-me a alguns dos habitantes. Foi dali que pude
contemplar a posição que me fizera na Terra, e o que disso resultou, para mim no mundo espírita. Eu vos deixo o acreditar se essa apreciação foi-me risonha.
Uma revolução completa, um transtorno total ocorreu no meu organismo espírita, e professor que fora, tornei-me o mais ardente aluno. Com a expansão intelectual que trazia comigo, quanto progresso fiz! Minha alma se sentia iluminada e abraçada pelo amor divino; suas aspirações rumo à imortalidade, de comprimidas que estavam, tomaram impulsos gigantescos. Eu via o quanto meus erros foram grandes, e o quanto a reparação a fazer deveria ser grande para expiar tudo o que fizera ou dissera, que pudera seduzir e enganar a
Humanidade. Como são magníficas essas lições da sabedoria e da beleza celestes! Elas ultrapassam tudo o que imaginara na Terra.
Em resumo, vivi bastante para reconhecer, na minha existência terrestre, uma guerra encarniçada entre o mundo e a minha natureza espiritual. Lamentei profundamente as opiniões que promulguei e que deveram desencaminhar muitos do mundo; mas, ao mesmo tempo, foi penetrado de gratidão pelo Criador, o infinitamente sábio, que eu me sinto haver sido um instrumento com ajuda do qual os Espíritos dos homens puderam se portar na direção do exame e do progresso.

Nota. Não acrescentaremos nenhuma reflexão nesta comunicação, da qual cada um apreciará a profundeza e alta importância e onde se encontra toda a superioridade do gênio. Nunca talvez um quadro mais grandioso e mais impressionante foi dado do mundo espírita, e da influência das idéias terrestres sobre as idéias de além-túmulo. Na conversa que publicamos no nosso último número, encontramos o mesmo fundo de pensamentos, embora menos desenvolvidos e, sobretudo, menos poeticamente exprimidos. Aqueles que não se apegam senão à forma dirão, sem dúvida, que não reconhecem o mesmo Espírito nessas duas comunicações, e que a última, sobretudo, não lhes pareça à altura de Voltaire; de onde concluirão que uma das duas não é dele.
Seguramente, quando nós o chamamos, ele não nos trouxe sua certidão de nascimento, mas quem veja abaixo da superfície, será tocado pela identidade de vistas e de princípios que existe entre essas duas comunicações, obtidas em épocas diversas, a uma tão grande distância, e em línguas diferentes. Se o estilo não for o mesmo, não há contradição no pensamento, e é o essencial. Mas se foi o mesmo Espírito que falou nessas duas comunicações, por que foi tão explícito, tão poético numa, ao passo que foi tão lacônico, tão vulgar na outra? Fora preciso não estudar os fenômenos espíritas para disso não se dar conta. Isso prende-se à mesma causa que faz que o mesmo Espírito dê formosas poesias por um médium, e não possa ditar um único verso por um outro. Conhecemos médiuns que não são poetas, pelo menos do mundo, e que obtêm versos admiráveis, como há outros que jamais aprenderam a desenhar e que fazem em desenho coisas maravilhosas. É necessário, pois, reconhecer que, abstração feita das qualidades intelectuais, há nos médiuns aptidões especiais que os tornam, para certos Espíritos, instrumentos mais ou menos flexíveis, mais ou menos cômodos. Dizemos para certos Espíritos, porque os Espíritos têm também suas preferências, fundadas sobre razões que nem sempre conhecemos; assim, o mesmo Espírito será mais ou menos explícito, segundo o médium que lhe sirva de intérprete, e sobretudo segundo o hábito que tem dele servir-se; porque é certo, por outro lado, que um Espírito que se comunica freqüentemente pela mesma pessoa o faz com maior facilidade que aquele que vem pela primeira vez. O impulso do pensamento, portanto, pode ser entravado por uma multidão de causas, mas quando é o mesmo Espírito, o fundo do pensamento é o mesmo, embora a forma seja diferente, e o observador um pouco atento reconhece-lo-á facilmente em certos traços característicos. Narraremos, a esse respeito, o fato seguinte:
O Espírito de um soberano, que desempenhou no mundo um papel importante, chamado em uma de nossas reuniões, iniciou por ato de cólera rasgando o papel e quebrando o lápis. Sua linguagem esteve longe de ser benevolente, porque se achava humilhado por vir entre nós, e
perguntou se acreditávamos que ele deveria se abaixar para nos responder. Conviu, entretanto, que, se o fazia, era como constrangido e forçado por uma força superior à sua; mas se isso dependesse dele não o faria. Um dos nossos correspondentes da África, que não tinha nenhum conhecimento do fato, escreveu-nos que, em uma reunião da qual fazia parte, quiseram evocar o mesmo Espírito. Sua linguagem foi sob todos os pontos idêntica: "Credes, disse ele, que se fosse voluntariamente, viria aqui, nesta casa de negociantes, que talvez um dos meus súditos não gostaria de morar? Eu não vos respondo; isso me lembra meu reino onde era tão feliz; eu tinha autoridade sobre todas as minhas gentes, agora é necessário que eu seja submisso." O Espírito de uma rainha que, durante sua vida, não se distinguiu pela bondade, respondeu no mesmo círculo: "Não me interrogueis mais, pois me aborreceis; se tivesse ainda o poder que tive na Terra, vos faria muito se arrependerem, mas zombais de mim, da minha miséria, agora que não posso nada sobre vós; sou bem infeliz!" - Não está aí um curioso estudo de costumes espíritas?


texto - Revista Espírita, set.1859
imagem - comunidademaconica.com.br

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

LIDES OBSESSIVAS


Roque Jacintho

Um grupo de desobsessão é luz que se acende, em esperanças novas, a almas inúmeras que se encontram escravizadas a planos inferiores da espiritualidade. São portas de libertação franqueadas a quantos aceitem a reforma íntima e a reformulação de seus programas individualistas, incorporando-se às normas santificadoras do Cristianismo Redivivo.

Mas, como toda tarefa nobre, conta com inimigos.

Os Espíritos que se opõem a esses esclarecimentos espíritas-cristãos movimentam os seus recursos para dar combate àqueles que, até então súditos passivos de um reinado negro, se elegem agora por roteiros vivos de regeneração e de arrependimento.

E procuram desbaratar os obreiros congregados.

Para atingir seu objetivo não têm escrúpulos de qualquer ordem, valendo-se de todos os artifícios para os seus propósitos tenebrosos. Entre esses, um existe que produz espantosos efeitos desagregantes e que, pelo mal gerado, deve ser estudado com particular carinho e interesse por quantos componham os círculos de tarefas desobsessivas.

É o da insinuação de imoralidade.

Quando esses irmãos desequilibrados sentem que todas as suas investidas resultam infrutíferas e que o grupo se sustenta afinizado, ameaçando-lhes os redutos mais profundos, aproximam-se do núcleo de trabalhos e insinuam ou afirmam mesmo, face a face, que o doutrinador encarnado não tem qualidades morais para o posto que ocupa.

II — Reação

A afirmação de que o doutrinador tem falhas, preparada psicologicamente pelas mentes conturbadas, não raro encontra companheiros invigilantes, dentro do grupo de encarnados, que sé escandalizam intimamente com a informação venenosa e gratuita. É-lhes inconcebível aceitar que à cabeceira da mesa de socorro esteja alguém com um passado enodoso.

Desse momento em diante as suas emissões mentais, que antes se regulavam pela vivência fraterna e pelo ideal de caridade ao desencarnado, afloram com alternâncias de dúvidas e de desconfiança, coloridas por um pudor extremado e farisaico.

Vestindo-se com tal zelo doentio e com as aparências de virtudes, elegem-se em duros censores do doutrinador, denegrindo-o mentalmente ou relatando na roda de amigos as «surpreendentes revelações do obsessor».

Olvidam anos de trabalhos e incontáveis sacrifícios, detendo-se em comentar o escândalo criado pela afirmativa. E consorciando-se, sem o perceberem, aos interesses do próprio obsessor, a pouco e pouco se fazem inabilitados aos trabalhos redentores ou, então, permanecem no agrupamento e expurgam o doutrinador.

Acreditam-se dignos de compor assembléias de anjos.

III — O silêncio

Perante tais sucessos, qualquer reação do doutrinador será vã.

Se contra-argumenta com o obsessor para alijar de si a condenação verbal que nasceu no decorrer do trabalho socorrista, o comunicante foge de analisar a afirmativa ou, então, reafirma suas expressões, quer lançando mão da calúnia, quer lançando mão da maledicência e revirando o lixo das paixões em que já nos imantamos um dia.

Se o doutrinador silencia, confiando ao tribunal de sua própria consciência o julgamento de seus atos, o Espírito procura mostrar-se um vitorioso, deixando claro que, segundo a afirmação popular: «Quem cala, consente».

Na realidade, em momentos tais, o doutrinador deve silenciar e confiar em seus amigos de tarefas cristãs, mesmo que seja para ver desbaratar o grupo, se este for invigilante.

IV — Resposta certa

A atitude de acerto cabe, pois, aos amigos encarnados que formam o grupo desobsessivo. Devem lembrar-se de que estão face a face com Espíritos dementados, para os quais todos os recursos são válidos e todas as mentiras poderão receber a capa de uma verdade. Acompanhá-los em seus propósitos será sempre acumpliciar-se com seus desequilíbrios e imanar-se às suas ondas mentais, rompendo com a harmonia que deve viger nesse setor de serviços.

A vigilância é importante.

Não deve, pois, o participante da reunião agasalhar em seu coração as informações levianas. Nelas descobrirá as investidas ardilosas que visam a desbaratar o próprio agrupamento.

Evidente que nenhum dos participantes da reunião é perfeito.

Nossa ficha espiritual tem manchas.

Mas, essas nódoas os nossos Mentores já as conheciam e as toleravam, porque sabem que o trabalho dedicado e permanente é o verniz corretor que apagará, uma a uma, todas as ma­zelas que houvermos escrito em nosso currículo de aprendizagem terrena.

V — Os mentores

Se a afirmativa do obsessor é falsa, porque os nossos Mentores Espirituais hão de permitir os riscos enormes, um dos quais é a desagregação que se instalava na área de trabalhos?

A razão é simples.

Estamos todos em fase de aprendizagem. Temos de aprender a ser fortes em tolerância, em fraternidade, em caridade, em amor aos nossos semelhantes. E o meio mais apropriado ao exercício dessas virtudes é aquele em que nos integramos no serviço.

Em permitindo que o veneno circule nesse meio, visam os Orientadores proporcionar-nos um teste de nossas aquisições reais, a fim de que nos dotemos de virtudes efetivas e não aparentes.

Onde haja tristeza, provaremos nossa alegria.

Onde haja desalento, provaremos nosso ânimo.

Onde haja montanhas, provaremos nossa fé.

Onde haja maledicência, provaremos nosso amor.

E’ contristador o destrambelhamento de um grupo de trabalhos desobsessivos, sob o peso da mentira. Porém é mais contristador o continuar a iludir a nós mesmos, adornando-nos com qualidades que ainda não conquistamos.

Correndo, pois, todos os dolorosos riscos de tumultuar uma reunião que se propõe a sérios propósitos, ainda é por amor a nós que os nos­sos Mentores Espirituais concordam em que nos submetamos à prova que triará as conquistas íntimas ou que nos enviará aos caminhos amargosos da reaprendizagem.

VI — Utilidade

À vista, portanto, de nossa extrema necessidade de progressão espiritual, os Mentores permitem que a leviandade visite o nosso meio como lição viva e inolvidável que compreenderemos no curso dos séculos.

Nossa reação, no entanto, depende do livre arbítrio que nos é concedido.

Se estivermos interiormente jungidos às zonas do mal, o mal aflora à nossa alma, qual a tiririca que brota à primeira chuva. Se estamos voltados efetivamente para os Céus, o Bem nasce generoso em nossos pensamentos e devotaremos, então, ainda mais amor e ternura ao companheiro que aceitou o posto sacrificial da doutrinação e da evangelização de obsessores tenazes, humilhando-se por muito amar e parecendo derrotado, para vitoriar-se junto a Jesus na redenção dos pobres irmãos do caminho.

*Nas ocasiões da visita do escândalo, sufoquemos o mal com as nossas orações em favor do companheiro que suporta, calado, as insinuações deprimentes e revelemos que efetivamente estamos com Jesus, pois: «Quem não é por nós é contra nós».


Fonte: Reformador – Janeiro/1966


texto - http://terraespiritual.locaweb.combr/espiritismo/artigo482
imagem - amigoespirita.ning.com

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

JERICÓ - A CIDADE PALCO DE FEITOS INAUDITOS


Sempre nos chamou a atenção o épico bíblico sobre a conquista da cidade de Jericó pelos hebreus, narrada no livro de Josué.

Para que possamos nos situar diante dessa história, vamos, dentro do possível, resumir sua narrativa até chegar a esse ponto da conquista. O povo hebreu pernoitava às margens do rio Jordão, já se preparando para receber a posse da terra que Deus lhe havia prometido (aliás, eliminando os donos para dá-la a ele) tem pela frente, a cidade de Jericó. Josué, que o liderava, manda dois espiões para examinarem a cidade, que são recebidos por Raab, uma prostituta. Ela os esconde do rei de Jericó, tendo deles a promessa de salvá-la quando do ataque final à cidade. Depois disso Josué instrui que, na travessia do Jordão, os sacerdotes deveriam ir à frente, carregando a Arca da Aliança; e um fato extraordinário acontece, então: o rio se divide em dois; vejamos o relato:

Josué 3,14-17: “Quando o povo deixou as tendas para atravessar o Jordão, os sacerdotes que levavam a arca da aliança caminhavam na frente do povo. Chegando ao Jordão, quando os sacerdotes que levavam a arca molharam os pés na beira da água - pois o Jordão transborda sobre as margens durante o tempo da ceifa - a água que vinha de cima parou, levantando-se num só monte, bem longe, em Adam, cidade que fica ao lado de Sartã; e a água que descia ao mar da Arabá, o mar Morto, escoou totalmente, de modo que o povo pôde atravessar diante de Jericó. Os sacerdotes, que levavam a arca da aliança de Javé, ficaram parados no leito seco, no meio do Jordão, enquanto todo o Israel atravessava a pé enxuto, até que todos acabaram de atravessar.”

Estamos diante do nosso primeiro problema, qual seja, a divisão das águas do rio Jordão. Estaria repetindo-se o acontecido no Mar Vermelho? Vamos elucidar essa questão.

Em se referindo ao fato, os tradutores Pe. Matos Soares, João Ferreira de Almeida e os missionários capuchinhos de Portugal disseram:

A grandiosidade do milagre pode ser argüida pelo fato de que se verificou no tempo e lugar preanunciado, quando o rio – por causa do degelo das neves do monte Hermon – estava em cheia e, portanto, com o dobro da largura que habitualmente tem, cerca de 60m, com águas vorticosas e rápidas que dificilmente se podia atravessar. Segundo cronista árabe Nuwairi, em 1267 as águas do Jordão interromperam o curso durante dez horas por causa de um deslizamento que lhe obstruíra o leito. Nada obsta que Deus se tenha servido de uma causa natural para conseguir seus fins. (Paulinas, 1980, p. 222-223).

O Jordão transbordava nos meses de maio e junho. Em Adã, cidade 25 km ao norte, o Jordão corre entre ribanceiras de barro de 13m de altura, sujeitas a desmoronamento. Podia ter sido o método que Deus usou para estancar as águas e deixar passar o povo, na hora determinada por Ele. (Vida Nova e SBB, 2005, p. 309).

A descrição das águas a amontoarem-se e as do sul a escoarem-se para o Mar Morto não nos deve levar a uma imagem pueril de duas colunas de água, por meio das quais passaram os israelitas. Vê-se que o autor pretende mostrar a intervenção miraculosa de Deus em favor do seu povo, no momento preciso e na medida necessária. Isto não exclui que Deus se tenha servido dos elementos naturais da região. Sabemos que as águas do Jordão, no seu leito estreito e profundo, vão minando as margens, provocando de vez em quando grandes desabamentos de terras que podem obstruir por completo, a torrente. A partir desse lugar, o leito permanece seco até que as águas rompem uma passagem e encontram de novo o seu caminho. A história conta-nos que isso aconteceu em 1267, 1914 e 1927. Em nada se diminuiria a ação de Deus se se tivesse servido miraculosamente nesse momento exato, destes elementos locais. (Santuário, 1984, p. 286).

É interessante como se faz questão de enxergar milagre em todos os fenômenos de ordem natural, como se Deus fosse um mágico retirando variados objetos de sua cartola.

Em Josué 2,7 fala-se em “vaus do Jordão”, ou seja, havia, nesse rio, trechos rasos, pelos quais se podia passar a pé ou a cavalo. Explicado isso, vejamos o que sobre o assunto disse Werner Keller:

Hoje há uma pequena ponte sobre o vau. O Jordão é estreito, muito estreito, e sempre apresentou muitos vaus. A população local conhece-os perfeitamente. Próximo de Jericó, as águas sujas de lama amarela durante a seca mal atingem dez metros de largura.

Quando Israel chegou ao Jordão, o rio estava cheio. “Porque o Jordão, sendo tempo de ceifa, inundava as margens do seu leito” (Josué 3.15). Como acontece todos os anos, havia começado o degelo das neves do Hermon. “As águas, que vinham de cima, pararam num só lugar, e levantando-se à maneira de um monte...” - como que se empilharam - “... perto da cidade de Adom... e todo o povo de Israel ia passando pelo leito do rio a pé enxuto” (Josué 3.26 e 17). El Damiyeh, um vau muito usado no curso médio, lembra esse sítio de Adom. Se as águas crescerem subitamente, poderá se formar nesse lugar raso, durante um breve período, uma espécie de açude natural, enquanto o curso inferior se mantém quase inteiramente seco.

Entretanto, o represamento da água do Jordão, que tem sido testemunhado diversas vezes, é devido sobretudo a terremotos. O último dessa espécie aconteceu em 1927. Devido a um violento abalo desmoronaram-se as margens do rio, e grandes massas de terra das pequenas colinas que se erguem ao longo de todo o curso serpeante rolaram para o rio. A água ficou inteiramente represada durante vinte e uma horas. Em 1924, ocorreu a mesma coisa. Em 1906, o Jordão entulhou-se de tal modo devido a um terremoto, que o leito do rio abaixo de Jericó ficou inteiramente seco durante vinte e quatro horas. Narrativas árabes falam de um acontecimento semelhante em 1267 da nossa era. (KELLER, 2000, p. 176-177). (grifo nosso).

Eis as explicações da arqueologia, contra a qual não adiantará protestar. Demonstrado, portanto, o caso como fenômeno de ordem puramente natural, causado por terremotos na região, que fazem com que se deslizem, para o leito do rio Jordão, grande quantidade de terra.

Estamos agora do outro lado do rio, perto de Jericó, quando Josué tem uma grata surpresa:

Josué 5,14: “... Josué levantou os olhos e viu em pé diante de si um homem com a espada desembainhada na mão. Josué se aproximou dele e perguntou: 'És a nosso favor ou a favor dos nossos inimigos?' Ele respondeu: 'Eu sou o chefe do exército de Javé, e acabo de chegar'. Então Josué prostrou-se com o rosto por terra e o adorou...”

Como se diz: gente, com uma ajuda dessa quem não ganharia uma guerra? Veja bem, caro leitor, o próprio “Chefe do Exército de Javé” (nem sabia que existia esse cargo) desce para ajudar o povo hebreu, evidenciando a tomada de partido por Deus, contrariando o fato de que “Deus não faz acepção de pessoas” (Dt 10,17; 2Cr 19,7; At 10,34; 15,9; Rm 2,11; Gl 2,6; 3,8; Ef 6,9; Cl 3,25 e 1Pe 1,17).

Agora sim, estamos diante do dia “D”; leiamos:

Josué 6,1.5: Jericó estava rigorosamente fechada por causa dos israelitas. Ninguém saía e ninguém entrava. Quando derem um toque prolongado, quando ouvirdes o som da trombeta, todo o povo lançará um grande grito; o muro da cidade virá abaixo, e o povo subirá, cada um à sua frente.

É a única cidade conquistada literalmente no grito, de que temos conhecimento. Vejamos as opiniões dos tradutores bíblicos sobre isso:

O cap. 6 oferece algumas dificuldades quanto à conservação do texto e quanto à critica literária. É, entretanto, evidente que pretende mostrar a coragem dos guerreiros e principalmente o auxilio sobrenatural. As procissões têm uma finalidade religiosa: invocar a ajuda de Deus e implorar a maldição sobre a cidade. É natural que ao mesmo tempo servissem para atemorizar os habitantes de Jericó e para os distrair, enquanto os hebreus preparavam os seus dispositivos para o ataque. De fato, em 24,11 fala-se de combate em Jericó. A narrativa, em estilo épico, não nos permite saber com exatidão como foi tomada a cidade. As repetidas escavações arqueológicas em Jericó não nos dão informações muito precisas quanto ao período a que se refere o texto sagrado, ou seja cerca de 1210 a.C. Recentemente sugere-se a hipótese de um grande túnel aberto pelos hebreus para entrarem na cidade. A poeira levantada pelas procissões não teria permitido aos habitantes que se apercebessem desses trabalhos. Como quer que fosse, a tomada de Jericó foi na mente do autor sagrado um grande milagre de Javé em favor do seu povo. (Santuário, 1984, p. 289). (grifo nosso).

Na origem deste relato há uma tradição do santuário de Guilgal que testemunhava uma liturgia ao redor de Jericó ao som de trombetas, clamores, circum-ambulação durante sete dias. Essa liturgia celebrava a providência de Deus que tinha feito desmoronar a muralha, sinal da invencibilidade das cidades. O relato antigo foi transformado tanto para acentuar seu aspecto litúrgico (arca, sacerdotes), como para dele fazer um relato de guerra sacral (Anátema); não é um relato guerreiro. O texto hebraico é notavelmente mais longo que o da LXX, omite numerosas expressões (entre parêntesis no texto). Mesmo sob sua forma primitiva, o relato não é histórico como relato de conquista, mas testemunha a seu modo a entrada das tribos em Canaã. A primeira cidade encontrada já estava destruída. A arqueologia não fornece nenhuma indicação de uma destruição de Jericó pelo fim do séc. XIII a.C. (Paulus, 2002, p. 319). (grifo nosso).

O relato da tomada de Jericó é uma espécie de modelo da estratégia usada na conquista das cidades-estado de Canaã. Na ocasião da conquista, Jericó não tinha muralhas, e talvez já nem fosse habitada, pois tinha sido destruída fazia dois séculos. Provavelmente, foi nesse lugar que começou a ser celebrada a representação ritual de uma guerra santa com pormenores litúrgicos (arca, procissão, sacerdotes, sete dias, toque de trombeta) e guerreiros (arca, guerreiros, grito de guerra, toque de trombeta). (Paulus, 2001, p. 247). (grifo nosso).

Por ocasião da conquista, Jericó não tinha muralhas e talvez nem fosse habitada, pois já fora destruída há dois séculos. Temos aqui uma comemoração festiva de caráter litúrgico (arca, procissão, sacerdotes, 7 dias, grito, toque de trombeta) e guerreiro (arca, tropas de guerra, grito, toque de trombeta, talvez a representação ritual de uma guerra santa. O tema central é a conquista maravilhosa da cidade: Deus venceu o inimigo para dar a Terra ao seu povo. (Vozes, 1989, p. 241). (grifo nosso).

Chama-nos a atenção o fato de que sabem muito bem que o acontecimento bíblico não ocorreu; mas, mesmo assim, afirma-nos tratar-se de um milagre, como é caso desta tradução, que, em se referindo a passo Js 6,20-21, diz:

A queda dos muros de Jericó não se deveu nem ao grito de guerra, nem ao som das trombetas, e não se pode explicar senão como um milagre. Portanto, toda outra interpretação deve ser rejeitada como falsa e arbitrária (Hebr. 11,30). O autor quer fazer ressaltar a intervenção divina. (Paulinas, 1980, p. 225).

Nem os que professam a mesma religião não se entendem, pois esse último pertence ao mesmo segmento religioso dos outros citados um pouco antes. Mas não vamos deixar os católicos sozinhos, pois, certamente nos acusariam de parcialidade; portanto, vejamos a opinião dos protestantes:

A tentativa de asseverar-se que a queda de Jericó ocorrera devido a qualquer causa que não seja um milagre, é totalmente contrária à natureza deste capítulo. Fala-se de um terremoto, da queda dos muros, de um assalto súbito depois de ter dado aos guardas, sobre os muros, a impressão de que se tratava apenas de procissões religiosas. O que deu força aos invasores foi verificar que Deus estava cumprindo, de maneira bem dramática as Promessas concedidas a Abraão, a Moisés e a Josué. Sem um milagre desta natureza, a poderosa fortaleza nunca cederia perante aquelas tribos do deserto, e os israelitas nunca poderiam ter tomado ânimo para empreender uma conquista, que nem mesmo o império do Egito tinha poder para realizar naquela época. (Vida Nova e SBB, 2005, p. 312). (grifo nosso).

E a arqueologia, o que ela nos diz a respeito disso? É o que veremos agora em duas obras especializadas em assuntos dessa ciência:

Teria ela [Jericó] caído vítima de quaisquer conquistadores, posteriormente integrados ao reservatório humano chamado “Israel” e cujas conquistas acabaram por passar para a Bíblia, conforme o relato bíblico da “tomada da terra”? Se, de fato, somente na época da “tomada da terra”, ou seja, em meados ou fins do século XIII a.C., os israelitas alcançam Jericó, então nem precisavam conquistá-la, pois ela já havia sido abandonada por seus habitantes! (KELLER, 2000, p.180) (grifo nosso).

Jericó estava entre as mais importantes. Como já observamos, as cidades de Canaã não eram fortificadas, e não existiam muralhas que pudessem desmoronar. No caso de Jericó, não havia traços de nenhum povoamento no século XIII a.C., e o antigo povoado, da Idade do Bronze anterior, datando do século XIV a.C., era pequeno e modesto, quase insignificante, e não fortificado. Também não havia nenhum sinal de destruição. Assim, a famosa cena das forças israelitas marchando ao redor da cidade murada com a Arca da Aliança, provocando o desmoronamento das poderosas muralhas pelo clangor estarrecedor de suas trombetas de guerra, era para simplificar, uma miragem romântica. (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 119) (grifo nosso).

Confirma, portanto, o que alguns tradutores já haviam colocado. Mas, se a cidade não era habitada, a narrativa da conquista de Jericó compromete a Bíblia quanto ao seu valor histórico. Pior ainda fica quanto à sua suposta inspiração divina agindo sobre os que a escreveram.

Pelo relato bíblico, depois de incendiarem completamente a cidade, Josué mandou alguns homens até Hai, a fim de espionar a terra. Voltaram dizendo que apenas um dois o três mil homens seriam suficientes para derrotá-la (Js 7,2-3). Entretanto...: “Hai devia estar em ruínas já no tempo de Josué, mas podia servir de refúgio e habitação para algumas pessoas.” (Santuário, 1980, p. 290). O que também pode-se confirmar com: “Hai (nome que significa 'a ruína' é atualmente et-Tell (que em árabe tem o mesmo sentido). O lugar estava em ruínas há muito tempo, na época de Josué, e é difícil atribuir a esta narrativa valor histórico”. (Paulus, 2002, p. 321). Pior ainda se quisermos atribui-lo como algo de inspiração divina.

Conforme sugestão, foram enviados os três mil homens para combater Hai; entretanto, foram derrotados. Josué ficou “possesso”, chegando a questionar Deus de tê-los deixado passar o Jordão para morrer nas mãos dos amorreus. A resposta não tardou, foram acusados por Deus de terem tomado coisas consagradas ao anátema. A questão seguinte seria descobrir-se o culpado disso, que teria como pena ser queimado; para isso lançaram-se as sortes. A maioria das pessoas que lêem a Bíblia não faz a menor idéia do que seja isso; mas é interessante explicar. Os sacerdotes carregavam duas pedras, tidas como sagradas, chamadas de urim e tumim, com as quais faziam as suas consultas à divindade. Feita a pergunta, lançavam-se essas duas pedras e, de acordo com a maneira que caíam, era obtido um sim ou um não, como resposta de Deus. Simplesmente, um verdadeiro “cara ou coroa”. Diante desse processo o culpado foi identificado como Acã, filho de Zara. Esse pobre coitado, juntamente com toda a sua família, foi queimado no fogo. Dessa forma, Israel reconciliou-se com Deus, aplacando a Sua ira.

Em Josué 8,1-29 trata exatamente da conquista de Hai; entretanto, como acabamos por adiantar, a coisa não ocorreu bem assim; vejamos o que nos explicam os tradutores bíblicos:

Como Jericó, Hai já estava em ruínas no tempo da conquista. Provavelmente, a narrativa visa mostrar outra estratégia de guerra usada contra as cidades-estado de Canaã. O comando de Javé não dispensa a prudência e o emprego de estratégias no momento oportuno. (Paulus, 2001, p. 249). (grifo nosso).

Hai, como Jericó, não era habitada por ocasião da conquista. O episódio assemelha-se a Jz 20,14-48; é possível que um episódio a famoso de conquista, do tipo estratagema, foi pouco a pouco localizado, graças ao nome sugestivo do lugar ('Ay, em hebraico, significa ruina, cf. v. 28). (Vozes, 1989, p. 243). (grifo nosso).

Ainda bem, pois seria mais uma carnificina onde passaram a fio de espada todos os habitantes de Hai; ao total doze mil pessoas, entre homens e mulheres (Js 8,24-25), sendo que o rei foi enforcado (Js 8,29).

Espalhado o terror pela região, não restou alternativa aos reis da Cisjordânia senão se unirem para combater os hebreus. Os gabaonitas tentaram uma aliança com os hebreus; entretanto, foram transformados em escravos, é o que consta no capítulo nove, fato que provocou a união dos cinco reis amorreus – os reis de Jerusalém, de Hebron, de Jarmut, de Laquis e de Eglon – que marcharam contra Gabaon, afim de a atacarem. Nessa situação drástica os gabaonitas recorreram a Josué, que marchou contra eles. Neste ponto, para garantir aos hebreus a vitória, acontece mais um extraordinário fenômeno:

Js 10,13-14: “E o sol se deteve e a lua ficou parada, até que o povo se vingou dos inimigos. No Livro do Justo está escrito assim: 'O sol ficou parado no meio do céu e um dia inteiro ficou sem ocaso. Nem antes, nem depois houve um dia como esse, quando Javé obedeceu à voz de um homem. É porque Javé lutava a favor de Israel'”.

Eis aí a prova de que consideravam a Terra como o centro do Universo. Entretanto, o que não sabiam era que o Sol não para, porém, mesmo que parasse não aumenta o dia em um minuto sequer, pois o que faz o ciclo “dia e noite” é a Terra girar em torno do seu próprio eixo. Fato desconcertante para quem acredita piamente em tudo que está escrito na Bíblia. Deus, o supremo criador do cosmo infinito, que estabeleceu todas as leis, que fazem esse maravilhoso mecanismo girar, não sabia desse pequeno detalhe.

Na seqüência do livro de Josué só vemos os hebreus matando: homens, mulheres e crianças, dominando toda a região. Disso resultou na morte de trinta e um reis, que, juntos com os seus respectivos povos, foram passados a fio de espada; somente se salvaram os gabaonitas; mas foram submetidos à escravidão.

Assim, temos a descrição da empreitada de conquista pelos hebreus, da terra prometida, que se tem como sendo “desse modo, Javé deu a Israel toda a terra que jurara dar a seus antepassados. Eles tomaram posse e nela se estabeleceram” (Js 21,43). Sei que é estranho, mas foi o próprio Javé quem disse aos hebreus: “Eu dei a vocês uma terra que não lhes custou nada,...” (Js 24,13). Absurdo pagamento de promessa: manda matar todos os povos de uma região para entregá-la aos hebreus como cumprimento de uma promessa feita; nem um ser humano faria uma coisa dessa... Será que as vidas das pessoas não valiam nada?

Quanto mais estudamos a Bíblia, maior fica a nossa convicção que ela não pode, sem prejuízo de amesquinhar a Deus, ser a Sua palavra. Só mesmo por fanatismo não se enxerga isso. Diria Jesus: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que estão fazendo!” (Lc 23,34).


Paulo da Silva Neto Sobrinho

Maio/2008.

Referências bibliográficas:

Bíblia Sagrada, 37ª edição. São Paulo: Paulinas, 1980.

Bíblia Sagrada, 5ª edição. Aparecida – SP: Santuário, 1984.

Bíblia Sagrada, 43ª impressão. São Paulo: Paulus, 2001.

Bíblia Sagrada, 8ª edição. Petrópolis – RJ: Vozes, 1989.

Bíblia de Jerusalém, nova edição. São Paulo: Paulus, 2002.

Bíblia Shedd, 6ª edição. São Paulo: Vida Nova; Brasília: SBB, 2005.

KELLER, W. e a Bíblia tinha razão... São Paulo: Melhoramentos, 2000.

FINKELSTEIN, I. e SILBERMAN, N. A. A Bíblia não tinha razão, São Paulo: Girafa, 2003


endereço: http://www.apologiaespirita.org/

imagem: passandoaregua.wordpress.com

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails