sexta-feira, 24 de julho de 2009

DEZ PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A ORIGEM DA VIDA E A NATUREZA DO EMBRIÃO - Parte 2


Continuação...


3. É o feto inteiramente dependente do organismo materno?

Os defensores do aborto ressaltam a autonomia da mulher, defendendo um pseudodireito de escolher quanto à interrupção da gestação. Para estes o feto não teria personalidade e estaria em total dependência do organismo materno.

Esses argumentos são contestados pela pesquisa científica. Claude Sureau, professor emérito da universidade Paris V, questiona esse pseudodireito soberano, que se pretende conferir à mãe, de decidir sobre a vida do filho em gestação, atribuindo a ela toda "competência" e "autonomia" sem levar em consideração um outro direito primordial, inerente a todo ser humano, o da "indisponibilidade" da vida.8

Estudos científicos demonstram que há uma individualidade embriofetal muito nítida, tanto imunológica quanto psicológica, que pode ser acompanhada, desde muito cedo, por meio da ultra-sonografia. Na realidade, há até mesmo um conflito de interesses materno-fetais, o que prova a personalidade distinta do feto. Por ser um corpo estranho no organismo materno, ele tem de lutar para manter-se vivo, para não ser rejeitado.

Estudo recente realizado pela equipe do prof. Andrew L. Mellor, do Medical College, Georgia, EUA, publicado na conceituada revista Nature (27/8/98), mostrou que há um mecanismo bioquímico de defesa do feto que procura driblar o da mãe. Ele produziria uma enzima, a IDO, que procuraria neutralizar a ação do triptofano, aminoácido responsável pela produção de células de defesa tipo T do organismo materno.

Esta pesquisa coloca em xeque, portanto, o argumento de que a mulher grávida tem o direito de decidir se o embrião deve viver ou morrer, porque este não seria um ser à parte, não teria personalidade própria. Tanto a possui que ele é detentor de um patrimônio genético exclusivo. E, desde o período inicial da gestação, extravasa a sua inteligência através da capacidade de autogerir-se mentalmente; de adaptar-se e adequar-se a situações novas; de selecionar condições e aproveitar experiências, empregando aprendizado e memória. Tem, portanto, inteligência própria.

E podemos afirmar, com base na pesquisa, que é tão distinto da mãe que necessita produzir substâncias apropriadas para poder manter-se vivo, dentro do útero, fugindo do perigo de ser eliminado pelo sistema imunológico da hospedeira. E o mais interessante é que o organismo materno aceita a defesa do hóspede, concordando, tacitamente, com a gestação.

Esta luta do embrião para sobreviver dá-lhe o status de pessoa e demonstra que ele apenas se hospeda no organismo materno. A propalada autonomia da mãe, o seu direito de decidir, não se sustenta, portanto.

Mas há ainda muito mais certezas, quanto à verdadeira natureza do embrião, quando estudamos os novos aportes e derradeiras descobertas da ciência no campo da memória e do psiquismo fetal.

4. O feto possui uma psique própria?

A Dra. Alessandra Piontelli, psicanalista italiana, acompanhou durante vários meses, onze (11) fetos: quatro (4) gestações gemelares e três (3) singulares, a partir da 16 semana de gravidez. Dentre as gestações gemelares, observou, através do ultra-som, 5 a 6 vezes ao mês, um caso de gêmeos dizigóticos ou bivitelinos (formados por dois ovos distintos), uma menininha e um menininho. Seguindo-os por vários meses, familiarizou-se tanto com o "jeitão" deles que foi capaz de descrever para a mãe qual seria o comportamento de ambos após o parto. Ao ultra-som, observou que a menina era expansiva, buscava o contato com o irmão, mas este se retraía e enfiava a cabeça na placenta ou tapava o rosto com as mãos, fugindo dela. Com base nisso, a Dra. Piontelli previu que a menina seria agitada, nervosinha, ao passo que o irmãozinho seria de temperamento retraído e acanhado. Para espanto da mãe, após o nascimento, tudo se confirmou: realmente ele era do tipo quieto e a menina fazia o gênero nervosinha, irrequieta.9

Com suas observações, a psicanalista aclarou muitos aspectos da personalidade dos fetos observados durante sua pesquisa, antes mesmo do nascimento. Via-os chupando o dedinho, espreguiçando-se, esfregando os pezinhos e as mãozinhas, coçando-se, enfim, aproveitando a liberdade de movimentos dentro do líquido amniótico. Cada feto apresentava um comportamento muito próprio, tinha o seu "jeito" de ser. A Dra. Piontelli assinalava o traço marcante de cada um, se era calmo, nervosinho, pensativo ou se trazia, por exemplo, a característica de uma bailarina. Ela os acompanhou não apenas durante o período pré-natal, mas também no decorrer do primeiro ano de vida e muitos até completar cinco anos. E pôde constatar que o padrão de comportamento se confirmava, em todos os casos, no decorrer do desenvolvimento.

Verificou-se que, cada feto, assim como cada recém-nascido, é um ser altamente individualizado. Não é de modo algum uma tabula rasa, como se poderia supor , esperando ser moldado, exclusivamente, pelo meio ambiente. Tem vida emocional própria: experimenta prazer e desprazer, dor, tristeza, angústia ou bem-estar e tem um relacionamento intenso com sua mãe, sendo capaz de captar seus estados emocionais e sentir quais os sentimentos de afetividade dela em relação a ele.

Outra experiência interessante a demonstrar a existência da individualidade própria do feto foi realizada em 1982, por Anthony DeCasper, pesquisador norte-americano: ele instruiu um grupo de mulheres grávidas para que lessem, em voz alta, cinco semanas antes do parto, determinada estória infantil. Três dias após o nascimento, duas estorinhas foram lidas para os bebês: a que eles já conheciam, desde o final da gestação e uma outra desconhecida. As reações foram medidas, através do número de sucções do bebê. Verificou-se que eles sugavam, com mais freqüência, quando ouviam a estorinha conhecida.

Os problemas psicológicos ocorridos na fase pré-natal afetam a vida ultra-uterina. A Dra. Myriam Szejer, psicanalista de bebês, tem importante casuística de suas "conversas" com recém-nascidos, que demonstram o valor terapêutico delas no alívio e na solução desses conflitos. Um dos casos, relatado no seu livro Palavras para Nascer, é particularmente doloroso.10 Numa gravidez gemelar, havia uma malformação muito grave em uma das gêmeas. Segundo prognósticos médicos, ela poderia nascer, mas teria um curto período de sobrevivência. Como na França, onde a Dra. Szejer vive, o aborto é legal, os médicos aconselharam aos pais a interrupção in utero da vida do feto. Uma vez aceita a sugestão, a interrupção foi feita, tardiamente, tendo o feto morto permanecido no útero até o nascimento da irmã, o que se deu, por cesariana, 15 dias depois. Mas tal como previra a Dra. Szejer, a gêmea sobrevivente, de nome Léa, teve sérios problemas, logo após o nascimento: não se alimentava e quando era amamentada à força, regurgitava sem parar, colocando em sério risco a sua vida. Os problemas eram óbvios para a psicanalista: Lea tinha atrás de si vários meses de companheirismo com a irmã gêmea, e esta, de repente, ficara inerte, desaparecendo depois, completamente, do seu contato. Foi preciso um trabalho muito intenso da Dra. Szejer, muitas "conversas" com Lea, até que a recém-nascida conseguisse se recuperar do luto da irmã, aprendendo a mamar sozinha, e em grande quantidade, para finalmente ganhar peso e alta hospitalar duas semanas depois.

Um caso interessante também para demonstrar também o psiquismo independente do feto é o narrado por Thomas Verny e John Kelly no livro A Vida secreta da criança, que influenciou especialistas em muitos países, inclusive no Brasil.

Verny ressalta a influência da mãe sobre o filho em gestação e diz que é preciso estar atento às diferenças. Há emoções negativas passageiras ou acontecimentos geradores de estresse que não vão prejudicar a formação dos elos intra-uterinos da dupla. Mas há outras fortes, no campo da rejeição. "O perigo existe, quando ele (o feto) se sente rejeitado pela mãe ou quando suas necessidades físicas ou psicológicas são sistematicamente ignoradas", enfatiza ele.11

Verny conta o caso do bebê Kristina que lhe foi relatado pelo Dr. Peter F. Freybergh, professor de obstetrícia e ginecologia da Universidade de Upsala, na Suécia.

Kristina era um bebê robusto e comportado que revelou um estranho comportamento: recusava-se a mamar no seio da mãe. Aceitava mamadeira ou o seio de outras mães, mas não queria nada com o alimento materno.

O Dr. Peter, indagando da mãe a razão de tal comportamento, recebeu um "não sei" como resposta. Ela dizia não saber o motivo. Quando, porém, Dr. Peter foi mais incisivo na pergunta : "Mas você desejava realmente esta gravidez?" Ela esclareceu: "eu queria abortar, mas meu marido desejava esta criança, então, mantive-a".

"Isto era novidade para Peter, mas obviamente não o era para Kristina", comenta o Dr. Verny. E acentua:

"Ela havia percebido há muito tempo a rejeição de sua mãe e recusava-se a formar a ligação com esta, após o nascimento. Afetivamente rejeitada no útero, Kristina, com apenas quatro dias de vida e inteiramente dependente, estava firmemente decidida a rejeitar sua mãe." E concluiu:

"É provável que, com tempo, amor e paciência, a mãe de Kristina ganhe, de novo, a afeição da criança. Mas esta já existiria se a ligação tivesse sido formada antes do nascimento", concluiu.12

Como e quando Kristina "soube" da rejeição? Os pesquisadores não têm ainda todas as respostas. Sabe-se, no entanto, que, desde o zigoto, existe a comunicação fisiológica ou biológica intensa, entre os dois seres, intermediada por hormônios, neurotransmissores, substâncias do sistema de defesa etc.; tudo devidamente registrado pela extraordinária capacidade de memorização do embrião, desde a formação da célula-ovo.

Por esses e outros dados, a Dra. Joanna Wilheim afirmou, com justa razão:13 "Se conceituarmos inteligência como a capacidade para autogerir-se mentalmente; adaptar-se e adequar-se a situações novas; selecionar condições e aproveitar experiências ­ o que implica aprendizado e memória ­, podemos concluir que de fato elas estão presentes no feto desde o período inicial da gestação".

Por tudo isso, concluímos que existe uma individualidade no feto que não pode ser marginalizada como se fosse a massa amorfa de um tumor que se pudesse extrair por decisão da mulher.

5. O feto teria memória antes da formação do cérebro?

Em meados da década de 1980, a neurocientista Candace Pert14 e colaboradores, no National Institute of Mental Health, em Maryland, realizaram pesquisas com neurocondutores e os resultados causaram verdadeira revolução conceitual. A Dra. Pert identificou um grupo de neuropeptídeos ­ moléculas fabricadas pelo Sistema Nervoso ­, que permitem o diálogo entre os sistemas nervoso, imunológico e endócrino. Ela chegou a esses resultados, realizando o mapeamento através de moléculas radioativas, o que lhe permitiu rastrear as ações nas diferentes partes do organismo.

O sistema nervoso, constituído do encéfalo e da rede de células nervosas espalhadas por todo o corpo, é a sede da memória, do pensamento e da emoção. O sistema endócrino, formado pelas glândulas endócrinas e os hormônios, é o regulador do organismo, integrando as várias funções somáticas. O sistema imunológico, que abarca o baço, a medula óssea, os nódulos linfáticos e células imunológicas que circulam no corpo, é o sistema de defesa do organismo, responsável pela integridade dos tecidos, controle e cura das feridas, restauração dos tecidos e combate aos ataques à economia orgânica. Pois bem, as pesquisas da Dra. Pert demonstraram que estes sistemas estão interligados, formando uma única rede psicossomática. Constatou-se que cerca de 60 a 70 desses neuropeptídeos, antes somente conhecidos como hormônios, neurotransmissores, endorfinas, fatores de crescimento, etc., constituem o principal meio de veiculação de informações dentro do cérebro e do corpo, contando para isso com receptores específicos. Estes estão espalhados na superfície de todas as células, transformando o corpo-cérebro em um único sistema de comunicação interacional.

É preciso enfatizar, portanto, que o corpo-cérebro representa o substrato físico da memória ­ ou mente ­ que, além deste, conta ainda com um outro, imaterial, a informação que circula dentro dele. A memória, assim, está espalhada pelo corpo todo e expressa-se por outras vias que não aquelas comumente relacionadas.

A partir desses estudos, é possível compreender que, além dos vários tipos de memória comumente considerados: recente, antiga, semântica, autobiográfica, afetiva, perceptiva, motora, de reconhecimento, de recordação etc., há os registros embrionários, inclusive a "memória celular". Neste último caso, é preciso considerar os registros mnemônicos (imprints) das experiências vividas pelas duas células reprodutoras básicas ­ espermatozóide e óvulo ­ que trazem, assim, um patrimônio de "memórias" para o zigoto ou célula-ovo. A descoberta da memória celular com o mapeamento de 60 neuropeptídeos que estocam informações imunológicas, endocrinológicas e neurológicas, fazendo circular informação em todo o corpo, entusiasma os especialistas, que têm agora , não só importantes explicações para melhor compreensão das patologias de sua área de atuação, como também perspectivas maiores de ampliar os recursos terapêuticos.

Esses resultados indicam, claramente, a potencialidade extraordinária de uma única célula ­ o zigoto ou célula-ovo ­, que traz em si mesma um patrimônio considerável de força, vitalidade e criatividade.

Por essas experiências da Dra. Candace Pert, constatamos que a memória independe de sistema nervoso perfeitamente estruturado e funcionante, porque já existem dezenas de neuropeptídeos circulando, desde o início da embriogênese. Por exemplo, em um embrião de 7 semanas, já se detecta a presença de endorfinas, uma dessas substâncias que faz o diálogo entre os sistemas nervoso, endocrinológico e imunológico. Mesmo no anencéfalo, feto que possui somente parte do córtex ou apenas o diencéfalo, cérebro ligado à função inconsciente, vegetativa, estes neuropeptídeos já circulam, desde o começo da gestação, ainda que de forma imperfeita.

Ainda com relação à memória há um outro contexto da investigação. A psicoterapia transpessoal já detectou o armazenamento, na fase adulta, de lembranças que ocorreram muito no início da vida intra-uterina e que, sob hipnose, o indivíduo é capaz de resgatar. Muitos bebês rejeitam suas mães ao nascerem por guardarem lembranças desagradáveis da vida intra-uterina, como o pensamento de rejeição ou a tentativa de aborto, conforme tivemos oportunidade de ver no caso do bebê Kristina.

Para concluir este resumo sobre a memória, queremos lembrar um dos grandes paradoxos da Biologia Molecular, que ainda está para ser decifrado pelos neurobiólogos, o da renovação perpétua das moléculas do sistema nervoso, em contraposição ao armazenamento da memória por 80 anos ou mais da vida do indivíduo. Com a breve duração das moléculas que compõem as sinapses do sistema nervoso, fica difícil explicar, com a teoria reducionista materialista, a persistência da memória por décadas a fio.

O mesmo já não acontece se recorrermos às hipóteses explicativas de Rupert Sheldrake e Hernani Guimarães Andrade, uma vez que a memória ficaria armazenada no campo imaterial estruturador da forma, independentemente, da matéria física, cuja característica é a da renovação constante.

6. O acaso explicaria a origem da vida?

A partir deste ponto, o debate sobre o aborto provocado nos leva a um nível ainda mais profundo. Pois o mistério da complexidade do feto é o mistério da própria vida, de modo que temos de nos debruçar sobre esse tema fascinante se quisermos responder por completo à pergunta: "Onde começa a vida?"

Não há dúvida de que o assunto "origem da vida" é bastante complexo, mas é indispensável tocar nele, quando se pretende descobrir o real significado da existência humana. Não será possível desenvolvê-lo mais amplamente, aqui, como o fizemos em O Clamor da Vida (NOBRE, 2000), apenas tocaremos em alguns pontos relevantes para o encaminhamento da discussão.

A teoria darwiniana não pode explicar suficientemente todo o processo evolutivo, isto é, o surgimento da vida. A teoria do acaso tem sido a maneira fácil de retratar a ignorância sobre o assunto. Em O Acaso e a Necessidade, um dos seus defensores Jacques Monod, sustenta a idéia: ensaios, erros e acertos teriam levado as primeiras moléculas ao pleno desenvolvimento; a evolução poderia ser compreendida como um jogo: de um lado, haveria a intervenção das mutações no material genético dos seres vivos; de outro, a seleção natural, tal como a concebeu Darwin.

No entanto, François Jacob,15 que compartilhou o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1965, com Monod, destrói o argumento da casualidade. Em La Logique du Vivant (A Lógica do Ser Vivo), ele demonstra que o tempo e a aritmética se opõem a essa evolução patrocinada por microeventos, com as mutações acontecendo cada uma ao acaso: para se extrair de uma roleta, golpe a golpe, cada uma das 100 mil cadeias protéicas que compõem o corpo de um mamífero seria preciso um tempo muito superior àquele da duração do sistema solar, segundo os cálculos da própria ciência, o que, por si só, elimina a tese de que a vida possa ter surgido por acaso.

Outro cientista que demonstra a impossibilidade de ater-se ao acaso para explicar a transformação de átomos em corpos humanos é Michael Behe, professor-adjunto de bioquímica da Universidade de Lehigh, Pensilvânia, EUA, autor do instigante livro, A Caixa Preta de Darwin, que faz críticas à teoria darwiniana, e apresenta a sua própria, a Teoria do Planejamento Inteligente.

"Dizer que a evolução darwiniana não pode explicar tudo na natureza, não equivale a dizer que a evolução, a mutação e a seleção natural não ocorram", ressalta ele, reconhecendo que ela constituiu um grande avanço conceitual.16

Coloca-a, no entanto, em xeque, demonstrando, ao estudar a macroevolução, a impossibilidade de explicar-se, através da seleção natural e das mutações aleatórias, os grandes saltos evolutivos, como, por exemplo, o que ocorreu no período cambriano, com o aparecimento de uma fauna e flora luxuriantes, em contraste com o longo silêncio dos períodos anteriores. Na verdade, esses longos períodos estáveis são a norma, de modo que as súbitas transições não podem ser explicadas pelas mutações aleatórias da teoria darwinista.

A tentativa de Stephen Jay Gould e Niels Eldredge com a teoria do Equilíbrio Pontuado para explicar esses períodos muito breves de grande explosão de novos animais e plantas, em meio a outros, em que milhões de anos transcorrem, sem grandes mudanças, é obrigada a socorrer-se do acaso criador, transformado assim em um deus. Outro embasamento não possui a teoria Neutralista do geneticista Motoo Kimura (The Neutral Theory of Molecular Evolution) ao pretender explicar as flutuações estatísticas aleatórias (ou desvio genético): elas ocorreriam também "ao acaso". Na mesma linha de pensamento, reconhecendo que a teoria darwiniana tem falhas, o matemático Stuart Kauffman (Teoria da Complexidade) socorre-se da hipótese do acaso, ao afirmar que os fundamentos do ser vivo podem surgir espontaneamente através da auto-organização, uma maneira de eludir a dificuldade.17

Michael Behe comenta que nenhum dos dois, nem Kimura nem Kauffman, explicam como as estruturas bioquímicas específicas surgiram. No caso da teoria de Kauffman, ficam de fora todos os aspectos específicos dos organismos, porque ele os reduz à categoria de símbolos matemáticos, manipulando-os em seguida. Mas "a natureza é lixiviada", acentua Behe. De fato, a matemática é instrumento poderoso, mas "útil à ciência apenas quando os pressupostos com que inicia a análise são verdadeiros".18 A teoria de Kauffman seria, assim, uma ilusão, insuficiente como as explicações de Darwin e de Dawkins acerca dos sistemas bioquímicos complexos.

7. Seria casual o arranjo das partes de uma célula?

Aos que continuam ainda aferrados às forças cegas do acaso, Michael Behe pede explicações científicas quanto à formação de estruturas complexas, tais como o olho humano, o cílio ou flagelo; a coagulação sangüínea etc. É preciso que os defensores dessas forças dêem uma descrição detalhada, passo a passo, do processo pelo qual a mutação aleatória e a seleção natural foram capazes de construí-las ao longo de bilhões de anos de evolução. Não vale apenas dizer que isto se deu por acaso, é preciso que se demonstre, através de explicações bioquímicas genuínas quais foram e como se uniram os componentes dessas estruturas.

Até agora, o seu pedido não obteve nenhuma resposta plausível.

Ao contrário dos apologistas do acaso, Behe concluiu, tomando por base o espantoso progresso das pesquisas, que a célula obedece a uma programação e afirma, corajosamente, que os cientistas não têm mais como se omitir: o ser vivo só pode ser explicado pela Teoria do Planejamento Inteligente. Do estudo bioquímico da célula, diz ele, vem um grito de certeza: "Planejamento!", nela existe o "arranjo intencional das partes".19

Enfim, não há como fugir: a investigação da célula deixa claro o planejamento. A questão volta-se toda para o planejador. Muitos acham que "não constitui boa ciência oferecer o sobrenatural como explicação de um evento natural". Em realidade, a interferência do acaso, como força criadora e organizadora, seria mais sobrenatural do que agente inteligente desta ordem.

Behe não vê razão para o temor de que as explicações sobrenaturais derrotem a ciência: "O compromisso filosófico de alguns indivíduos com o princípio de que nada existe além da natureza não deve ter permissão de interferir em uma teoria que flui naturalmente de dados científicos observáveis".20 Respeitemos as conquistas da ciência ­ aconselha ­, porque sobreviveremos a todas as suas mudanças conceituais tal como já o fizemos no passado.

Outros pesquisadores também já estão convencidos de que as explicações com fundamento na casualidade são absolutamente insatisfatórias.

M. Schutzenberg afirma que é preciso "ter uma fé quase cega na teoria darwiniana para acreditar que apenas o acaso poderia ter produzido na linhagem dos pássaros todas as modificações necessárias para transformá-los em máquinas voadoras altamente eficientes. Ou que as mutações aleatórias teriam levado à linhagem de mamíferos depois da extinção dos dinossauros ­ dado que os mamíferos estão muito longe dos dinossauros ao longo do caminho que conduz dos peixes aos répteis".21

Lynn Margulis, professora emérita de biologia da Universidade de Massachusetts, ecologista, escritora, afirma que o neodarwinismo é fundamentalmente falho, porque está baseado no paradigma reducionista, e acentua que a história acabará por julgá-lo uma "pequena seita religiosa do século XX, dentro da fé religiosa da biologia anglo-saxônica".22 Margulis tem também uma hipótese explicativa para a evolução: em lugar da competição e da luta, propostas por Darwin, o progresso na escala filogenética dar-se-ia, através de cooperação e simbiose. Nesse caso, os organismos se ajudam, conjugam forças, e realizam juntos o que não podem fazer separados.

O que temos visto é que o ser vivo é um mistério para os cientistas, embora eles não gostem de confessá-lo publicamente. De onde vem esse desânimo? O que há de verdade sobre as origens? Sabe-se muito pouco, apesar dos esforços exaustivos de cientistas notáveis, a maioria deles justamente condecorados com o Prêmio Nobel, pela excelência de suas produções, em suas áreas de especialização.

Francis Crick, um dos descobridores da dupla hélice de DNA, morto recentemente, diante do mistério das origens, declarou: "Um homem sensato, armado de todo o saber à nossa disposição hoje, teria a obrigação de afirmar que a origem da vida parece atualmente dever-se a um milagre, tantas são as condições a reunir para viabilizá-la".23

De fato, um estudo desapaixonado revela que a vida dança no fio da navalha: se uma das constantes físicas universais, por exemplo ­ a velocidade da luz, a constante gravitacional ou a de Planck ­ tivesse sido submetida, na origem, a uma alteração ínfima, o Universo não teria tido nenhuma chance de abrigar seres vivos e inteligentes. Este simples fato deveria alertar os defensores das teorias embasadas no acaso quanto à existência de um projeto, de uma finalidade no Universo. Se fossem mais humildes, perceberiam a imensa sabedoria por detrás de tudo isso e o tamanho da nossa ignorância em abarcá-la e reconhecê-la.


Continua...


Marlene Rossi Severino Nobre, Presidente da Associação Médico-Espírita do Brasil e da Associação Médico-Espírita Internacional.


BIBLIOGRAFIA


8. L'Embryon Humain, est-il humain?, p. 13, 1a ed. Presses Universitaires de France, 1996.

9. Do Feto à Criança, cap. 3, pp. 115 a 133.

10. Veja os importantes livros da Dra. Myriam Szejer, entre eles: Palavras para Nascer: A escuta psicanalítica de bebês em maternidade: nove meses na vida da mulher.

11. A Vida Secreta da Criança Antes de Nascer, cap. 4.

12. A Vida Secreta da Criança Antes de Nascer, cap. 4.

13. O Que é Psicologia Pré-Natal.

14. Veja as referências sobre esse trabalho feitas pela Dra. Joanna Wilheim em O Que É Psicologia Fetal, p. 57 e A Caminho do Nascimento, pp. 152 a 158 e as do físico Fritjof Capra em A Teia da Vida, cap. 11.

15. Entrevista no livro Dieu? Existe-t-il? Non... répondent, p. 20.

16. Acompanhe o raciocínio de Behe em A Caixa Preta de Darwin, Parte III, cap. 8 , p 179.

17. A Caixa Preta de Darwin, Parte III, 8, p. 179.

18. Citado por Michael Behe em A Caixa Preta de Darwin, Parte III, cap. 8, p. 182.

19. Acompanhe o raciocínio de Behe em A Caixa Preta de Darwin, Parte I, pp. 24 a 34; Parte III, cap. 9 e 10.

20. A Caixa Preta de Darwin, cap. 11, p. 253 e 251

21. Citado por Ervin Laszlo em Conexão Cósmica, cap. 7, p. 93.

22. Lynn Margulis é citada por Michael Behe, A Caixa Preta de Darwin, Parte I, cap 2, p. 35 e 190.

23. Citado por Igor Bogdanov, Deus e a Ciência, p. 49.

imagem: institutofuturista.blogspot.com


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