quarta-feira, 22 de julho de 2009

DEZ PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A ORIGEM DA VIDA E A NATUREZA DO EMBRIÃO - Parte 1


"Pouca ciência afasta de Deus.
Muita, a ele reconduz."

Louis Pasteur

APRESENTAÇÃO

Esta é uma contribuição do pensamento médico-espírita ao tema do aborto intencional.

De início, ressaltamos que nossos principais argumentos não são religiosos, mas estão ancorados na ciência. Aliás, devemos acentuar que a ciência não é religiosa nem atéia, e que, ao contrário do que se imagina, boa parte dos cientistas acredita na existência de um Ser Supremo.

Queremos também reafirmar que somos pacíficos. Nosso pendor não é para contendas, por isso, vamos nos manter à margem das batalhas radicais que costumam envolver grupos extremistas pró e contra o aborto, preferindo o livre e saudável debate das idéias, com pleno respeito às convicções alheias.

O que se precisa acentuar é que, se é legítimo trazer à baila argumentos religiosos para contra-arrestar argumentos materialistas, os médicos que se dispõem a lutar pela vida podem, até mesmo, deixar à margem suas crenças pessoais para demonstrar por meio de argumentos científicos, e não de suposições, que a vida não só é um bem indisponível, mas que há vida indisponível no feto. Consideramos esta uma questão básica em todas as questões bioéticas.

O pluralismo democrático diz respeito à convivência de opiniões, comportamentos e posições ideológicas distintas no seio de uma comunidade, porém não à prática de delitos em seu nome.

Nosso ponto de partida é: a vida é um bem indisponível. A defesa dessa tese, no caso do tema do aborto, leva à seguinte questão: "Onde começa a vida?" Para resolvê-la, é indispensável todo o concurso que a Ciência puder nos oferecer, ainda que ela não tenha as respostas a todos os quesitos. Sendo a vida um bem inalienável, atentar-se contra ela, seja em que fase for, é crime. Além disso, sendo possível demonstrar que o embrião tem vida, não haveria heresia maior do que se considerar o aborto um direito da mulher. Cairia, automaticamente, por terra, sua propalada autonomia para decidir quanto à interrupção da gravidez.

A nosso ver, as consciências humanas têm um compromisso fundamental com a verdade, por isso devem mergulhar fundo no estudo do extraordinário fenômeno da vida, em busca do seu real significado, sem aceitar o raciocínio dogmático reducionista, que tenta encarcerá-lo num mero jogo de palavras, ao invés de discutir as inúmeras incógnitas para as quais o materialismo não tem respostas.

Inserimos, aqui, de forma resumida, as pesquisas e descobertas da Ciência no que diz respeito à vida e ao seu significado.

RAZÕES CIENTÍFICAS CONTRA O ABORTO

O Dr. Bernard N. Nathanson, em conferência proferida no "Colégio Médico de Madrid", publicada na revista Fuerza Nueva, contou que, em 1971, assumiu a direção da maior clínica de aborto do mundo, o Centro de Saúde Sexual (CRAN-CH), situado ao leste de Nova York, onde atuavam 35 médicos e eram realizados 120 abortos diários, inclusive aos domingos e feriados, com interrupção apenas no dia de Natal. Até 1972, quando deixou a direção da Clínica, 60.000 abortos haviam sido realizados sob suas ordens, 5.000 deles feitos por ele, pessoalmente.

Na prática, Nathanson constatou que as estatísticas divulgadas pelos militantes pró-aborto eram falsas. Eles aumentavam, deliberadamente, o número de abortos intencionais praticados na clandestinidade, com a finalidade de justificar a necessidade de uma legislação favorável, no entanto, foi a legalização que escancarou as portas para o aumento exagerado dessa prática.

Na clínica, tudo parecia transcorrer bem, os problemas de profundidade, porém, eram muitos e pouco comentados. Em reuniões informais, Nathanson ficou sabendo, por relatos das esposas dos médicos, que muitos deles sofriam pesadelos durante a noite, acordavam gritando, referindo-se a sangue e a corpos de crianças cortados; outros bebiam demasiadamente ou abusavam de drogas pesadas, tendo necessidade de assistência psiquiátrica. Com as enfermeiras, a situação não era diferente, algumas abandonaram a clínica chorando, outras se tornaram alcoólatras.

Em 1972, Nathanson deixou a clínica para assumir o cargo de Diretor do Serviço de Obstetrícia do Hospital São Lucas de Nova York, onde implantou o serviço de Medicina Fetal que realiza cerca de 50 tipos de cirurgia no interior do útero, com a finalidade de salvar e favorecer a vida do feto. Esta prática convenceu-o de que o feto é um ser humano, com todas as suas características, que deve desfrutar de "todos os privilégios e vantagens como qualquer outro cidadão". Está convencido de que aborto é "ato deliberado de destruição, um crime".

Steve Jones, professor de genética da University College de Londres e diretor do Galton Laboratory, afirma que "anualmente, em todo o mundo, há cerca de noventa milhões de nascimentos e sessenta milhões de abortos provocados". É possível que estas cifras não sejam confiáveis no que concerne aos países onde o aborto é ilegal, dada a possibilidade de serem manipuladas por entidades militantes pró-aborto, de qualquer modo, porém, já são suficientemente assustadoras nos países onde a prática é legalizada para serem consideradas nesta discussão.

Jones lamenta que, na maioria das vezes, o especialista só se restrinja a um tipo de conduta, o de detectar um gene danificado e propor aos pais o aborto de um feto deficiente. Para ele, há um "quê" de deprimente nesta conduta.1

Cremos, porém, que não basta lamentar, confinando-se às acesas controvérsias dentro das comunidades científicas. É preciso sair a campo e discutir com a sociedade dentro de normas que respeitem verdadeiramente o pluralismo, permitindo aos especialistas espiritualistas a livre expressão de suas idéias, sem serem constrangidos ao jugo do silêncio pelo patrulhamento agressivo dos reducionistas materialistas, como acontece atualmente.

Assim, para sermos fiéis à verdade e discutirmos, sem as amarras obliterantes de preconceitos, a complexa e multifacetada questão dos direitos do embrião, é indispensável analisarmos os argumentos científicos contrários ao aborto. O primeiro passo nessa busca é a descoberta do verdadeiro significado do zigoto ou da célula-ovo à luz das Ciências da Vida. Afinal, ela carrega nossa herança de bilhões de anos de evolução.

É impossível, portanto, falar de dignidade humana sem conhecê-la. É o que procuraremos fazer a seguir, tendo como roteiro algumas das perguntas mais freqüentes nos debates sobre o aborto provocado.

1. Seria o embrião um mero "amontoado de células"?

A célula-ovo é a nossa primeira morada. O desenvolvimento humano é um processo contínuo que começa quando o óvulo de uma mulher é fertilizado por um espermatozóide de um homem. Assim, uma única célula, o zigoto (célula-ovo), após muitas modificações, transforma-se em um ser humano multicelular.

Moore e Persaud, ilustres embriologistas, afirmam que o zigoto e o embrião inicial são organismos humanos vivos, nos quais já estão fixadas todas as bases do indivíduo adulto. Sendo assim, não é possível interromper algum ponto do continuum ­ zigoto, feto, criança, adulto, velho ­ sem causar danos irreversíveis ao bem maior, que é a própria vida.

Com base nesta verdade científica, os grandes mestres, figuras notáveis da obstetrícia brasileira, Álvaro Guimarães Filho, Domingos Delascio, Ciro Ciari Jr., e Francisco Cerrutti, fizeram uma declaração conjunta: "Abortamento induzido significa a eliminação de uma pessoa biologicamente viva".

Vemos, assim, que a célula-ovo surge no processo de concepção ou fertilização, no instante em que se fundem os dois gametas ­ o espermatozóide e o óvulo. No início, mede cerca de 130 micrômetros (medida dimensional histológica), um mês depois, porém, já terá um aumento de massa de dez mil vezes. Em nenhum momento da história humana, de qualquer indivíduo, esta velocidade de crescimento se repetirá.

Embora a Embriologia já tenha definido como certo ser o embrião inicial um organismo humano vivo, há os que insistem em reduzi-lo à condição de um "amontoado de células", uma "coisa", um "objeto", totalmente dependente do organismo materno, removível a qualquer tempo. Com tal espécie de premissa, alienada da realidade fática, reduzem o extraordinário fenômeno da vida a um evento banal, destituído de importância.

Não é isso, no entanto, o que as pesquisas científicas revelam.

Erwin Schrödinger, um dos pais da física quântica e grande incentivador do desenvolvimento da Biologia, ressalta que "todo o padrão tetradimensional é determinado pela estrutura daquela única célula: o ovo fertilizado.",2 chamando a atenção para o potencial extraordinário da célula-ovo, que encerra em si mesma todo o projeto de um novo ser e é capaz de construir um organismo adulto, com toda a sua complexidade.

2. Podem os genes determinar completamente o desenvolvimento humano?

Na verdade, a célula-ovo é a testemunha silenciosa e eloqüente de cerca de três bilhões e 800 milhões de anos de nossa evolução biológica, um primor de sofisticação e complexidade; possui DNA característico, rico quimismo celular, e uma extraordinária capacidade de materializar energia.

A filogênese, a longa saga multimilenar da evolução das espécies, construiu e burilou os genes, moléculas helicoidais de ADN (ou DNA ­ ácido desoxirribonucleico), para que fossem perenes e tivessem um grau de complexidade crescente. Eles fazem parte do núcleo da célula e contêm toda a herança do indivíduo.

Richard Dawkins ressaltou que:3 "os genes, como os diamantes, são para sempre", mas exagerou a importância deles na explicação da diversidade humana.

Com o término da primeira fase do Projeto Genoma, esse papel determinante não se confirmou. Constatou-se que o genoma humano tem cerca de 25 mil genes, se tanto, bem menos do que os 100 mil esperados. Os nossos genes, por exemplo, são 98,4% idênticos aos dos chimpanzés, mas a diferença é menor ainda, na verdade, algo em torno de 0,16%, tendo em vista que 90% dos genes não têm papel codificante. Quais seriam, então, os genes que fazem a diferença? E por que tão vasta? Afinal de contas, o nosso genoma tem apenas cerca de 300 genes a mais do que um rato.

A conclusão é que os genes não explicam o nosso jeito de ser, a inventividade que nos leva à comunicação por meio da linguagem falada e de textos de livros; o fato de termos consciência de passado, presente e futuro; de sermos dependentes de ferramentas e máquinas para sobreviver; de fazermos e apreciarmos arte; e também de utilizarmos nossa engenhosidade para destruir populações inteiras, abusar de drogas que levam à dependência; sentirmos prazer em torturar-nos uns aos outros e dizimarmos centenas de animais de outras espécies.4

O fim da primeira fase do Projeto Genoma deu-nos a certeza de que temos de buscar respostas à diversidade humana em outra parte que não seja nos genes.

Há os que têm convicção de que a ciência um dia explicará todos esses fenômenos complexos, pela "via natural", sem necessidade de recorrer à interferência divina ou a alguma estrutura imaterial no ser vivo, mantendo-se rígidos no paradigma materialista reducionista. Outros, cientistas, porém, pensam diferentemente. É o caso de Rupert Sheldrake, biólogo e pesquisador inglês. Ele crê que os sistemas vivos são por demais complexos, porque estão baseados em informação altamente eficiente, oriunda de um campo imaterial estruturador da forma ­ o campo mórfico ou morfogenético ­ que seria o responsável pela formação do ser.5 No Brasil, o dr. Hernani Guimarães Andrade,6 ilustre presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Psicobiofísicas, falecido em 2003, chama esse campo de modelo organizador biológico.

Como vemos, a formação de um ser vivo ainda é um mistério para a ciência. Está repleta de complexidade e fatos inexplicáveis. Desde o início, a gestação desenvolve-se como uma verdadeira sinfonia sob a batuta de um maestro desconhecido. Há uma perfeita coordenação de movimentos, que leva à clivagem (divisão das células), nidação na cavidade uterina, à formação da placenta e do líquido amniótico, e à continuidade do desenvolvimento fetal, sob a chancela de centenas de enzimas e hormônios, que funcionam harmonicamente na ligação materno-fetal.

Não há explicação científica para os processos reguladores dos embriões, sua capacidade de produzir tecidos e órgãos tridimensionais a partir das seqüências unidimensionais existentes nas bases que estruturam os genes.

Enfim, a ciência ainda não explica como se chega a um bebê tridimensional, partindo de uma única célula unidimensional. Do mesmo modo, a ciência não explica, por que as células de um organismo, portadoras de núcleos com a mesma carga genética, são tão diferentes entre si, com formas e funções tão diversificadas e extremamente especializadas, quanto o são, por exemplo, os neurônios, os hepatócitos, as células do sangue etc.7


Continua...


Marlene Rossi Severino Nobre, Presidente da Associação Médico-Espírita do Brasil e da Associação Médico-Espírita Internacional.


BIBLIOGRAFIA


1. A linguagem dos Genes, cap. 15.

2. O Que é Vida, pp. 32 e 33.

3. O Gene Egoísta, cap. 3, Espirais Imortais.

4. Acompanhe o raciocínio de Jared Diamond na conferência em Dublin, no livro comemorativo das palestras de Schrödinger: O Que é Vida?, 50 Anos Depois, cap.4, p. 54 e seg.

5. Veja Seven Experiments That Could Change the World, pp. 21 a 58 e Uma Nova Ciência da Vida.

6. Ver Espírito, Perispírito e alma cap.IX, pp. 216 e 217.

7. Dieu, existe-t-il? Non...répondent, François Jacob.


imagem: www.comunidadeshekinah.com.br



Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails