domingo, 30 de janeiro de 2011

A CIVILIZAÇÃO HINDU E O ESPÍRITO DE TOLERÂNCIA


Carlos Alberto Iglesia Bernardo

(Breves considerações históricas sob o enfoque espírita)

Há mais de 4.000 anos, começou a surgir uma civilização que marcaria profundamente o desenvolvimento espiritual da nossa humanidade. Entre os vales do Indus e do Ganges, arqueólogos modernos desenterraram cidades, que de tão velhas,estavam esquecidas da história. Revelaram impressionantes remanescentes de uma vida social organizada e fragmentos de uma das mais antigas escritas já encontradas, infelizmente indecifrada.

Entre as ruínas, provas de contato comercial com povos distantes, que também começavam a dar os primeiros passos rumo a civilização. Permanece o mistério de quem exatamente eram e do que lhes aconteceu - desapareceram silenciosamente, por volta do 2º milênio antes de nossa era. Substituídos por outros povos, possivelmente em migrações sucessivas, que aos poucos introduziram uma nova língua e nova estrutura social.

Não se sabe o quanto de sua visão do mundo passou para seus sucessores, mas há indícios nos fragmentos encontrados e em textos posteriores, de que ali nasceram muitas das antigas tradições. Assim aos deuses trazidos nas migrações, se juntou um substrato filosófico que fermentaria novas concepções: Os hinos sagrados dos Vedas, os comentários filosóficos das Upanishads, as concepções religiosas registradas nos épicos (Ramayana eMahabharata) e a obra prima, o "Baghavad Gita" - a sublime canção do senhor Krisnha (inserida no texto do Mahabharata).

Por volta de 500 a.c., surge Sidharta Gautama, o Iluminado (Buda), que, ensinando um novo caminho para a libertação do sofrimento, abandona as fórmulas dos Vedas e a estrutura de castas - que tinha a casta sacerdotal, os brahmans, no topo - mas sem repudiar os conceitos filosóficos básicos e a postura central destes conceitos: a tolerância. Também como alternativa de libertação espiritual surgem os Jainas, que com um respeito profundo a toda manifestação da vida, se recusam a matar até mesmo os insetos.

Do quinto século antes de Cristo até o sexto século de nossa era, diversas filosofias se misturam pacificamente no subcontinente indiano e se espalham pelo Oriente distante. Da renovação filosófica da classe sacerdotal (principalmente na filosofia Vedanta), surge o hinduismo na forma em que o entendemos hoje. Brahmans, Jainas e Budistas se espalham pelas trilhas e mares - Sul da Índia, China, Sri Lanka, Camboja e além. Persas e gregos chegam as margens desse mundo distante e voltam para o Ocidente com notícias espantosas sobre os conhecimentos dos sábios exóticos (conta-se que um Jaina - da corrente mais radical, que não aceita nem mesmo usar roupas para não esmagar acidentalmente algum inseto oculto - retornou com a expedição de Alexandre e causou profunda impressão nos pensadores helênicos).

Por trás de alguns mitos ocidentais posteriores - Pitágoras aprendendo reencarnação da India; Jesus peregrinando entre Brahmans e Budistas antes dos 30 anos; etc ... - está o reconhecimento do avanço na compreensão espiritual para lá do Sindhu ("rio" em sânscrito, em particular o "Indus", o rio por excelência).

Com o sétimo século de nossa era, se inicia um novo período para a Índia. O Islã começa a avançar sobre o subcontinente e aos poucos torna-se a força dominante (séc. XIII). Nos séculos posteriores, mongóis e europeus também constroem impérios por lá.

A civilização hindu, outrora tão admirada, torna-se vitima da dominação estrangeira. Não mais espíritos curiosos como os filósofos gregos que acompanharam Alexandre o Grande, mas seguidores de religiões exclusivistas, orgulhosos de sua superioridade e dispostos a converter os demais a qualquer preço, ou melhor, se possível espoliando-os ao máximo de seus tesouros. É assim que os hindus aprendem o que é a intolerância religiosa, sentindo-a na própria pele.

Como parênteses, fica a observação de que os hindus, nesses contatos forçados, não tiveram a oportunidade de conhecer verdadeiros seguidores de Jesus de Nazaré, trazendo a Boa Nova do reino de Deus, nem mesmo do Islã culto dos filósofos de Bagdá e da Andalusia, que podiam compreender em profundidade os ensinamentos do Profeta Maomé. Tiveram contato com representantes de exércitos invasores, que fanaticamente refletiam em suas crenças os seus interesses de dominação.

O resto é história recente, que teve momentos dignos de um povo milenar quando Gandhi, munido apenas da não-violência (Ahimsa), libertou milhões do jugo colonial. Desde Ashoka, um dos grandes reis da Índia (por volta de 300 a.c.) , que governou um próspero e grande reino baseado no Dhamma (de muitas traduções possíveis, entre elas: dever, piedade, boa-conduta e decência), nunca tão grande espírito (Mahatma) tinha orientado os rumos políticos da nação.

Naturalmente um milênio de invasões e de submissão forçada a outras culturas, criou cicatrizes que se refletiram na tumultuada divisão (pós-independência) em um pais muçulmano e outro hindu. Apesar de todo esforço de Ghandi, e da tradição milenar de tolerância, hoje a Índia compartilha, com o Ocidente e com o mundo Islâmico, a existência de pequenos grupos fundamentalistas e os violentos conflitos decorrentes. Também a miséria e a ineficácia em levar os serviços sociais básicos a uma população numerosa, resultam nos mesmos problemas de outros paises do 3º Mundo, incluindo-se entre eles a criminalidade.

Mas enfim, abstraindo-se os problemas recentes, onde no substrato filosófico desta civilização se encontra a razão para a tolerância que a caracterizou ? De onde seus grandes pensadores tiraram o conceito de que não deveriam hostilizar-se mutuamente ? De quais dos ideais Védicos surge essa postura perante o mundo ?

Diria que de dois pontos principais: Da ênfase na vivência - para um hindu, a filosofia só faz sentido se refletida no comportamento de quem a adota - e da compreensão de que a realidade última está muito além das nossas possibilidades de descrição. De que é impossível descrever a Brahman (a Causa Primária de todas as coisas) e compreendê-lo com nossa mente finita e, assim, todas as descrições são aproximações. Desta última posição, da que está além da nossa capacidade de raciocínio descrever o infinito, de que nossa percepção se perde nos efeitos e não consegue perceber a causa (escondida pela Maya - a ilusão dos sentidos poeticamente representada pela magia de uma deusa), resulta principalmente a conseqüência de que todas as descrições são válidas - apenas aproximações da verdade.

A investigação da realidade, realidade da qual participa o espírito de cada um, levou a uma busca interior - desenvolvida nas escolas de meditação - que permitiu uma compreensão bastante precoce da psicologia humana. Conhecendo a psicologia, não fazia sentido forçar condutas exteriores. Também da investigação da realidade surgiu a convicção de um ordenamento moral do universo, tal qual o ordenamento promovido pelas leis físicas - ordenamento refletido na lei de ação e reação (Karma) e no dever de cada um em cumprir o melhor possivel o seu papel na vida (Dahrma). Ora, o Karma é intrinsecamente resultado da ação de cada um e portanto jamais passaria pela cabeça de um filósofo Hindu a idéia de queimar alguém para lhe salvar a alma.

Finalmente, essa realidade última - a Causa Primária de todas as coisas - onisciente e infinitamente além das nossas limitações, de modo algum pode ser atingida pela nossa ignorância. Infinito amor não tem como se ofender porque alguém crê que é desta ou daquela forma, que se chega a ele por tal ou qual caminho. Os que lhe conhecem - através da busca interior - não só não o conseguem descrever exatamente - por estar além das nossas palavras - como não precisam se preocupar em defende-lo, pois não há como feri-lo ou ofendê-lo.

"Sejam quais forem os deuses a que seu coração sirva, sempre sou eu o escopo da fé que o anima". cap 7, verso 21 - Bhagavad Gita
Trad. Huberto Rohden, ed. Martin Claret

Diante da civilização hindu e do seu espírito de tolerância, brevemente apresentados acima, não é possível para o pensador espírita deixar de refletir na influência de uma filosofia sobre a vida de um povo. Mais que isso, de uma filosofia espiritualista, reencarnacionista e cônscia de um ordenamento moral do Universo. Apesar das turbulências enfrentadas nos últimos séculos e de seus problemas - por exemplo, a dificuldade na compreensão de suas diversas correntes de pensamento, com seu complexo linguajar técnico e sua simbologia, se reflete na adoração pelas camadas populares de uma infinidade de deuses - é uma civilização que merece toda atenção.

Só finalizando este pequeno estudo, e para mostrar que a posição de tolerância da filosofia hindu nenhuma estranheza deve causar ao espírita, transcrevemos abaixo o trecho final da mensagem "Fora da Caridade não há Salvação", do espírito Paulo (Paris, 1860), que consta do "Evangelho Segundo o Espiritismo" (os grifos são nossos):

"Meus amigos, agradecei a Deus, que vos permitiu gozar a luz do Espiritismo. Não porque somente os que a possuem possam salvar-se, mas porque, ajudando-vos a compreender os ensinamentos do Cristo, ela vos torna melhores cristãos. Fazei, pois, que, quando vos vejam, se possa dizer que o verdadeiro espírita e o verdadeiro cristão são uma e a mesma coisa, porque todos os que praticam a caridade são discípulos de Jesus, qualquer que seja o culto a que pertençam.".


Bibliografia
As Upanishads, Carlos Alberto Tinôco, IBRASA.
Bhagavad Gita, trad. Huberto Rohden, Ed. Martin Claret.
Breve História do Budismo, Nan Huai-Chin, Ed. Gryphus.
Filosofias da Índia, Heinrich Zimmer, Editora Palas Atenas.
Índia: A History, John Keay, Harper Collins Publishers.
La Filosofia de los Hindues, Helmut von Glasenapp, Barral Editores.
O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec, trad. J. Herculano Pires, EDICEL.
Pérolas no Fio, Yogashririshinam, médium Elzio Ferreira de Souza, Círculo Espírita da Oração.
(Publicado no Boletim GEAE Número 398 de 22 de agosto de 2000)



texto - http://www.panoramaespirita.com.br
imagem - umjeitomisticodeser.blogspot.com

2 comentários:

Analice disse...

Ola,

eu estou dando uma passadinha para vê as novidades e deixar a minha presença registrada, belo relato ... precisamos sempre estudar essas belas informações afim de compreender e conseguir apreender que todos estao no caminho e que Deus nao criou a sua obra para o fracasso mesmo com as resistencias... por parte de nós...

Um otimo final de semana,

analice,

Jorge Nectan disse...

Sempre importante estudar. E a doutrina nos mostra que quanto mais estudamos mais chegamos a conclusão que nada sabemos.

Um beijo, Analice!!!

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