sexta-feira, 11 de novembro de 2011

OMISSÂO DE DEUS?



José Carlos Monteiro de Moura

O desconhecimento da Justiça Divina induz a pronunciamentos equivocados
1- O Papa Bento XVI, ao visitar o tragicamente famoso campo de concentração de Auschwitz, exclamou, entre outras coisas, o seguinte: "Onde estava Deus naqueles dias? Por que não se manifestou? Como pôde admitir essa matança sem limites, esse triunfo do mal"?
Tais indagações revelam, a um primeiro exame, que o ocupante do hipotético trono de São Pedro permanece, no que diz respeito a Deus, jungido ao "antropomorfismo divino", causa determinante da decretação de Sua morte pelo seu conterrâneo e precursor do nazismo, Friedrich Nietzsche.
Essa maneira de pensar é típica dos que cultivam posturas extremamente radicais e conservadoras, a exemplo do atual papa, um dos mais proeminentes teólogos da ortodoxia católica. Não se trata, por outro lado, de atitude exclusiva dos elementos mais conservadores da Igreja de Roma. As mesmas indagações foram feitas pelo teólogo protestante Erwin Lutzer1 , ao indagar, estarrecido, quando de uma visita ao mesmo campo de extermínio:
"Como Deus pôde permitir tanta crueldade?". "Onde estava a Igreja de Cristo quando seis milhões de judeus foram mortos por ordem de Hitler?"
Tanto o papa como o referido autor deixam subjacentes nos seus questionamentos uma interpretação absolutamente literal do que se acha escrito em Gn., 1 :26: "E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança", que os homens, incluindo-se aí os responsáveis pelas igrejas cristãs, deturparam, com a substituição do sujeito da frase que passou a ser: "E disse o homem: Façamos Deus à nossa imagem, conforme nossa semelhança".
Era a figura do antropomórfico Deus bíblico, portador em grau superlativo de todos os defeitos, falhas e vicissitudes humanas, herdada da cultura judaico-cristã ..
2. Sob tal enfoque, jamais aceito pelo Cristianismo de Jesus - que difere fundamental e ontologicamente do Cristianismo dos homens - nada há de estranhável ou surpreendente nas indagações de Bento XVI e do membro da igreja reformada. Elas funcionam como autênticas caixas de ressonância dos costumeiros favores divinos concedidos a alguns privilegiados, ou dos castigos terríveis decorrentes da ira de Deus, e que Cairbar Schutel2 reduziu à sua verdadeira insignificância ao dizer que "Deus não se presta a ficar, de chinelo na mão, a dar chineladas em nossos traseiros por causa de nossos erros".
O Deus caprichoso, voluntarioso, prepotente, vingativo e rancoroso, inatingível e distante e, ao mesmo tempo e paradoxalmente, tão perto do homem que o castiga pela menor falta cometida, ainda encontra abrigo em inúmeros segmentos do Cristianismo, que o adoram por obrigação e o temem por interesse e conveniência! Entre eles, muitos explicam e justificam as atrocidades cometidas nos campos de extermínio, principalmente as referentes à solução final, que acarretou, só em Auschwitz, a morte de quase um milhão de judeus, como mero extravasamento da cólera divina, uma vez que foram eles, os judeus, os responsáveis pela morte de Cristo. Tal idéia foi longamente cultivada pela Igreja, conforme dá conta David L Kertzer3 , tanto que somente por ocasião do Concílio Vaticano II é que foi excluída da liturgia da sexta-feira da paixão a oração pelos "nossos pérfidos irmãos judeus".
3. Como figura de destaque do Vaticano, responsável, durante o pontificado de João Paulo II, pela Congregação para a Doutrina da Fé nome moderno da Inquisição - o atual Papa conhece melhor do que ninguém a posição de ostensiva hostilidade que Roma sempre dedicou aos judeus. É notória a, no mínimo condenável, omissão de Pio XII diante do genocídio contra esse povo, retratada, fria e imparcialmente, pelo historiador e jornalista católico John Cornwe1l4. A Igreja nem sequer pode alegar em sua defesa o desconhecimento do que, na época, se passava na Europa. A respeito, Michael R. Marrus5 informa que: 'Quando os assassinatos em massa começaram, o Vaticano mantinha-se muito bem informado por intermédio de seus próprios canais diplomáticos e por um grande número de outros contatos. Os funcionários da Igreja podem ter sido os primeiros a enviar à Santa Sé relatórios sinistros, acerca do significado dos trens de deportados em 1942, e continuaram a receber informações mais minuciosas sobre o assassinato em massa no leste europeu. Porém, apesar de numerosos apelos, o papa recusou-se a denunciar explicitamente o assassinato de judeus ou a conclamar de forma direta os nazistas para interromperem a matança. Pio XII sustentou com determinação sua postura de neutralidade e recusou-se a associar-se a declarações contra os crimes de guerra nazistas".
É incontestável que o holocausto não foi obra isolada de um grupo de obsediados, mas a somatória de inúmeros fatores que se desenvolveram no curso dos dois milênios do Cristianismo, marcados, de forma determinante, pelo radicalismo da igreja, conforme o magistério de Gerald Messadié6, em livro recentemente editado no Brasil
A questão, sob esse particular as¬pecto, pode ser encerrada em face das considerações de Debórah Dwork e Robert Jan van Pelt7, a saber: "Os Exércitos não são, tipicamente. agentes de civilização. No mundo ocidental, as Igrejas - Católica e Protestante - exercem esse papel. São aí instituições encarregadas de transmitir os valores tradicionais ao futuro. Têm apenas um trabalho: ser a consciência pública, a voz da moralidade, as defensoras da justiça, a face da humanidade. Em todas essas tarefas, as Igrejas fracassaram absoluta e abissalmente durante os anos do nazismo. Não falaram em favor dos judeus. Nem lembraram aos cristão, que era imoral e eticamente errado roubar os judeus por meio da "arianização", marcar, segregar, deportar matar. As Igrejas, em suma, fizeram um silêncio ensurdecedor".
4. O holocausto, aos olhos do Espiritismo, jamais poderia ser visto nem como castigo divino, nem com resultado da omissão ou da ausência de Deus, que não podem servir d explicação para os genocídios perpetrados pelos nazistas, não só em Auschwitz, como nos inúmeros outros campos de concentração espalhados pela Europa.
Existe, não obstante, uma explicação doutrinária para acontecimentos semelhantes. É de ver-se que salvo melhor e mais abalizado juízo ocorreu, na hipótese, mais um resgate ou provação coletiva dos que periodicamente, alcançam grupos de espíritos afins, que reencarnam como membros do povo judeu. Isso não implica, contudo, que tais espíritos sejam sempre os mesmos que sofreram os cativeiros no Egito e na Babilônia, que foram massacrados por Tito na tomada de Jerusalém no ano 70, que sucumbiram no cerco ( Massada, ou foram vítimas das Cruzadas ou da Inquisição na Espanha ou Portugal, tendo em vista a reencarnação e a lei de causa e efeito Algozes de ontem, vítimas de hoje tais espíritos vêm sendo, no decurso dos milênios, sucessivamente substituídos na verdadeira "operação resgate", que significa fazer parte desse povo.
De mais a mais, o Velho Testamento é uma verdadeira coletânea de massacres cometidos pelos israelitas contra seus inimigos, contando, invariavelmente com o beneplácito e até com a colaboração de Javé, fato enaltecido como sua especial demonstração de apreço e de predileção para com o povo de Israel. Não há, contudo, justificativa para a conduta dos nazistas em relação aos judeus. A eles não competia a execução do seu carma coletivo, porquanto a Justiça Divina dispõe de mecanismos próprios para a consecução de seus fins, prescindindo de toda e qualquer ação humana que vise a substituí-los.
5. Por outro lado, deve ser levado em conta que os grandes responsáveis por semelhantes acontecimentos eram homens dotados de livre arbítrio, e que escolheram seus caminhos, livre e espontaneamente. Embora nada aconteça que não seja por vontade de Deus, Ele não interfere na liberdade de ação de seus filhos, dando-lhes autonomia para assumir as conseqüências, boas ou más, dessas ações. O que se poderia alegar, quando muito, era a inquestionável obsessão de que eram portadores, principalmente Hitler, que em seus devaneios alucinatórios de poder julgava ser a reencarnação de Tibério. Também não escapava da ação maléfica dos obsessores o encarregado de levar a termo a solução final, Heinrich Himmler, que além disso e, talvez por causa disso, era o comandante das tétricas e fantasmagóricas Schutz Staffel, as SS. A grande maioria inclusive acreditava piamente na decantada superioridade ariana, julgava que os judeus eram os grandes culpados por todos os males do mundo e que a sua eliminação traria grandes benefícios para a humanidade. As igrejas, católica e protestante, também participavam desse ponto de vista. O citado Erwin Lutzer informa que o altar da Catedral de Magdeburgo foi, desde 1933, cercado por flâmulas com suásticas, enquanto que o pastor Siegrified Leffer declarava do púlpito de sua igreja: "Na absoluta escuridão da história da igreja, Hitler se tomou, por assim dizer, maravilhosa transparência de nossa época, a janela de nossa era pela qual a luz incide sobre a história do cristianismo"8.
Em vista disso, é forçoso reconhecer que Auschwitz, Birkenau, Treblinka, Mai:danek, Sobibôr, Dachau e tantos outros tenebrosos campos de concentração erguidos pelos nazistas não passam de meras ações humanas, da mesma forma que não passaram de condenáveis ações dos homens as guerras santas, as Cruzadas, a Inquisição, a Noite de São Bartolomeu, a intolerância religiosa na Irlanda, ou o interminável conflito no Oriente Médio que, coincidentemente, tem como principal protagonista o mesmo povo de Israel.
Deus nada tem a ver com isto!


1 - A CRUZ DE HITLER, Editora Vida, São Paulo, 2001.
2 - DEUS CASTIGA? CAIRBAR SCHUTEL RESPONDE, LAKE, São Paulo, 1974.
3 - O VATICANO E OS JUDEUS. OS PAPAS E A ASCENÇÃO DO ANTI-SEMITISMO MODERNO, Ed. Rocco, Rio, 2003.
4 - O PAPA DE HITLER, Imago Editora, Rio, 2000.
5 - A ASSUSTADORA HISTÓRIA DO HOLOCAUSTO, Ediouro, Rio, 2003.
6 - HISTÓRIA GERAL DO ANTISEMITISMO, Ed Bertrand, Rio, 2003.
7 - HOLOCAUSTO, UMA HISTÓRIA. Imago Editora, Rio, 2004.
8 - Op. cit. .p.126

Nota: o autor é aposentado e dedica-se atualmente à divulgação espírita. Vincula-se ao Centro Espírita Francisco de Assis, em Belo Horizonte-MG. Revista Internacional de Espiritismo - Outubro de 2006


texto - http://www.panoramaespirita.com.br/novo/artigos
imagem - eugeniochristi.blogspot.com

3 comentários:

Jorge Nectan disse...

Temos ainda uma visão muito restrita sobre Deus.
Este texto nos clareia o entendimento fazendo-nos refletir que não há como medir Deus em qualquer sentido, pois em última instância, somente pelo coração o compreenderemos, de fato, isto é, sentindo-O!!

Um abraço!

Gabriel disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gabriel disse...

Ele pode não ter nada a ver com isso, mas Ele deixou aquilo acontecer, não se importou com o sofrimento daquela gente, não fez nada pra ajudar ninguém!!! Só no finalzinho da guerra, quando já tinha morrido gente pra cacete é que o inverno lá na Rússia ficou um pouco mais rigoroso e aí os aliados puderam vencer a guerra... Deus não se comoveu nem um pouco com toda aquela dor, deixou todo mundo se ferrar, como todas as tragédias que a gente vê por aí... é triste saber que Deus é assim, indiferente ao sofrimento humano, ainda bem que não sou frio assim!!!

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