terça-feira, 12 de outubro de 2010

MORTE CEREBRAL: ASPECTOS MÉDICOS E ESPIRITUAIS


Gilberto Perez Cardoso

O tema relativo à morte cerebral tem sido largamente discutido na atualidade, motivado por dois principais aspectos. O primeiro diz respeito ao prolongamento da vida de pacientes que agonizam, por vezes durante semanas, até mesmo meses, em unidades de tratamento intensivo, quando recursos de alta tecnologia podem ser empregados com finalidade de prolongamento da vida física. O segundo relaciona-se com a doação de órgãos para transplante, discutido em toda a imprensa de nosso país, em virtude da recente lei que passou a considerar a todos como doadores potenciais, caso não se manifestem previamente em contrário.

Como se sabe, há casos de transplantes, como o do coração, por exemplo, em que o órgão precisa ser retirado do doador, estando esse ainda com vitalidade, caso contrário o transplante não se faz com sucesso. A questão que surge, então, e que tem sido alvo de discussão por parte da sociedade, é a da determinação do momento da morte.

Tradicionalmente, a morte sempre foi associada à parada dos batimentos cardíacos, desde épocas remotas. Com o tempo e os avanços da Fisiologia, o cérebro foi ganhando mais importância do que o coração, na consideração do diagnóstico de morte. A primeira definição de morte encefálica foi divulgada por volta de 1968 por uma comissão especialmente criada para essa finalidade na Faculdade de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos. Essa comissão deslocou o conceito de morte da parada cardíaca para a morte encefálica.

A legislação brasileira sobre o assunto decidiu que o diagnóstico de morte encefálica deveria ser definido pelo Conselho Federal de Medicina, o que resultou na Resolução n° 1346-91.

Mais tarde, os critérios foram aperfeiçoados pela Resolução n° 1480-97, do Conselho Federal de Medicina, atualmente em vigor. Além de estabelecer critérios clínicos precisos para diagnóstico, a Resolução do CFM recomenda, ainda, para pacientes acima de dois anos de idade, a realização de exame complementar dentre os que analisam a atividade circulatória cerebral ou sua atividade metabólica. Para pacientes acima de uma semana de vida, até dois anos de idade, sugere-se a realização de um eletroencefalograma, com intervalos variáveis de acordo com a idade.

Tal recomendação é oportuna e revela uma grande cautela, porque em vários outros países, inclusive nos Estados Unidos, curiosamente, tais exames complementares são dispensados pela lei, e o diagnóstico de morte cerebral é feito somente com base no exame clínico.

O diagnóstico de morte cerebral, entretanto, não impede e nem dispensa a adoção de qualquer atitude terapêutica pertinente, na opinião da maioria dos neurologistas. Significa, apenas, para o momento dos nossos conhecimentos médicos, "a impossibilidade do retorno à vida".

No futuro, é possível que critérios de morte encefálica possam ser modificados, pois a Ciência avança a cada dia.

Novidades acontecem, e já há até quem defenda certas técnicas de hipotermia (abaixamento da temperatura do corpo), que teriam a possibilidade de recuperar casos antes tachados de irreversíveis. Todavia, esse é o modo como os neurologistas encaram o problema atualmente.

E do ponto de vista espiritual, o que podemos dizer?

Em 1857, quando da publicação de O Livro dos Espíritos, a humanidade ainda não se defrontava com transplantes e UTIs, de forma que não há referências a essas questões no Capítulo III, da Segunda Parte, que trata da volta do Espírito ao Mundo Maior. Os Espíritos Superiores fixam o instante da morte no momento em que, "rompidos os laços que retinham o Espírito, ele se desprende" (O Livro dos Espíritos, questão n° 155).

Evidentemente que nenhum método diagnóstico utilizado pela medicina é capaz, até o momento, de precisar o instante em que o Espírito se desprendeu do corpo físico definitivamente. Os métodos de que dispomos nos informam que o cérebro está impossibilitado de expressar o Espírito, somente isso.

Por outro lado, a questão n° 156 diz que "na agonia, a alma, algumas vezes, já tem deixado o corpo; nada mais que a vida orgânica...", sugerindo que o desprendimento já ocorreu, a desencarnação já se consumou, embora o coração continue a bater.

Conseqüentemente, do ponto de vista espiritual, tanto o corpo pode funcionar, tendo a desencarnação já se efetivado, quanto pode ocorrer a morte cerebral e o Espírito não ter ainda efetivado sua liberação total da carne.

A morte cerebral, no atual estágio dos nossos conhecimentos, representa apenas uma impossibilidade/irreversibilidade de expressão via corpo físico, mas não representa o instante da desencarnação, nem a garantia de que o Espírito já tenha partido definitivamente. A pergunta l56 diz que a situação descrita (desprendimento do Espírito com o corpo ainda funcionando) acontece algumas vezes e não todas as vezes.

Por isso mesmo, temos de encarar tal questão com bastante cautela e humildade, reconhecendo, como em muitas outras questões, que será necessário aguardar mais um pouco para o surgimento de informações mais esclarecedoras. Até lá, prudência e paciência são o mais aconselhável.

Não se pretende aqui a defesa do prolongamento artificial, muitas vezes agressivo e doloroso, do paciente indubitavelmente agônico; mas recomenda a Ética que medidas básicas sejam empregadas para deixar que a Vida decida pela permanência ou não do indivíduo no corpo físico.

A doação de órgãos é sublime, na medida que uma vida física inviável proporciona vitalidade a outra com possibilidades de permanência no campo físico. Entretanto, tal doação precisa respeitar, em primeiro lugar, a existência que está findando, caso contrário não podemos garantir que o ato ocorreu dentro de um sentido ético, ainda mais levando em conta a correria desenfreada que se instalou na busca por um transplante.

Eutanásia e homicídio são situações delicadas frente às Leis Divinas. Avanços da Ciência e mais informações da Espiritualidade auxiliarão os homens, com certeza, a definir melhor certos pontos ligados à morte cerebral e ao momento do desenlace, que não estão ainda devidamente - do ponto de vista espiritual - esclarecidos.

Boletim do SEI – nº 1569 – 256/4/98.

(Jornal Mundo Espírita de Julho de 1998)



texto - http://panoramaespirita.com.br
imagem - internet

10 comentários:

Eliane Gonçalves disse...

Olá Jorge,

Tem um desafio lá no meu blog para você. É um questionário que está passando de blog em blog para nos conhecermos melhor...mas só responda se tiver vontade, sem compromisso...

Bjo.

Eliane Gonçalves disse...

Realmente muito complicado a assunto em questão, me recordo de alguns livros em que li onde o espírito já havia desencarnado e por falta de orientação, não de liberou do corpo, sofrendo até mesmo os efeitos da decomposição.
Acredito que se o espírito for merecedor, sua passagem sempre será amparada por seres de luz então ocorrendo ou não morte cerebral ele será desligado no momento certo.
Lembro também de alguns livros que li, que relatam acidentes de carros e até mesmo aéreos, onde o espírito por merecimento é liberto do corpo segundos antes do acidentes, para não sofrer a dor, o sofrimento...O Universo é perfeito e precisamos confiar nele e nos trabalhadores de luz que trabalham no momento do desencarne.

Abs,

Eliane.

ValériaC disse...

Realmente Jorge, o assunto é delicado e muito bom falarmos nele, no sentido de que se tenha a devida cautela para se chegar clinicamente a este fato.
Beijos...
Valéria

Unknown disse...

Jorge, li em um livro da AME, algo diferente sobre este assunto. Vou pesquisar e te dou o nome do livro e a página/capítulo onde trata deste assunto.
beijos

Maria José Rezende de Lacerda disse...

Jorge. Este assunto é delicado demais. Já li alguma coisa a respeito e acho que uma boa dose de cautela e bom senso é necessária para se decidir sobre o assunto. Beijos.

Jeanne Geyer disse...

Jorge, o nome do livro é Saúde e Espiritismo, da AME-Brasil. Tem o capítulo Transplante: Morte encefálica e repercussõe perispirituais.
Expõe com clareza a definição de morte, fala em transplantes, coma e o que acontece com o espírito doador. Li e achei muito esclarecedor, aborda todos os apectos possíveis dentro da visão cientifica e espiritual.
Beijos

orvalho do ceu disse...

Oi, Jorge
Com muita correria, há 15 dias fora, viajando pra cá e pra lá, chego cheia de saudade dos amigos... Como está vc? Tomara que muito bem!
Vc enfoca pontos importantes no mundo atual...
Pena que nem todos estejamos "nem aí"...
A ESPIRITUALIDADE, de fato, nos dá uma dimensão mais precisa de tudo o que nos envolve... Deus é muito bom!!!
Abraços fraternais com meu carinho.

Jorge Nectan disse...

Minhas amigas

um assunto delicado, concordo. E muito depende do merecimento, também concordo. A questão fica no campo físico já que até hoje, a Ciência Oficial não tem uma posição definitiva quanto a morte. E creio que a Medicina Espírita será o que vai definir o momento da morte..afinal, sem uma visão do lado espiritual, sempre fica não plenamente explicado.

Jeanne, já li este livro, que por sinal, é muito bom, e pretendo reler em especial, este capítulo. Obrigado pela dica.

Orvalho amiga, buscamos colocar temas para se ler, ampliar visão da vida e compartilhar idéias que surjam delas. Afinal, muita vez olhamos apenas por um lado, e sempre bem vindo opiniões que nos mostrem sob outros ângulos.

Obrigado mesmo, por comentarem para aprender mais. Na realidade sou, aqui, o maior beneficiado.

Beijo, de gratidão!

Carllos Allberto disse...

Olá Jorge!
Grande amigo. Realmente esse é um tema complicado. Creio que o plano espiritual, programa essas ações conforme as necessidades intuindo áqueles envolvidos, á realização do correto feito. Penso também que áqueles já predispostos CONCIENTEMENTE à doação de seus órgãos no momento chegado, isso se dará sem grande confronto existencial. Mas penso também que devido ao fato dessa corrida desenfreada á captação de orgãos como citastes, providencial se torna declarar essa nobre intenção, somente aos mais próximos fazendo-os entender da sua vontade.
Forte abraço amigo Jorge.

Jorge Nectan disse...

Carllos,
infelizmente existe ambição no mundo da medicina no que tange a transplantes. Mas haverá o dia em que a medicina será considerada espiritual pois o homem é um ser integral, não apenas físico. Serão médico de alma acima de tudo, valorizando o doente e não a doença lhe dando toda sustentação e amor ao doente, em especial aos terminais.

Um grande abraço, meu amigo!

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails